Acórdão nº 540/07.0TBMLD.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução17 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Teve o presente recurso de apelação origem numa acção sumária, visando a resolução de um contrato de arrendamento para fim habitacional (vulgo, despejo), acção esta proposta em 01/10/2007[1], na qual J… e mulher, M… (AA. e aqui Apelados), na qualidade de “senhorios” dos RR., demandaram os seus inquilinos, A… e mulher, B… (RR. e Apelantes neste recurso), invocando o arrendamento a estes, estávamos então em 1 de Setembro de 1978 (e valeu para esse efeito o documento/contrato de arrendamento de fls. 13), do rés-do-chão de um prédio a eles (AA.) pertencente, sito ..., na ....

Fundando tal pretensão invocaram os AA. comportamentos reiterados dos RR. (obstaculização de obras no prédio, agressões e injúrias dirigidas às suas pessoas), aos quais atribuíram a virtualidade de fundar a resolução desse contrato, nos termos do artigo 1083º, nº 2, alínea a) do Código Civil (CC)[2].

1.1.

Contestaram os RR. negando os factos invocados como fundamento do despejo, indicando que a potencialidade resolutiva do contrato que esses factos – a terem ocorrido – apresentassem, estaria extinta por caducidade do direito de accionar a resolução.

1.2.

Saneado o processo avançou para o julgamento – tratou-se de um primeiro julgamento – consubstanciado na Sentença de fls. 210/223, que julgou a acção improcedente, decisão esta da qual foi interposto recurso de apelação apreciado por este Tribunal da Relação através do Acórdão de fls. 289/297.

1.2.1.

Aí decidiu este Tribunal anular esse primeiro julgamento, nos termos do artigo 712º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), determinando o aditamento à base instrutória de factos questionando as agressões morais e físicas por parte dos RR. aos AA., repetindo-se o julgamento com esse específico objecto[3].

1.3.

É dessa repetição que trata a presente apelação, sendo que foram aditados os factos indicados por esta Relação (fls. 305/306), propostas novas provas a tal respeito[4] e, após esse novo julgamento[5], foi proferida a Sentença de fls. 373/391 – esta constitui a decisão objecto deste recurso – que julgou, em função das respostas aos quesitos acrescentados, a acção procedente e resolvido o contrato, condenando os RR. a entregarem o locado, livre e desocupado, aos AA. 1.4.

Inconformados interpuseram os RR. o presente recurso, formulando as conclusões seguintes: “[…] II – Fundamentação 2.

Relatada a marcha do processo até à presente renovação da instância de recurso, sublinhar-se-á que o âmbito objectivo desta impugnação foi delimitado pelos Apelantes através das conclusões acabadas de transcrever. É o que resulta dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC.

Refere-se a apelação à dimensão do julgamento correspondente à fixação dos factos (contestam os Apelantes as respostas positivas e especificadas do Tribunal aos quesitos aditados a fls. 305/306), sendo que a crítica à decisão correspondente passa, em grande medida, pela invocação de uma indevida desconsideração da prova consubstanciada na Sentença condenatória junta pelos RR. a fls. 320/345.

Identificamos esta questão como o fundamento (a) do recurso, agindo aqui esta instância no quadro dos poderes de modificação da decisão de facto, previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC.

Adicionalmente, com ou sem a almejada alteração dessas respostas, discutem os Apelantes a operação subsuntiva destinada a integrar os factos (se bem interpretamos a motivação, mesmo que sejam os exactos factos abaixo elencados como itens [24], [25], [26] e [27]) na facti species do artigo 1083º, nº 2, alínea a) do CC.

Identificamos esta outra dimensão como o fundamento (b) do presente recurso.

2.1.

A factualidade considerada provada na instância precedente – resulta ela do somatório do primeiro julgamento e do segundo julgamento, ampliativo, sendo este último o que está em causa no presente recurso (o texto da Sentença apelada assinala, na matéria de facto, essa diferenciação que aqui assume grande importância) – tais factos, dizíamos, são os que aqui se transcrevem, impugnando os Apelantes os pontos [24] a [27]: […]” 2.2. (a) – Questão de facto: Interessam a esta dimensão do recurso, como já antes se disse, as respostas acabadas de indicar como correspondentes aos itens [24] a [27] do elenco fáctico.

Estas respostas – maxime, os factos correspondentes –, desde logo por fidelidade ao sentido das perguntas às quais se referiam (vemos essas perguntas formuladas a fls. 305/306[6]), descrevem um episódio concreto, ocorrido num determinado dia (28 de Agosto de 2007[7]), consistente, dentro dessa perspectiva enunciativa, na circunstância de apenas algum dos RR. ter agredido e insultado – nessa vez; nesse dia; nesse episódio – os AA.

Estamos, pois, perante um episódio concreto, cujo contexto global não nos é indicado na decisão de facto aqui proferida e ora atacada pelos Apelantes, porque – e insistimos neste ponto – nenhuma das perguntas adicionadas a fls. 305/306 continha elementos referidos a esse contexto, não permitindo elas determinar (respondendo apenas ao que era perguntado), entre outros elementos sobre os quais seria útil obter informação, no quadro da ulterior valoração do episódio, não permitindo essas perguntas determinar, dizíamos, como começou essa situação de confronto físico e verbal envolvendo os AA. e os RR., rectius, o que mediata e imediatamente a originou e, enfim, a dinâmica de emulação que entre os dois conjuntos de contendores se gerou, imediatamente antes e durante o episódio.

Tenha-se presente que, independentemente da questão da prova aqui admissível (questão que relevantemente se coloca neste processo e que será tratada), as quatro testemunhas inquiridas no segundo julgamento, todas elas arroladas pelos AA., não presenciaram o episódio ao qual os factos se referem (não o viram nem ouviram), apenas observaram, como essas mesmas testemunhas reconheceram, o aparente resultado deste episódio de confronto, no A. marido e na A. sua mulher[8], pouco depois da sua ocorrência e num local diferente: constataram directamente estas quatro testemunhas, pois e apenas, lesões[9] e ouviram dos AA. a descrição do que estes afirmaram ter-se passado com os RR.

Vale esta observação, aqui intercalada, para dizer que as respostas ora em causa, consideradas em si mesmas (no significado directo do que verbalmente expressam), até poderiam ser consideradas plausíveis, tendo presente a fundamentação exarada pelo Tribunal a quo a fls. 368/371, a audição por esta Relação da prova testemunhal e, enfim, assumindo que o significado dessa prova – quando se trata apenas de valorar prova testemunhal – está sujeito ao princípio da livre apreciação pelo julgador directo, nos termos do artigo 396º do CC[10].

Isto sucederia, todavia, caso a prova passível de produção nestes autos passasse pela prova testemunhal e não se tivesse esgotado antes desta por relevância substancial de uma outra fonte de prova, como sucede, em função da projecção da regra implicitamente contida no artigo 674º-A do CPC, neste caso com a certificação da existência e trânsito de uma Sentença penal condenatória de um dos AA. e de um dos RR.

[11] (referimo-nos ao documento de fls. 320/345), que já havia fixado os factos aqui provados (os contornos do episódio de confronto físico e verbal aqui em causa), Sentença esta cuja consideração aqui se impõe ao julgador (já se impunha à primeira instância na repetição do julgamento), em sede de fixação da matéria de facto, enquanto fonte de prova a considerar.

2.2.1. (a) Como dissemos, não veria esta Relação motivos para alterar as respostas da primeira instância, em si mesmas consideradas, caso a fonte de prova a ponderar aqui se esgotasse na prova testemunhal.

Todavia, não é isso o que sucede, dada a existência nos autos (como prova adicional produzida pelos RR. a fls. 319, através da certidão de fls. 320/345) de uma Sentença penal condenatória, envolvendo (num processo comum singular, com o nº 444/07.7GAMLD, julgado no Tribunal Judicial da Mealhada) o aqui A. marido (J…) e a aqui R. mulher (M…), aí ambos como arguidos (condenados por crimes recíprocos de ofensa à integridade física simples, v. artigo 143º do Código Penal) e envolvendo e vinculando igualmente ao respectivo caso julgado, dessa feita – nesse processo-crime – como assistente, a aqui A. mulher (M…).

Esta incidência probatória adicional, que a decisão sobre a matéria de facto aqui apelada ponderou não com total acerto – quer-nos parecer –, no trecho da fundamentação de fls. 370, esta incidência, dizíamos, convoca a este processo duas questões de direito probatório: (1) Desde logo, a questão da eficácia da decisão penal condenatória, relativamente a quem teve intervenção no processo-crime (como arguido ou assistente), “[…] no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e [a]os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas de crime […]” numa posterior acção cível – referimo-nos precisamente a esta acção – em que “[…] se discutem relações jurídicas dependentes da prática da infracção” (utilizámos aqui os termos do artigo 674º-A do CPC[12]); (2) Em segundo lugar, a questão da eficácia dessa decisão penal condenatória relativamente a quem não foi parte no processo-crime, numa posterior acção cível com as mesmas características (refere-se esta segunda questão, directamente, à facti species do artigo 674º-A do CPC, estando em causa a oponibilidade a terceiros).

Colocam-se aqui cumulativamente estas duas questões, sendo que a ponderação delas afasta a relevância da prova testemunhal neste caso inviabilizando a ponderação do sentido desta.

Com efeito, nesta acção cível, envolvendo ela no seu objecto temático a discussão de uma relação jurídica (a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio) em que são relevantes, em função da repetição do julgamento ordenada por esta Relação, os mesmos elementos de facto que determinaram as condenações por crimes recíprocos...

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