Acórdão nº 2983/06.8TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de instrução que correram termos pelo Tribunal Judicial de X..., o Ministério Público proferiu acusação contra o arguido LC..., à qual aderiu o assistente AS..., formulando ainda pedido de indemnização cível.

Inconformado, o arguido LC... requereu a abertura de instrução pugnando pela sua não pronúncia e pela pronúncia de AS…, em concurso real, pelos crimes de denegação de justiça, p. p. pelo art. 369º, nºs 1 e 2, e de abuso de poder, p. p. pelo art. 382º, ambos do Código Penal.

Após debate instrutório veio a ser proferida decisão instrutória que não pronunciou AS..., pronunciando no entanto LC.... Essa decisão tem o seguinte teor: (…) A instrução destina-se, tal como o estabelece o artigo 286º do Código de Processo Penal, à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

O artigo 308º do Código de Processo Penal estabelece, no seu n.º 1 que, se até ao encerramento de instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Consideram-se suficientes os indícios, nos termos do disposto no artigo 283º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Quanto a este conceito, escreve Figueiredo Dias que, os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável que a absolvição, acrescentando este autor que, logo se compreende que a falta delas, “provas”, não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova tem que ser sempre valorada em função do arguido.

Assim, deve o juiz proferir despacho de pronúncia do arguido quando os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior e seja de concluir, com uma probabilidade razoável, que tais elementos se manterão em julgamento, ou quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação.

O arguido pugna pela sua não pronúncia pela prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 365º, n.º 1 do Código Penal.

De acordo com o disposto no artigo 365º, nº 1 do Código Penal “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Assim, são elementos típicos do crime de denúncia caluniosa: a) A conduta: denunciar ou lançar suspeita, por qualquer meio – as expressões denunciar e lançar suspeita enquadram a comunicação, com recurso à linguagem oral ou escrita, de factos, susceptíveis de criar, reforçar a suspeita da prática de acto ilícito; b) Sujeito passivo: pessoa determinada – a acção terá de recair sobre outra pessoa, concretamente identificada (ou identificável); c) Objecto da conduta: factos correspondentes a crime – serão factos idóneos para provocarem perseguição criminal; d) Destinatários da acção: a denúncia ou a suspeita serão feitas perante autoridade ou publicamente; e) O elemento subjectivo: o dolo, revelado pela consciência da falsidade da imputação e na intenção de que contra o sujeito passivo se instaure procedimento.

O ilícito em análise só é punível a título de dolo, o qual é qualificado por duas exigências cumulativas: o agente terá de actuar “com a consciência da falsidade da imputação” e, complementarmente, terá de o fazer “com intenção de que contra ela se instaure procedimento”, sendo que a consciência da falsidade significa que no momento da acção o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita.

Dos autos, desde logo em sede de inquérito resultou fortemente indiciada a factualidade imputada ao arguido, em face dos elementos de prova documental, designadamente de fls. 31 a 34 e 37.

Em sede de instrução, procedeu-se á tomada de declarações ao arguido AS..., o qual esclareceu a sua actuação enquanto Chefe de Finanças de X..., não se tendo procedido á realização de qualquer outra diligência instrutória.

Pelo arguido requerente da instrução, foram juntos documentos atinentes ao Processo de Execução Fiscal n.º 3700200001503812.

Tendo em atenção todos os elementos carreados para os autos na sequência da investigação realizada em sede de inquérito e de instrução resultou fortemente indicada a conduta pela qual o arguido vem acusado, sendo certo que a prova documental junta em sede de instrução não se mostrou suficiente, para abalar os indícios recolhidos em sede de inquérito.

Resulta então, em face dos elementos recolhidos na sequência das diligências de inquérito e de instrução, suficientemente indiciada a prática pelo arguido dos factos tipificados e qualificados como crime ou seja, estão reunidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal, impõe-se pela pronúncia do arguido nos termos constantes da acusação pública.

* Quanto aos factos imputados ao arguido AS..., consubstanciadores, na óptica do assistente requerente da instrução, da prática de um crime de denegação de justiça, previsto e punido nos termos do artigo 369º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal, da instrução, não resultaram indícios que permitissem concluir em sentido diverso daquele em que se concluiu no termo inquérito, uma vez que não foram trazidos novos elementos, pelo que não resultaram quaisquer factos que infirmem as conclusões vertidas pelo Ministério Público no termo do inquérito no despacho de arquivamento, considerando-se que, do inquérito não se mostrava indiciada tal factualidade, não resultando que o arguido tenha actuado quer com violação ou abuso dos seus deveres quer com intenção de prejudicar o assistente requerente da instrução.

Quanto ao crime de abuso de poder, estabelece o artigo 382º do Código Penal que o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiros, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

No âmbito do inquérito entendeu-se que não...

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