Acórdão nº 190/10.4PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução22 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos de processo comum nº 190/10.4PCCBR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra, em que é arguido, A..., solteiro, estudante, nascido a 25.04.1993, filho de (...) e de (...), natural da (...), Coimbra, e residente na (...), Coimbra, imputando-lhe o Ministério Público a autoria material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos art.

os 210.º, 1 e 2 b), por referência ao 204.º, 2 f), ambos do Cód. Penal.

Foi o mesmo julgado e a final proferida a seguinte decisão: “Julga-se improcedente a pronúncia, absolvendo-se o arguido”.

2. Da decisão recorre o Ministério Público que formula, em síntese as seguintes conclusões: 1a Recorre-se de FACTO e de DIREITO, na exacta consequência da percepção por nós adquirida de que foi feita prova em julgamento, para além de qualquer dúvida tida por razoável, de que foi o arguido o autor material do crime de roubo de que foi vítima uma criança de 11 anos, pessoa indefesa que foi capaz de se portar dignamente no julgamento, expressando o seu ainda temor pelo arguido. 2a Se assim é, então deveria o arguido ter sido condenado pela prática do crime de roubo. 3a Entende o MP que estamos perante um erro de julgamento, previsto no artigo 412°/3, o qual ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. 4a O arguido prestou declarações em julgamento, tendo negado a prática dos factos, havendo apenas o depoimento da vítima, criança com 11 anos à data do evento. 5a Esta criança reconheceu validamente o arguido em inquérito, tendo em julgamento verbalizado ter quase a certeza que foi ele o seu assaltante. 6a Contudo, a verdade é que o arguido muitas vezes se tinha dirigido àquela escola X... pois namorava uma rapariga que frequentava tal escola, sendo muito possível que tenha saído pelas 16:15 (cfr. documento de fls. 35) das suas aulas, dirigindo-se de autocarro para Coimbra, ainda a tempo de roubar o queixoso (e daí que desvalorizemos completamente os depoimentos das testemunhas de defesa, obviamente suspeitas). 7a Em julgamento, o «roubado» não se mostrou tão certo do reconhecimento inequívoco que havia feito nos autos no dia 19/5 (fls. 26/27), reconhecimento esse que é válido processualmente pois foi feito à luz dos comandos do artigo 147° do CPP. 8a Mas tal é natural — passaram quase 3 anos sobre essa data nefasta, sentindo-se ele ainda um pouco temeroso da vingança do arguido (receio este demonstrado no 2° seu depoimento, após a audição de sua mãe) — vejam-se os cerca de 11 minutos do seu depoimento (cfr. 6:02 e 6:39 a 6:59 do seu 2° depoimento). 9a A própria memória atraiçoa-nos — quanto mais às crianças - e as pessoas mudam muito de aspecto — ele foi claro: os olhos eram os mesmos — note-se que quando se quer ocultar a identidade de alguém em fotografias lhe são tapados os olhos com uma faixa preta por serem os olhos o elemento do rosto que melhor identifica um indivíduo -, as orelhas eram as mesmas e até as olheiras! E relembre-se que estamos a falar de alguém que não queria ser reconhecido - daí o gorro e o lenço! 10a Note-se que nunca o havia visto antes do assalto, tendo voltado a vê-lo depois, tanto que foi capaz de identificar a um professor o seu nome para que pudesse ser possível o 2° reconhecimento, positivo pois então! 11a E não se diga que estes reconhecimentos são falíveis e criticáveis - esta criança, no 1° reconhecimento, foi peremptório: nenhum dos jovens que viu no alinhamento de fls. 20/21 era o seu assaltante! Só depois de o ver (cfr. fls. 23) no dia 16/4/2011 é que o B... o denunciou pessoalmente junto do OPC - e assim se deu o 2° reconhecimento, no qual ele não pestanejou, apontando o arguido como o seu «carrasco». Por que razão o tribunal decidiu ignorar totalmente a força probatória deste reconhecimento elaborado segundo os cânones legais? Por que razão decidiu antes sublimar os 80 % de certeza apontados pelo B... em julgamento? A instâncias do tribunal, o B... disse que ficou com poucas dúvidas quando o viu em tribunal no dia do julgamento No 2° depoimento (minuto 1:41) declara que o seu assaltante era o arguido... Mas acaba por soçobrar em alguma dúvida perante as investidas do tribunal (4:17 do seu 2° depoimento) e até da minha pessoa, na ânsia de se descortinar a verdade material do evento. 12a Haverá que retirar a conclusão da culpabilidade do arguido da peremptoriedade do reconhecimento que havia sido feito em sede de inquérito, realizado em Maio de 2010, 5 meses após o evento traumatizante, reconhecimento esse não infirmado de forma plena pelas declarações menos peremptórias do B... em julgamento, quase 3 anos após o evento. 13a Quando uma testemunha identifica um arguido em audiência, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.° do CPP, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.° do mesmo diploma. Entendia-se que esta interpretação do artigo 147.° não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.° 425/2005, de 25-08-2005 (proc. n.° 452/05, publicado no DR n.° 195, II Série, de 11-10-2005, pp. 14574 a 14579). No caso em apreço, na audiência houve lugar à identificação do arguido pelo ofendido, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.°, 2, do CPP), não tendo sido sentida pelo tribunal a necessidade de recorrer ao meio probatório autónomo intitulado de «Reconhecimento de pessoas». Logo trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cfr. artigo 355.° CPP).

14a Temos um reconhecimento válido feito em inquérito, o qual é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355°, n°1, in fine, n° 2 e artigo 356°, n° 1, b) do Código de Processo Penal, não lhe sendo aplicável o disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 356° do Código de Processo Penal. O “reconhecimento” é um meio de prova “pré-constituído” pois que, pela sua natureza e pelas conclusões apresentadas por estudos em psicologia da memória, deve ser realizada temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilícito — no início do inquérito, portanto - inadequado para, ex novo, ser praticado em audiência de julgamento (no entanto inexplicavelmente aceite pela legislação portuguesa), de valor moderado mas discutível se nesta for praticado pela segunda vez, mas passível de, em audiência, ser contraditado. E não se diga que esse reconhecimento tem de ser repetido em julgamento. 15a E se assim é, então temos prova por reconhecimento em inquérito — que vale em julgamento - e prova testemunhal.

E do cotejo das duas (uma positiva 100%, outra positiva 80%), se deve chegar à certeza da justa condenação do arguido pela prática do crime de roubo... 16a Como se sabe, a convicção do Tribunal forma-se segundo os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduzem a que a mesma se forme em determinado sentido, ou valorar de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.

17a Reconduzindo-nos aos presentes autos podemos dizer, após a produção da prova em sede de audiência de julgamento, ter-se demonstrado com segurança a prática do crime de que o arguido se encontra acusado (tendo sido também essa a indiciária conclusão instrutória). O julgador deve procurar encontrar uma correspondência entre aquilo que lhe foi dado para provar — enunciado fáctico - para dessumir a solução de direito do caso e a realidade — verdade — que poderá estar subjacente a esse enunciado, sendo certo que a “verdade” que encontrará mais não será que a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos factos. 18a Temos de acreditar nas palavras deste jovem menino que, ainda nervoso e temeroso sobre o que lhe podia vir a acontecer, foi capaz de identificar EM JULGAMENTO - em 80 % de certeza -...

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