Acórdão nº 106/08.8TAIDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório: No processo comum singular n.º 106/08.8TAIDN, do Tribunal Judicial de Idanha-A-Nova, Secção Única, por sentença de 27/4/2010, o arguido EN...

foi condenado, como autor material, pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 110 dias de multa, à razão diária de 15 euros, o que perfaz a quantia de 1650 euros, a que correspondem, nos termos do artigo 49.º, do C. Penal, 73 dias de prisão subsidiária.

Foi, ainda, na dita sentença, julgado procedente o pedido de indemnização cível formulado nos autos por AM...

, tendo, em consequência, sido o demandado EN...

condenado no pagamento àquele, a título de danos não patrimoniais, da quantia de 300 euros.

**** Inconformado com essa decisão, dela recorreu, em 1/6/2010, o arguido EN...

, defendendo a sua revogação e substituição por decisão que o absolva do crime de difamação, bem como do pedido de indemnização civil, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: 1.Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Assistente, aqui Recorrido, deduziu acusação particular contra o Arguido, aqui Recorrente, à margem referenciado e identificado nos autos a fls…., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, do C. Penal, pelos factos vertidos na acusação particular, constante de fls….e que se dá por integralmente reproduzida, no que foi acompanhado pelo Ministério Público.

  1. O douto tribunal a quo, para além dos factos que considerou provados e não provados, não considerou nem apreciou outros factos que foram alegados, que resultam dos autos e/ou resultaram dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ou não valorou devidamente, como deveria ter feito, e que, salvo o devido respeito, têm interesse para a boa decisão da causa.

  2. Face aos factos dados como provados em audiência de julgamento e constantes da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, aos depoimentos prestados em audiência de julgamento e a que faz referência a douta decisão, bem como aos depoimentos e aos factos ora relatados, resulta que foram incorrectamente julgados os factos 5) e 7) dos factos dados como provados: 5) O arguido proferiu as declarações referidas em 3), sabendo que ofendia a honra e consideração que são devidas ao assistente, o que logrou conseguir; 7) O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; bem como o facto VI dos factos não provados que refere “as imputações referidas em 3) dos factos provados foram originadas por motivos relevantes e sérios, para realizar interesses legítimos, e não tiveram o propósito de difamar.”.

  3. Na verdade, face aos factos constantes dos autos e aos depoimentos prestados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos, e se atendermos a que as palavras proferidas pelo aqui arguido/recorrente e sujeitas a apreciação foram proferidas exactamente na mesma audiência que julgava o aqui assistente/recorrido por crimes de injúria e ameaça, processo n.º 54/06.6GEIDN, e em que foram dados como provados os seguintes factos, como consta de certidão extraída e junta aos presentes a fls…., em decisão transitada em julgado: 5ª- Factos provados: “1. No dia 18 de Novembro de 2006, pelas 10:30 horas. O arguido aproximou-se de EN..., quando este se encontrava a executar tarefas agrícolas na sua propriedade rústica, denominada Salineiras, sita na freguesia de ..., área desta comarca.

  4. Após uma breve troca de palavras, relacionadas com relações de vizinhança, o arguido, dirigindo-se a EN..., afirmou “mato-o a tiro, bem como aos seus animais”.

  5. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, dirigindo-se a EN..., afirmou “és como uma merda e não vales merda nenhuma”.

  6. As palavras proferidas pelo arguido criaram no ofendido o receio de que aquele, no momento, atentasse contra a sua vida e integridade física e a dos seus animais.

  7. Nesse momento, o ofendido deixou de executar os trabalhos que estava a fazer e dirigiu-se para o seu veículo automóvel sendo que o arguido tentou que este não fechasse a porta do veículo a fim de o impedir de se ir embora.” 6. Quer se queira quer não, é o próprio assistente/recorrido nos presentes autos que, dirigindo-se ao arguido/recorrente lhe diz: “mato-o a tiro, bem como aos animais”, e depois é visto na propriedade do arguido/recorrente, aparecem aramadas cortadas, desaparecem animais, aparecem animais na exploração do assistente/recorrido, alguns dos quais o assistente/recorrido recusa devolver ou entregar, aparecem animais mortos na exploração, então dúvidas não subsistem de que o aqui arguido/recorrente tinha, ao menos, fundamento sério para em boa fé ter feito as imputações que fez ao assistente/recorrido.

  8. Termos em que, salvo o devido respeito, por se entender que o ora arguido/recorrente imputou ao assistente recorrido facto para realizar interesses legítimos e tinha fundamento sério para, em boa fé, o reputar como verdadeiro, conclui-se que o arguido/recorrente não é jurídico-penalmente responsável pela prática do crime por que foi condenado, devendo o mesmo ser absolvido da prática de tal crime, bem como do pedido de indemnização civil formulado.

  9. Ao decidir em sentido contrário, o douto tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova carreada para os autos, designadamente da prova gravada, dando como provados factos e outros como não provados que se consideram incorrectamente julgados, bem como evidencia uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, padecendo, pois, a sentença, de um vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPP.

  10. E aplicou erradamente o direito contido nas normas dos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, ambos do Código Penal.

    **** A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, em 11/6/2010, apresentou resposta, em que defendeu a improcedência total do recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, motivando convenientemente a sua convicção, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.

  11. O artigo 127.º, do CPP, erige, enquanto princípio de apreciação da prova produzida, o da liberdade vinculada do julgador.

  12. Os factos que tiveram por base o presente recurso foram motivados de forma adequada, parece-nos, na sentença proferida e ora em análise, de acordo com as provas constantes dos autos e produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento.

  13. O erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

  14. A sentença proferida nos autos jamais incorreu no vício que lhe imputa o arguido, face ao que se considera, para a lei processual penal, como erro notório na apreciação da prova, sendo certo que também não existe qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

  15. O arguido não conseguiu provar que tinha fundamento sério para, em boa fé, imputar ao assistente o roubo e morte dos seus animais.

  16. Ensina o Comentário Conimbricense do Código Penal, com a particularidade da actividade jornalística, para a qual a mens legislatoris especialmente se orientou nesta norma, que “(…) a boa-fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva. (…) Entre muitos outros aspectos, a observância de tal dever concretiza-se no cuidado na recolha de informações, na selecção e credibilidade das fontes, (…).” 8. Como proficientemente defende a sentença proferida nos autos, a fls. 320, cujo excerto se transcreve, “(…), ainda que se considere a alegada ameaça, atenta a circunstância em que foi proferida, e que consta igualmente daquela factualidade provada, idónea a criar no arguido a convicção de que o assistente mataria a tiro os seus animais, sempre se dirá que se impunha ao arguido diligências adicionais para aferir do nexo de causalidade entre os acontecimentos que veio a relatar naquela audiência de julgamento e a pessoa do ora assistente, devendo fazer uso dos meios legais próprios para o efeito e não discutir perante terceiros questões para as quais não tinha elementos objectivos de provar.” 9. Atendendo, pois, ao que se considera ser a boa fé para justificação de uma conduta como a que está em causa nos autos – e cuja exigência perfeitamente se compreende – certos estamos, salvo melhor opinião, que a sentença proferida pelo Tribunal a quo andou e argumentou bem, nos termos acima expendidos, interpretando e aplicando correctamente a norma do artigo 180.º, do C. Penal.

    **** O assistente/recorrido não apresentou resposta.

    **** O recurso, em 13/9/2010, foi admitido.

    Nesta Instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 19/10/2010, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, concordando, no essencial, com a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, apenas o assistente, em 3/11/2010, exerceu o seu direito de resposta, no qual subscreveu, na totalidade, o douto Parecer do Ministério Público e aderiu, também integralmente, à resposta apresentada pela Senhora Procuradora-Adjunta na 1ª instância.

    Por despacho de 15/12/2010, não foi admitida a renovação da prova requerida pelo arguido/recorrente.

    Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência.

    **** II. DECISÃO RECORRIDA (com relevo para o recurso): “(…) III. FUNDAMENTAÇÃO: A) Fundamentação de facto: A.1) Factos provados: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma: Quanto à acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público: 1) O assistente é arguido no processo n.º 54/06.6GEIDN, que corre termos no Tribunal Judicial de Idanha-A-Nova...

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