Acórdão nº 2329/12.6TBPBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução29 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

A (…) e mulher, M (…), apresentou-se ao processo especial de revitalização no âmbito da redacção dos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

  1. Seguindo o processo os seus termos, a lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório foi publicada em 20-12-2012, tendo a credora reclamante C (...

    ), por requerimento apresentado em 27-12-2012, impugnado a lista provisória de créditos, com o fundamento de que o seu crédito devia ser reconhecido com um valor superior ao constante da lista.

  2. Por requerimento apresentado em 22-01-2013, veio a credora reclamante C (...), impugnar o crédito reconhecido pelo Administrador Judicial Provisório, a R (…), com o fundamento de que o mesmo seria simulado.

  3. Ouvidos os interessados, os Requerentes e o Administrador Judicial Provisório pronunciaram-se no sentido de tal impugnação ser extemporânea.

  4. Na sequência, a Mm.ª Juiz, em 10-04-2013, proferiu o seguinte despacho, notificado às partes em 15-04-2013: «Compulsados os autos verificamos que, efectivamente, tal como decorre de fls. 128, a lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório foi publicada em 20/12/2012 e não em 22/01/2013, correspondendo esta última data à da junção aos autos do comprovativo de tal publicação, ao que não atentamos por lapso manifesto aquando da prolação do 1.º despacho de fls. 150, datado de 23/01/2013.

    Nesta conformidade, atendendo a que, de acordo com o disposto no artigo 17.º- D, n.º 3 do CIRE, o prazo para a apresentação de impugnações é de cinco dias úteis, a impugnação apresentada pela credora/impugnante C (...), CRL em 22/01/2013, referente ao crédito reconhecido a R (…) (cfr. fls. 145 a 149) é extemporânea.

    Pelo exposto, determino o desentranhamento e devolução à apresentante».

  5. Este despacho não foi objecto de recurso.

  6. Os autos prosseguiram, tendo sido proferida a sentença que homologou o plano de recuperação, de cuja parte final consta o seguinte: «Fls. 228 a 230: Tal como decorre do despacho de fls. 178, a impugnação apresentada por C (...), CRL ao crédito reconhecido a R (…) foi extemporânea».

  7. Inconformada com a sentença que homologou o plano de recuperação, a credora reclamante C (...), CRL, interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: «I) O requerimento que foi julgado extemporâneo denunciava o uso anómalo do processo que, só foi conhecido pela apelante quando teve conhecimento que o crédito de R (…) resultava de um negócio simulado.

    II) A decisão que julgou aquele requerimento extemporâneo está a negar à apelante o direito de invocar a simulação do negócio entre os devedores e o credor, R (…), que com a maior evidência ressalta dos autos.

    III) O crédito de R (…) resulta de uma letra de câmbio, desconhecendo-se e nunca explicado, qual o negócio que lhe está subjacente.

    IV) O montante daquele crédito permitiria a este hipotético credor e aos devedores decidir o destino do património destes, como aconteceu.

    V) A Apelante verificou que, de acordo com o montante total das dívidas e o montante do património dos devedores, estes estavam em situação de insolvência.

    VI) A Apelante após a análise de todos estes factos existentes nestes autos, no requerimento que não foi conhecido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, teve como intenção demonstrar ao Tribunal que o crédito de R (….) era fictício e que se estavam a fazer uso anormal deste processo.

    VII) Os negócios simulados, nos termos do disposto no art. 240.º do Cód. Civil, conjugado com o art. 286.º do Cód. Civil, são invocáveis a todo o tempo, porque têm como consequência a nulidade do negócio.

    VIII) Este negócio tem como objectivo causar prejuízos à ora apelante, pelo que a mesma tem legitimidade e estava a tempo de invocar ao Tribunal a simulação do negócio que visa prejudicar o crédito.

    IX) Com o negócio simulado a intenção dos devedores era, em conluio com o hipotético credor, proceder à liquidação do património dos devedores, distribuindo-os como fizeram no plano que foi aprovado.

    X) O credor R (…) recebeu para pagamento do seu crédito a casa de habitação dos devedores e perdoou o remanescente da dívida.

    XI) Verifica-se pois que, este processo violou os princípios da transparência, certeza e segurança jurídicas, bem como a finalidade de recuperar financeiramente os devedores; XII) No plano de recuperação que foi homologado não foi definida a forma de recuperar os devedores, nem preconiza soluções conducentes à sua recuperação, como é a sua finalidade.

    XIII) Neste plano apenas se procedeu à liquidação do património imobiliário dos devedores, destinando-se que os devedores davam em pagamento ao credor Rogério Santos a sua casa de habitação, pelo valor de 155.670,00€, perdoando o remanescente em dívida, ou seja, o montante de 336.297,00€.

    XIV) Ora, salvo o devido respeito esta situação anómala do uso do processo ter-se-ia evitado se a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo tivesse conhecido dos requerimentos, bem como se se tivesse procedido a Assembleia de Credores.

    XV) Porém, o Tribunal a quo entendeu que neste processo não há lugar a Assembleia de Credores, pela mesma não estar prevista expressamente nesta legislação.

    XVI) No entanto, da conjugação do n.º 4, do art. 17.º-F e do art. 211.º, ambos do CIRE resulta que o legislador não afastou a possibilidade dos credores discutirem o plano de recuperação, como se evidencia do texto do art. 211.º "Finda a discussão do plano".

    XVII) Tendo sido esta a solução preconizada no Acordão da Relação de Guimarães de 18/12/2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

    XVIII) Á mingua de legislação expressa e à busca de transparência e segurança jurídica deve ser aplicado por analogia o regime relativo à aprovação do plano de insolvência, para que todos os credores possam conhecer e debater o plano que resultou da negociação.

    XIX) Salvo melhor opinião, face aos elementos que constam dos autos o Tribunal não podia deixar de conhecer oficiosamente a origem do crédito de Rogério Santos, para apurar do uso anormal do processo, pelo que deverá tal decisão ser substituída por outra em que se conheça dos requerimentos apresentados pela apelante, porque denunciam a simulação do negócio, bem como do uso anormal do processo, proibido por lei.

    XX) Uma vez que o plano de recuperação que foi aprovado e homologado não propõe soluções com vista a recuperar os devedores, violando o escopo desta forma de processo, deve ser revogada a decisão que o homologou.

    XXI) Foram violados o disposto nos art. 240.º/1/2 e 286.º Cód. Civil e 665.º CPC».

  8. Pelos Requerentes do PER foram apresentadas contra-alegações, cuja minuta finalizaram com as seguintes conclusões: «1. A sentença homologatória deve ser mantida; 2. O requerimento apresentado pela Apelante em 22 de Janeiro de 2013, que consubstancia uma impugnação à lista provisória de créditos, foi objeto de decisão por despacho com a referência 3448698, notificado às partes através de notificação com a data de elaboração 15 de Abril de 2013, transitado em julgado; 3. Pelo que todas as questões suscitadas em tal requerimento, quer quanto à sua tempestividade, quer quanto ao suposto crédito simulado do credor Rogério, se encontravam definitivamente decididas, não podendo ser objeto do presente recurso; 4. No caso dos autos, cumpriram-se todos os procedimentos legais; 5. No processo especial de revitalização, não há lugar à realização da assembleia de credores».

    10. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    ***** II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.

    Assim, as questões a decidir no presente recurso são as de saber se: - A Apelante está em tempo para apresentar o seu recurso quanto ao despacho de que ora se recorre no qual a Meretíssima Juiz de Direito rejeitou o requerimento apresentado pela ora recorrente com fundamento em extemporaneidade, relevando para este efeito a factualidade supra descrita; - Existiu preterição de formalidade essencial por não ter sido realizada a Assembleia de Credores; - A sentença proferida enferma de nulidade, por falta de fundamentação que justifique a homologação do plano.

    ***** III.1. - O mérito do recurso III.1.1. Considerações gerais Conforme já havíamos entendido no processo n.º 6070/12.1TBLRA-A.C1, em acórdão proferido no dia 12 de Março de 2013, disponível in www.dgsi.pt, citado pela recorrida, para um melhor enquadramento do processo em causa, iremos reproduzir as considerações gerais ali tecidas. Assim: O Processo Especial de Revitalização[3] foi introduzido com a 6.ª alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março[4], cumprindo previamente determo-nos, ainda que brevemente, sobre esta nova figura e aquilatar das razões da sua introdução, com vista a uma melhor compreensão do regime.

    Para o efeito, importa fazer uma incursão sobre o processo legislativo que culminou com esta alteração legislativa, julgada necessária mercê do exponencial aumento do número de insolvências em Portugal, resultantes da crise económica e financeira em que o país está mergulhado, e única solução que o denominado sistema de falência-liquidação previsto no CIRE permitia.

    A primeira menção à necessidade de alteração deste sistema, encontramo-la no ponto 2.18 do “Memorando de Entendimento” celebrado entre o Estado português, a CE, o BCE e o FMI, que impunha a definição de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com boas práticas internacionais”, após o que o Governo veio a aprovar a...

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