Acórdão nº 288/12.4GBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelABÍLIO RAMALHO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam – pós-conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: TÍTULO I – RELATÓRIO 1 – Recorreu o sujeito-arguido A...

[1] – pela peça processual ínsita a fls. 425/453-456/484, cujos dizeres nesta sede se têm por integralmente reproduzidos – do acórdão (de Tribunal Colectivo) documentado na peça de fls. 380/409 que, na sequência de pertinente julgamento no âmbito processual, o condenou à pena conjunta/unitária de 3 (três) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO (efectiva), a título punitivo dum crime de violência doméstica, agravado, à pessoa de sua ex-companheira B...

, e dum outro de condução de veículo em estado de embriaguez, [respectivamente p. e p. pelos arts. 152.º, ns. 1, als.

  1. e b), e 2, e 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al.

    a), todos do Código Penal], correspondentemente sancionados com reacções penais de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e de 6 (seis) meses de prisão – sendo o último ainda com a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses –, pugnando pela pessoal absolvição do primeiro dos referidos ilícitos criminais (violência doméstica) e pela cominação duma pena de natureza não detentiva tocantemente ao segundo (condução de veículo em estado de embriaguez), em nuclear e concernente razão: [a)] de lobrigada corrupção do julgado pelo vício lógico-silogístico de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – prevenido sob a al.

  2. do n.º 2 do art.º 410.º do C. P. Penal –; [b)] de alegada indemonstração do complexo circunstancial típico do tipo-de-ilícito de violência doméstica, consequente de suposta e atinente inconsistência probatória, pretensamente demandante do funcionamento do convocado princípio jurídico-processual in dubio pro reo, correlato do constitucional de presunção da inocência, prevenido sob o n.º 2 do art.º 32.º da Constituição nacional, assim supostamente violados, e, outrossim, de argumentada violação do princípio constitucional ne bis in idem, consagrado no n.º 5 do art.º 29.º da mesma Lei Fundamental; e [c)] de excessividade e desproporcionalidade das penas infligidas pela infracção de condução em estado de embriaguez – como se alcança, máxime, do (pretenso) quadro-conclusivo da respectiva motivação (a fls. 477/484): «[…] I. O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado previsto e punido pelos artigos 152°, nºs 1 alíneas a) e b) e 2 do Código Penal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292°, nº 1 e 69°, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal.

    1. O Tribunal "a quo" julgou incorrectamente os factos que considerou provados em 16., 17., 19., 20., 14., 15., 32., 33., e 34., do douto Acórdão, uma vez que, em relação aos mesmos não foi produzida prova.

    2. Os factos dados como provados nos pontos 16. e 17. da douta decisão em crise, foram dados como provados pelo tribunal "a quo" com base num telefonema que, através do sistema de alta voz, a testemunha … , acedeu às palavras transmitidas, num outro telefonema imediatamente subsequente recebido por e no depoimento das testemunha ..., indiciando claramente ter estado o recorrente no interior da residência.

    3. da análise aos depoimentos do recorrente …. resulta por um lado que, a testemunha … ouviu o conteúdo de uma chamada que não lhe era dirigida e escutou as palavras transmitidas pelo telefone por via do accionamento de meio técnico (sistema de alta voz) não conhecido nem consentido pelo dono da voz escutada.

    4. O acesso ao conteúdo de uma comunicação telefónica com recurso a um meio técnico de audição, como é o "alta voz", integra o conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) em telecomunicações, artigo 194°, nº 2, do Código Penal. O artigo 126°, nº 3, do Código de Processo Penal proíbe o aproveitamento das provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações sem consentimento do respectivo titular, declarando-as nulas. Também a Constituição da República Portuguesa consagra a nulidade das provas obtidas mediante a intromissão na vida privada ou nas telecomunicações – cfr. Artigo 32°, nº 8 da CRP.

    5. Daí que, o depoimento prestado pela testemunha, em apreço, que se intromete no conteúdo de comunicação telefónica, na parte em que se reporta a esse mesmo conteúdo, é prova nula. No entanto, a testemunha ... narra factos de que revelou ter conhecimento por os ter presenciado, sendo que, nesta parte, a prova é livremente valorável, nomeadamente: o evento do segundo telefonema, onde há um comentário sobre o quarto dela, a luz que ficara acesa e que estava apagada e que a cama da sua mãe se encontrava desfeita.

    6. O recorrente negou ter estado no interior da referida habitação, sendo que, o comentário do quarto ser bonito sem, por qualquer forma, o concretizar pormenorizadamente e/ou a casa, não prova só por si que o arguido tenha estado no seu interior. Aliás, conforme decorre da douta decisão em crise estes factos podem indiciar mas, só por si, não são prova bastante, o mesmo acontecendo com os demais factos que, conforme alegam as testemunhas, nem sequer foram mencionados pelo arguido no alegado telefonema. Pelo que, a dúvida razoável sobre os factos integradores e agravantes da incriminação que interessam à definição da responsabilidade do recorrente, resolve-se, sempre, a favor deste de acordo com o Princípio da Presunção da Inocência e da regra do in dúbio pro reo, consagrado no artigo 32°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, artigo 11° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    7. O Tribunal "a quo" julgou incorrectamente os factos que considerou como provados em 19. e 20. da referida decisão em crise pois, considerou que o arguido proferiu ameaças graves, nomeadamente de morte, quando do depoimento da testemunha ... (12:05:26 a 12:27:07 – de 09:18 a 10:19, de 10:38 a 10:47, de 19:39 a 21:26) não foi produzida prova. Aliás, os referidos factos dados como provados não concretizam as respectivas datas em que os telefonemas foram efectuados e conforme resulta do ponto 5. da referida decisão, o arguido já havia sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da ofendida ..., ora testemunha, e de um crime de violência doméstica na pessoa da ofendida ..., também aqui testemunha, por sentença proferida no dia 6 de Março de 2012, a fls. 129 a 145, pelo que, tendo o arguido sido já punido pela prática dos factos dados como provados em 19. e 20., condená-lo de novo pelos mesmos factos significaria a violação do princípio constitucional ne bis in idem, consagrado no Artigo 29°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

    8. Face aos depoimentos do recorrente ( … ), o Tribunal "a quo" devia ter dado como provado os seguintes factos: - O arguido é caracterizado pela ex-companheira positivamente no desempenho do papel de pai, continuando a existir alguma partilha das tarefas educativas e dos cuidados necessários a prestar ao descendente; - Que o quotidiano do arguido é gerido em função das tarefas necessárias ao bem-estar da filha; - Que o arguido não se apercebeu que a menor ... seguia, como passageira, de trás da viatura conduzida pela testemunha ....

    9. Acresce ainda que, tendo em atenção o depoimento da Testemunha B... (10:51:53 a 12:03:48 – de 02:52 a 05:43, de 42:20 a 43:18, de 43:46 a 44:24, de 44:34 a 44:40, de 45:50 a 47:00 e de 48:12 a 48:22), o Tribunal "a quo" devia ainda ter dado como provado os seguintes factos: - Que até finais de Abril de 2012, apesar de separados, o arguido frequentava a residência da Testemunha B...e que depois dessa data a testemunha B...juntamente com as filhas mudaram de casa para a Rua … e que, pelo menos até ao dia 11 de Maio o arguido nunca tinha estado nessa residência.

    10. Chegados aqui cumpre analisar o tipo objectivo e subjectivo do crime em apreço e a respectiva agravação. Assim, os maus-tratos previstos pelo crime de Violência Doméstica, do artigo 152º do Código Penal, têm subjacente um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, capaz de eliminar ou limitar claramente a sua condição e dignidade humanas, os maus-tratos estão associados à posição de controlo ou de denominação que o agressor exerce sobre a vítima e de que decorre uma maior vulnerabilidade desta.

    11. Importa aquilatar se o comportamento do arguido consubstancia, ainda que num curto período de cerca de duas semanas, ofensas à integridade física e uma reiteração de injúrias, difamações, e perseguições à ex-companheira e mãe da sua filha, a ponto de se traduzirem inequivocamente em maus-tratos físicos.

    12. Cremos que não, essencialmente porque do depoimento da testemunha B... retira-se que esta não se encontra de alguma forma dominada, vulnerável ou com medo do arguido. Antes pelo contrário, quando desconfia que o arguido invadiu a sua casa, esta sai sozinha do posto policial e sem pedir auxílio à GNR, com muita calma, percorre todos os compartimentos da sua residência averiguando se o arguido ainda se encontra no seu interior. Aliás, a própria testemunha alega que o problema fulcral não está nos insultos, mas a intromissão constante do arguido na sua vida – cfr. Depoimento da Testemunha B... (10:51:53 a 12:03:48 – de 36:48 a 37:17 e de 06:32 a 06:38).

    13. Acresce ainda que, de acordo com os factos dados como provados, devido aos problemas de saúde do pai e do relacionamento com B...., o arguido passou a consumir bebidas alcoólicas e alguns dos comportamentos tiveram lugar depois dessa ingestão (pontos 43. e 44. do Acórdão), a que se associa o facto da Testemunha B...e da filha de ambos ter mudado residência estando aquele proibido de a frequentar, o que implicava estar com filha quando a B...o permitisse. Sendo certo que, durante duas semanas o recorrente esteve com a filha num único Sábado.

    14. Aliás, nos seus depoimentos, as testemunhas B...e ... são unânimes ao dizerem que durante os primeiros tempos, depois da condenação, o arguido andava...

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