Acórdão nº 77/12.6TBAVZ.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | BR |
Data da Resolução | 06 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I.
Relatório.
1.1.
A... –, Lda. com sede em …, Alvaiázere, foi administrativamente sancionada[1] pelo Sub-inspector-geral da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante designada pelo acrónimo IGAMAOT), no pagamento de uma coima cujo montante se fixou em € 2.500,00, isto porquanto incursa na autoria de uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. através das disposições conjugadas dos art.ºs 13.º, n.º 1 e 34.º, n.ºs 2, al. b) e 3, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, o último na redacção introduzida através do Decreto-Lei n.º 126/2006, de 3 de Julho.
Inconformada, impugnou-a judicialmente sucedendo que por sentença adrede proferida acabou condenada enquanto autora da aludida contra-ordenação no pagamento da coima de € 3.000,00 (três mil euros), isto para além do demais por ora irrelevante.
1.2. Irresignada com o assim decidido, recorre a mesma arguida para este Tribunal da Relação, extraindo do requerimento por cujo intermédio minutou agora tal discordância, as seguintes conclusões: 1. A decisão administrativa é nula por falta de especificação do facto imputado ao não concretizar os resíduos sólidos a que se refere [art.ºs 58.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro[2]; 374.º, n.º 2 e 379.º, estes ambos do Código de Processo Penal].
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A decisão administrativa é ainda nula por falta de motivação, posto não indicar concretamente as provas obtidas, nem fazer tão pouco exame crítico daquelas que serviram para fundamentar a convicção do decisor [preceitos supra citados].
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O reconhecimento de tais nulidades implicará a devolução do caso à autoridade competente para que repare os vícios não se sancionando o mesmo com a emergência da decisão judicial.
Caso assim se não entenda, 4. Mostra-se prescrito o procedimento contra-ordenacional instaurado, de acordo com o disposto nos art.ºs 28 n.º 3 do RGCO e 40.º, n.º 2 da Lei 50/2006.
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A decisão judicial recorrida padece de contradição insanável da fundamentação, ou, mesmo que assim se não entenda, mostram-se insuficientes os factos dados como provados para demonstrar a prática da contra-ordenação por parte da arguida, o que tudo acarreta a respectiva absolvição.
Mas, caso assim se não entenda, 7. Deve a decisão recorrida ser julgada como violadora do dispositivo previsto no art.º 72.º-A do mencionado RGCO (Reformatio In pejus), uma vez que não se apurou ter a recorrente sofrido melhoria sensível na sua vida económica, além do que a recorrente não foi notificada por parte do tribunal do documento que a M.ma Juiz atendeu para declarar a existência de tal melhoria, violando-se assim o princípio do contraditório, em prejuízo dos direitos de defesa e garantias da recorrente.
Acaso assim igualmente se não considere, 8. Deve sempre a condenação em coima ser substituída por admoestação nos termos do art.º 51.º, n.º 1, do RGCO, pois estamos perante uma contra-ordenação de reduzida gravidade, sem prejuízo ou dano efectivo para o ambiente, nem benefício económico para a recorrente, como todas as circunstâncias envolventes do caso e do meio o demonstram.
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Decidindo pela forma em que o fez, a sentença recorrida preteriu, além do mais, o disposto nos art.ºs 13.º, n.º 1 e 34.º, n.ºs 2, al. b) e 3 do Decreto-Lei n.º 78/2004, este último na redacção introduzida através do Decreto-Lei n.º 126/2006, de 3 de Julho; 28.º, 41.º 51.º, 58.º, 72.º-A, todos do RGCO; 75.º, da Lei n.º 50/2006; 125.º, 374.º, n.º 2 e 379.º, estes do Código de Processo Penal; 3.º, 4.º, 12.º e 26.º, do Código Penal.
Terminou pedindo que no provimento da impugnação judicial apresentada, seja eximida da responsabilidade contra-ordenacional imposta.
1.3. Acatado o disciplinado pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso.
1.4. Proferido despacho admitindo-o, e cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos para esta instância.
1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer apontando para idêntica improcedência da oposição.
1.6. Foi dado cumprimento ao disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do mesmo diploma adjectivo.
1.7. Aquando do exame preliminar a que alude o n.º 6 ainda deste normativo, considerou-se não ocorrer fundamento determinante à apreciação sumária do recurso, nem nada obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever o mesmo prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos, o que se verificou, e posterior submissão à presente conferência.
Urge, pois, ponderar e decidir.
* II.
Fundamentação de facto.
2.1. Na decisão recorrida foram considerados como provados os factos seguintes: 1. Em data não concretamente apurada, anterior a 13 de Março de 2009, a Guarda Nacional Republicana – Destacamento Territorial de Pombal levou a cabo uma acção de fiscalização e policiamento geral na Rua … , Alvaiázere, onde verificou a existência de uma amontoado de resíduos provenientes da reparação de veículos, num terreno.
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Tais resíduos pertenciam à arguida.
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No local foi verificada a existência de uma queima desses resíduos, ocorrida cerca de 1 mês antes da acção de fiscalização.
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Um homem médio, colocado nas circunstâncias de tempo e lugar da arguida, deveria prever que os resíduos deveriam ser encaminhados para um lugar apropriado e não ser destruídos através de uma queimada, para além de que deveria prever que uma queima a céu aberto pode colocar em perigo pessoas e bens.
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Houve omissão de um dever de cuidado, de diligência, por parte da arguida, que com o seu comportamento não evitou a realização dos factos típicos contra-ordenacionais.
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No ano de 2008 a arguida apresentou, em sede de IRC, um prejuízo fiscal no montante de € 29.899,12.
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No ano de 2011 a arguida apresentou, em sede de IRC, um lucro tributável no montante de € 569,54.
2.2. Por seu turno, tem o teor que segue a motivação probatória constante da mesma decisão: Para dar como provados os factos acima mencionados, o Tribunal teve em consideração os factos dados como provados pela autoridade administrativa e não impugnados pela recorrente, as declarações dos legais representantes dos recorrentes e o depoimento das testemunhas inquiridas.
Quanto à data dos factos, suscitavam-se duas questões: a data da acção de fiscalização e a data da queima.
No que respeita à primeira, nem os legais representantes da arguida nem a testemunha da Guarda Nacional Republicana inquirida conseguiram concretizá-la, sendo que, no auto de notícia, constam duas datas.
Confrontado com tal circunstância, o militar da Guarda Nacional Republicana que efectuou a fiscalização admitiu como possível terem-se deslocado ao local por duas vezes.
Assim, o Tribunal entendeu dar como provado que a acção de fiscalização ocorreu em data anterior a 13 de Março de 2009, posto que, do auto de notícia (confirmado pela testemunha da Guarda Nacional Republicana) constam duas datas – 12 de Março de 2009 e 19 de Fevereiro de 2009 – sendo apenas possível concluir que, pelo menos, a fiscalização ocorreu até ao dia 12 de Março de 2009, ou seja, antes do dia 13.
Quanto à data da queima, o Tribunal considerou as declarações do legal representante da arguida, que confirmou ter sido ele quem efectuou tal operação e que terá mediado cerca de 1 mês entre a queima e a fiscalização.
A propriedade dos resíduos (facto 2) não foi questionada pela arguida, sendo que o seu legal representante reconheceu tratar-se de um terreno seu e que o que lá estava provinha da oficina da recorrente.
A discordância da recorrente prende-se com a natureza dos resíduos, pois que defende que apenas queimou papel, tendo o seu legal representante admitido como possível também ter queimado plásticos (fitas que se destinam a fechar embalagens de cartão).
Ainda que a queima dos materiais referidos pela recorrente se afigure, também ela, ilícita e punível com coima (atente-se no conteúdo do ponto xiv da al. u) do artigo 3.º, que classifica como resíduos os produtos que não tenham ou tenham deixado de ter utilidade para o detentor, tais como materiais agrícolas, domésticos, de escritório, de lojas ou de oficinas), certo é que o Tribunal entendeu que os resíduos que foram queimados provinham da actividade de reparação de veículos, pelo que, por natureza, não se limitavam a objectos de papel.
A convicção do Tribunal a este propósito fundou-se no depoimento da testemunha B..., militar da Guarda Nacional Republicana, que participou na acção de fiscalização referida no facto 1, e que, de forma isenta e credível, o que foi reforçado pelos naturais lapsos de memória que demonstrou, referiu, sem manifestar qualquer dúvida, que os resíduos que estavam no local e aqueles que era possível observar como restos da queimada se compunham de pára-choques, bidões e plásticos componentes de veículos.
Esta testemunha ainda acrescentou que a razão para ter sido levantado um auto de notícia se ficou a dever ao facto de existirem no local vestígios de queima de resíduos da oficina, não se confundindo com a queima de papéis.
Quanto aos factos 4 e 5, atinentes ao elemento subjectivo, pese embora o recorrente tenha apresentado defesa em relação a esta questão, no âmbito do procedimento administrativo, certo é que não o impugnou judicialmente, razão pela qual se mostra assente.
Ainda que assim não tivesse sucedido, importa referir que este factos, relativos à culpa negligente, sempre resultariam do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas, de acordo com as regras da razoabilidade e da experiência comum, já que a culpa não é uma realidade directamente apreensível, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Concretizando, a arguida, enquanto titular de uma oficina, naturalmente que sabe qual o destino que a lei impõe para os resíduos que produz – tanto sabe que juntou documentos destinados a comprovar que faz uma gestão...
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