Acórdão nº 365/10.6T3OBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução22 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 365/10.6T3OBR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Instância Criminal, foi proferida Sentença, em 20/9/2012, cujo Dispositivo é o seguinte: “VII - DECISÃO Nestes termos o Tribunal decide: 1. Condenar o arguido A...

pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 480 (quatrocentos e oitenta euros) a que correspondem, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento; 2. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, no montante de € 550, e, em consequência, condenar o arguido/demandado civil A...

a pagar a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais; 3. Condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça se fixa em 3 UC´s, e demais encargos do processo, nos termos do artigo 8º, nº 5 do RCP e tabela III anexa; 4. Condenar a demandante civil e o demandado civil nas custas cíveis, na proporção do decaimento – artigo 446º do Código de Processo Civil – sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4º, nº 1, al. m) do RCP.

** Remeta boletim à DSICCOC.

Deposite.” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 10/10/2012, o arguido, pedindo a sua revogação, extraindo da motivação as seguintes conclusões: * A.

Objecto e delimitação do recurso - versando o presente Recurso exclusivamente sobre a matéria de direito, interposto da Sentença proferida nos presentes autos e que condenou o Recorrente, pela prática de um crime de difamação, pugnando o Recorrente pela absolvição da prática do crime por falta de condição de procedibilidade da acção penal – indivisibilidade da queixa; B.

Factos dados Provados na Sentença do Tribunal a quo; C.

Factos dados por não provados na Sentença do Tribunal a quo; D.

Integração jurídico-criminal dos factos indiciados para o preenchimento do tipo de ilícito – extinção do procedimento criminal contra o recorrente por violação do direito de queixa plasmado no n.º 3 do artigo 115.º do código penal; E.

Transcrição da Acusação Particular com vista ao enquadramento jurídico; F.

Delimitação da matéria a decidir em Segunda Instância; G.

Cinge-se o Recorrente à análise crítica da alegada autoria da prática do tipo de crime, por meio de peça processual subscrita por Advogado; H.

Referências jurisprudenciais; I.

A responsabilidade criminal exclusiva de Advogado, do mandante ou responsabilidade conjunta (comparticipação criminosa), prende-se com aquilo que for alegado no exercício do direito de queixa e com a prova produzida; J.

No caso concreto, a Assistente nada alega ou prova quanto ao contributo do Recorrente na elaboração da peça processual, reconhecendo que a peça processual foi subscrita por Advogado e não pelo Recorrente; K.

A Assistente apenas faz referência, na sua Acusação Particular, ao Advogado subscritor da peça processual e não directamente ao Recorrente; L.

A Assistente não produziu prova bastante no sentido de excluir a responsabilidade do subscritor Ilustre Advogado do Recorrente; M.

Na total ausência de prova quanto à intervenção do Recorrente e/ou do seu Ilustre Mandatário redactor e subscritor da peça processual, ou seja, quanto ao(s) autor(es) materiais da prática do crime, a Assistente deixou à consideração do Tribunal a quo o ajuizamento de quem terá contribuído e em que medida para a prática do facto ilícito; N.

Ao invés de responsabilizar criminalmente o Recorrente e o seu Advogado, admitindo a Assistente que as alegações foram redigidas e subscritas pelo Ilustre Mandatário do Recorrente; O.

A Assistente, ao não apresentar qualquer justificação que afastasse a intervenção activa (objectiva) do Ilustre Mandatário, pelo menos na dúvida, a responsabilidade criminal seria de ambos, como co-autores; P.

O que configura um caso de comparticipação criminosa em que são co-autores o Recorrente e o seu Mandatário Judicial; Q.

A Assistente, ao ter apresentado queixa apenas contra o ora Recorrente e, deliberadamente, omitiu a apresentação de queixa também contra o Ilustre Mandatário subscritor da peça processual, tal falta aproveitará ao Recorrente e a este se estenderá, nos termos do n.º 3 do artigo 115.º aplicável ex vi do artigo 117.º, ambos do Código Penal; R.

Referências jurisprudenciais; S.

Extinção do procedimento criminal por falta da condição legal de procedibilidade, violando o princípio da indivisibilidade da queixa; T.

Normas violadas: a dos artigos 115.º n.º 3 ex vi do artigo 117.º e artigo 26.º todas do Código Penal. **** C) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu, em 20/12/2012, ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1 – Entende o recorrente que deverá ser absolvido da condenação de que foi objecto nos presentes autos, por extinção do procedimento criminal por falta da condição de procedibilidade, uma vez que a assistente não apresentou queixa contra um dos comparticipantes, o advogado que subscreveu a peça processual difamatória, o que aproveita aos restantes, neste caso ao próprio recorrente, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 115º do CP, tendo sido violado o princípio da indivisibilidade da queixa.

2 – Defende que se a assistente considerou que as expressões em causa tinham um conteúdo difamatório, não apresentando qualquer justificação que afastasse a intervenção activa ou objectiva do advogado que subscreveu o articulado processual, na dúvida, a responsabilidade criminal seria de ambos, advogado e recorrente, como co-autores da prática do crime de difamação.

3 - Ao ter apresentado queixa apenas contra o recorrente, omitindo deliberadamente a apresentação de queixa também contra o advogado subscritor da aludida peça processual, tal omissão aproveita ao recorrente e a este se estenderá, nos termos do art. 115º, n.º 3 do CPP.

4 – Afigura-se-nos não fazer sentido nos presentes autos a invocação da violação do princípio da indivisibilidade da queixa consagrado no referido normativo legal, o qual estipula: ”O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”.

5 – Ora, qualquer princípio admite excepção, pelo que no caso dos presentes autos não poderemos olvidar que estamos perante um mandato forense ou judicial, em que o mandatário age em nome de outrem, o mandante, o qual lhe conferiu poderes para o efeito, vertendo para as peças processuais aquilo que lhe é transmitido pelo mandante/cliente, com base numa relação de confiança estabelecida entre ambos.

6 - Não partilhamos do entendimento que, neste caso concreto, em que estamos perante peça processual subscrita por advogado, a queixa terá que ser apresentada, obrigatoriamente, contra aquele quando se entenda que do conteúdo de tal peça resultam expressões com carácter difamatório.

7 – Nessa perspectiva, temos para nós que, face ao ordenamento jurídico vigente, analisado no seu todo, a responsabilidade jurídico criminal do mandatário forense ou judicial deverá considerar-se uma excepção ao princípio da indivisibilidade do direito de queixa.

8 - Em primeiro lugar há que atentar ao estipulado no art. 144º da Lei n.º 52/2008, de 28/08, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, onde se garante e assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato, regulando-se o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

9 - Essa imunidade necessária ao desempenho eficaz do mandato forense ou judicial é assegurada aos advogados pelo reconhecimento legal e garantia de efectivação, designadamente, do direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão n.º 3, alínea b) do supra referido normativo legal). Tal imunidade estava já prevista, nos mesmos termos, na anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judicias, no seu art. 114º, revogada pela Lei supra referida.

10 - Por outro lado, poderá dizer-se que tal normativo legal reforça o princípio de exclusão da ilicitude vertido no art. 152º, n.º 2 do actual CPC, onde se pode ler que: “Não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.

11 - Este princípio correlaciona-se e concilia-se com o dever de urbanidade a que o advogado está obrigado ao exercer o patrocínio, com o direito do mesmo a ser vigoroso, arrojado, veemente e firme nas intervenções que faz, seja a nível de requerimentos, articulados ou alegações.

12 - Não podemos esquecer que ao subscrever as peças processuais em...

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