Acórdão nº 831/09.6TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu não pronunciar o arguido DG..., determinando-se o arquivamento dos autos.

Inconformado, o assistente JC… apresenta recurso para esta Relação.

Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso.

A)No dia …, no decorrer da competição "Liga …", época …, teve lugar no Estádio Municipal de .... o jogo da 3° Jornada entre a A.... ( A....) e o B.... ( B....- ....).

B)O assistente integrava a equipa do B....- .... enquanto massagista, estando sentado no banco, fazendo parte da ficha de jogo, enquanto o arguido era o árbitro responsável pela arbitragem do mesmo.

C)O jogo decorreu sem problemas de maior, tendo havido apenas algumas manifestações de desagrado, por parte do assistente e de todo o banco do B..../ .... contra decisões do arguido, nomeadamente quanto à marcação de uma grande penalidade contra o B... não havendo, no entanto, qualquer reacção a estas por parte do árbitro, nomeadamente advertindo ou expulsando o assistente quer durante o jogo quer depois deste ter terminado.

D)No final do jogo, já no hall de acesso à saída do estádio, o assistente dirigiu-se ao arguido e perguntou-lhe o porquê do penalty, ao que o arguido respondeu: "Ando no futebol há 11 anos e quero-lhe dizer na cara o seguinte: Você é um mau exemplo para os seus jogadores e para a sua equipa".

E)A frase foi proferida em voz alta perante dirigentes do Clube, treinador e funcionários, num tom agressivo e hostil, sendo totalmente despropositada, sendo notório o carácter injurioso e calunioso das declarações, uma vez que o assistente se viu atacado na sua honra e consideração pessoais, tendo o arguido perfeita consciência do carácter ofensivo das suas afirmações e das consequências de que poderia advir da sua conduta.

F)Não procede o argumento de que o arguido agiu no âmbito do exercício do seu direito de opinião, uma vez que este colidiu com o direito à honra e consideração do assistente, afectando o núcleo essencial deste, o que, de acordo com o princípio da concordância prática, deve fazer ceder o primeiro, perante o segundo.

G)Até porque a situação aconteceu na presença de outros elementos do B..., nomeadamente de elementos dos corpos directivos, que o arguido sabia quem eram por estarem na ficha de jogo, de quem depende a manutenção do vínculo laboral do assistente, a qual poderia ficar em perigo pela actuação do arguido.

H)O crime de difamação é um crime doloso, não se exigindo, no entanto, um dolo específico, bastando qualquer uma das modalidades previstas no art. 14 do Código Penal.

I)Assim, para que o dolo se verifique, basta que o agente tenha consciência que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa considerando o meio social e cultural e a "sã opinião da generalidade das pessoas de bem".

J)Não é de acreditar que o arguido não tenha tido esta consciência no momento da prática dos factos.

K)Estão assim preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de difamação na forma agravada p. e p. nos art.s 180, 182 e 187 do Código Penal, não havendo justificação para a não pronúncia do arguido.

Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que pronuncie o arguido pelo crime de que vinha acusado, ordenando-se em consequência o prosseguimento do processo.

Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui verificarem-se indícios da prática do crime de injúria, mas não de difamação como pretende o recorrente.

Foi apresentada resposta pelo arguido, concluindo: a)Os factos descritos na acusação não se subsumem na previsão dos Art. 180, 182 e 187 do C. Penal.

b)O arguido imputou os factos directamente ao assistente.

c)Fê-lo verbalmente, e d)Não se referiu a nenhuma pessoa colectiva, nem o assistente, na qualidade em que se apresenta, representa qualquer pessoa colectiva.

e)Da prova produzida em inquérito e na instrução não resultaram indícios suficientes da prática de qualquer crime contra a honra.

f)O arguido agiu no uso da autoridade que exerce sobre o assistente, advertindo-o do cometimento de infracções.

g)A sua intenção foi corrigi-lo e não ofende-lo.

h)Dizer a alguém que o seu comportamento - cometimento de infracções - é um mau exemplo e uma vergonha, não ultrapassa os limites da crítica objectiva.

i)A imputação feita pelo arguido ao assistente é assertiva.

j)O comportamento do assistente é um mau exemplo para os jogadores que podem seguir-lho, sujeitando-se a sanções.

k)É motivo para sentir vergonha o cometimento de infracções.

I)A advertência e crítica feita pelo arguido, não é exagerada nem desproporcional.

m)A argumentação usada pelo assistente neste recurso é contraditória, não sendo capaz de beliscar a decisão de não pronúncia.

n)A decisão recorrida é irrepreensível, quer na fundamentação de facto, quer na fundamentação de direito Deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A., emite parecer concordante com a posição da resposta do Mº Pº na 1ª Instância.

Foi cumprido o art. 417 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir: *** É do seguinte teor o despacho recorrido: (…) Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 286 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Por sua vez, determina o artigo 308, nº 1 do Código de Processo Penal que, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, devendo, em caso contrário, proferir despacho de não pronúncia.

Assim, a função da presente instrução é a de apreciar se nos autos existem indícios da prática pelo arguido do referido crime de difamação, que sejam suficientes para o submeter o julgamento, ou, pelo contrário, não existem tais indícios e terá que ser proferido despacho de não pronúncia.

Face ao disposto nos artigos 283, nº2 e 308, nº 2 do Código de Processo Penal, consideram-se indícios suficientes “sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança.” Haverá indícios suficientes quando está em causa um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados, isto é, vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele.

Consequentemente, fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem os mesmos, para efeitos de prolação do despacho de pronúncia quando: - os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si fizerem pressentir a culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior; - se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou - quando se pressinta que da ampla discussão em audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido de condenação futura. Para a pronúncia não é necessário uma certeza da existência da infracção, bastando uma grande probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Deve assim o Juiz de Instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida, fazendo um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.

* Vem o arguido acusado por um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180, 182 e, segundo o assistente, também pelo artigo 187, todos do Código Penal.

Dispõe o artigo 180 do Código Penal que, “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.

Nos termos do artigo 182 do Código Penal “á difamação e á injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”.

“A honra é a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, á probidade, á rectidão, á lealdade, ao carácter”.

Por outro lado, a “consideração é o património de bom nome, de crédito, de confiança, que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros.

A consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública” (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 82, vol. 2, pág. 196).

Acresce que o crime de difamação é um crime doloso, o que quer significar que só estão arredadas do seu âmbito subjectivo as condutas negligentes, sendo, por isso, suficiente a imputação baseada tão só em dolo eventual.

Por outro lado, é de salientar que, hoje, está superada a antiga controvérsia no que tocava á exigência de um chamado dolo específico. E superada no sentido de que não se pode conceber uma tal exigência. Basta uma actuação dolosa, desde que se integre numa das modalidades do artigo 14 do Código Penal.

Assim, a imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de suspeita; a formulação de um juízo de desvalor ou a reprodução de uma imputação ou de um juízo, que seja levado a terceiros, constitui um crime de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT