Acórdão nº 121/09.4T2ILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. M (…) intentou, na comarca do Baixo Vouga/Ílhavo, a presente acção com processo ordinário[1] contra o Instituto da Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões, pedindo que se declare a A. titular do direito às prestações por morte de A (…), nos termos do disposto na alínea e) do art.º 3º e do art.º 6º, da Lei n.º 7/2001, de 11.5, e condenando-se o demandado a reconhecer tal qualidade e a processar e a pagar regularmente as prestações a que a A. tem direito.
Alegou, em síntese, que viveu cerca de 15 anos com o referido (…), como se de marido e mulher se tratasse, tomando juntos as refeições, partilhando o mesmo leito, relacionando-se sexual e afectivamente, vivendo do vencimento do falecido, e que os seus rendimentos, provenientes de uma pensão no valor de € 187,18 (RSI), não são suficientes para fazer face a todas as despesas indispensáveis à sua sobrevivência, sendo que sofre de patologia que a incapacita para qualquer tipo de trabalho; referiu, ainda, que não tem filhos, os pais faleceram, a sua família não tem rendimentos suficientes para lhe prestar alimentos e a herança do falecido é composta de um único imóvel sobre o qual incidem duas penhoras.
Na contestação, o demandado impugnou toda a factualidade não comprovada por via documental e concluiu que a acção deve ser “julgada de acordo com a prova a produzir em audiência de julgamento”.
Já depois de proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto (fls. 123), o tribunal recorrido, por decisão de 20.9.2010, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.° 287° al. e) do Código de Processo Civil), com o seguinte fundamento: “(…) O Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, definiu, no âmbito dos regimes de segurança social, a protecção na eventualidade da morte, consagrando a extensão do regime jurídico das prestações nele estabelecidas às pessoas que se encontrem na situação prevista no artigo 2020° do Código Civil, isto é, que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges.
Porém, tendo em atenção as especificidades de que se revestem as situações de união de facto, o n.° 2 do artigo 8° daquele diploma determinava que a definição das condições de atribuição e do respectivo processo de prova deviam ser objecto de regulamentação específica.
Essa regulamentação foi feita pelo Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, que definiu o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto.
O artigo 2° do Decreto Regulamentar prescrevia que “Tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”.
Entretanto a Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio veio adoptar medidas de protecção das uniões de facto, independentemente do sexo das pessoas nessa situação e desde que a união de facto durasse há mais de dois anos. Segundo o artigo 3° do diploma as pessoas que vivam em união de facto nas condições previstas na lei têm direito a “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”. E de acordo com o artigo 6°, são beneficiários desse direito “no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020° do Código Civil”.
Era este o regime jurídico em vigor à data da instauração da acção. Sucede que entretanto foi publicada a Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, que, no que aqui interessa, alterou substancialmente o regime jurídico das uniões de facto consagrado na Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, no Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, no Código Civil (designadamente o artigo 2020°) e no Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março, e revogou outrossim, de forma tácita, vários dispositivos do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro.
O artigo 3° da Lei n.° 7/2001 [sublinhado nosso], na redacção introduzida pela recente alteração, dispõe que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: ... e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei.” O artigo 6° da mesma Lei [idem] relativo ao regime de acesso às prestações por morte passou a dispor que: “1- O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, independentemente da necessidade de alimentos. 2- A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação. 3- Exceptuam-se do previsto no n.° 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.° 2 do artigo 1º.” Por sua vez o novo artigo 2°-A [idem], relativo à ‘Prova da união de facto” dispõe que: “1-Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. 2- No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. 3- Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular. 4- No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.” Finalmente deve referir-se que o artigo 8° do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, também foi alterado e passou a estabelecer o seguinte: “1- O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto. 2- A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto.” Em resumo, estas alterações legislativas acabaram com dois dos grandes obstáculos legais que até aqui se colocavam à pretensão da pessoa que vivia em união de facto de receber as pensões por morte do outro membro da união entretanto falecido: a necessidade de instaurar uma acção judicial para ser reconhecido que vivia com o falecido em união de facto; a necessidade de demonstrar que carecia de alimentos e os não podia obter de um determinado conjunto de pessoas.
No tocante à necessidade da acção judicial, substituiu-se o regime antecedente pela suficiência de qualquer meio de prova, regulando-se a possibilidade de isso ter lugar mediante declaração da Junta de Freguesia. O que significa que se revogou tacitamente o Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, na parte em que previa essa acção (a ressalva do n.° 1 do artigo 2°-A da Lei n.° 7/2001 - “disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica” - reporta-se a outras situações em que haja necessidade de prova documental específica, sendo que uma acção judicial e a respectiva sentença não são prova documental mas procedimento...
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