Acórdão nº 378/12.3TVPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em 1 de Março de 2012, nas Varas Cíveis do Porto, foi apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia[1] de fls. 5/14, no qual a sociedade espanhola U…, SA (Requerente dessa injunção, A. da acção sucedânea aqui em causa e Apelada neste recurso) demandou a sociedade portuguesa D…, Unipessoal, Lda.
(Requerida, R. na presente acção e Apelante nesta instância).
Referiu-se a injunção – o que se indicou no formulário respectivo – a um valor total do crédito reclamado, sem juros, de €391.795,52, decorrendo este do fornecimento de mercadorias pela Requerente à Requerida, cujo pagamento não foi satisfeito, em parte muito substancial, por esta última (conforme relação de facturas de fls. 15/16 e cópias de fls. 17/107).
1.1.
Desencadeado a fls. 111 o pretendido procedimento de emissão de uma injunção europeia [doravante referiremos como Regulamento ou Regulamento 1896/2006 o acto comunitário que, na designação oficial, corresponde ao “Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento”[2]], valendo a tal respeito o artigo 12º deste Regulamento[3].
1.1.1.
Citada a Requerida (interessa a tal acto o artigo 13º do Regulamento 1896/2006) – e assim encetamos o relato das incidências fulcrais desta acção necessárias à compreensão do presente recurso – deduziu ela (a sociedade Requerida D…) oposição, fazendo-o cumulativamente através do requerimento articulado de fls. 127/129 e do preenchimento do Formulário F previsto no artigo 16º do Regulamento (fls. 131/132)[4]. No tal articulado de oposição de fls. 127/129 – o elemento do processamento da injunção que vem a interessar ao presente recurso – referiu a Requerida o seguinte: “[…]1ºA presente Injunção carece de todo e qualquer fundamento válido, destinando-se a improceder.
Com efeito,2ºA Requerida nada deve à Requerente como esta deveria saber, pelo simples facto de que a obrigação de capital objecto da Injunção, não ser devida, por efeito da compensação.
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Assim, a verdade é que, a Opoente considerou, conforme acordado, compensar o seu débito pelo crédito que se tinha a haver da Requerente.
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Resultando aliás que a natureza desta operação não foi a primeira do género, pois que já anteriormente realizou-se exactamente a mesma operação no encontro de outros valores entre as partes.
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Por isso, a Requerida, ora Opoente, não compreende de todo o sentido da presente Injunção.
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Em virtude de, os Representantes Legais das partes, terem celebrado uma Escritura, em Madrid, na qual acordaram todos os termos da compensação efectuada, e que atrás já se invocou, isto é, quer a compensação deste valor quer de outros anteriores.
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Escritura essa que a Requerida já se encontra a promover a sua tradução, por Tradutor Oficial competente, no sentido de a poder apresentar oportunamente, isto caso a Acção prossiga junto do Tribunal competente para o efeito.
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Pelo que, certo é que o valor que a Requerente reclama encontra-se pois todo pago, regularizado, por efeito da compensação acordada na referida Escritura/Negócio, nada devendo a Requerida à Requerente.
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Em face do exposto se dirá assim que a Requerida não é devedora do valor constante da presente Injunção, nem de qualquer outro.
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Consequentemente, sem razão de ser os juros peticionados.
[…]”.
1.1.2.
Originou esta incidência o despacho de fls. 134, ainda proferido pelo Tribunal da injunção – que marcou o fim do processamento respeitante à injunção de pagamento europeia[5] –, determinando este a remessa do processo ao Tribunal de Santa Comba Dão para os ulteriores termos (artigo 17º do Regulamento1896/2006). Este Tribunal proferiu o seguinte despacho (o de fls. 140/142, de 04/06/2012, com a referência citius 1577422[6], aqui transcrito nos trechos que apresentam relevância para o recurso): “[…] Conforme decorre do disposto no artigo 17.º do Regulamento, deduzida a oposição os autos prosseguiram nos tribunais competentes do ‘Estado-Membro de origem’, Portugal.
Dispõe o n.º 1 do citado normativo: «se for apresentada declaração de oposição no prazo previsto no n.º 2 do artigo 16.º, a acção prossegue nos tribunais do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.».
Atento o disposto nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro e 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro de 2012, os presentes autos não deveriam seguir sob a forma de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, mas antes sob a forma de processo comum, mais concretamente, acção de processo comum seguindo os termos do processo ordinário, pelo que se determina que se corrija a distribuição e autuação em conformidade, efectuando as diligências necessárias.
*Passando os autos a correr sob a forma de processo ordinário, e em face da matéria de excepção pela ora ré invocada em sede de oposição (transmutada em contestação), haverá que notificar a autora de tal contestação, além do mais, para que esta, querendo e no prazo legalmente fixado, apresente réplica, atenta a matéria de excepção invocada; sucede porém que, em sede de oposição/contestação, a ré sustenta que, ‘caso a acção prossiga junto do Tribunal competente’ iria juntar aos autos tradução da escritura pública que sustenta ter sido pelas partes celebrada compreendendo a compensação que invoca a título de excepção.
Em face do exposto, antes de mais, deverá a ré juntar aos autos, no prazo de 10 dias, a tradução de escritura invocada em sede de oposição/contestação, dado que, na ausência de tal documento, não estão os autos em condições de prosseguir, com notificação da contestação deduzida.
[…]”.
A fls. 148/284 (com os requerimentos de fls. 148/150 e 209) procedeu a R. à junção dessa escritura, a que invocara no articulado de oposição, sendo que à única incidência invocada na oposição – ou seja, à extinção dos créditos da A. por via da excepção peremptória de compensação – respondeu a A. a fls. 287/308, através de réplica nos termos do artigo 502º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), pedindo adicionalmente a condenação da R. como litigante de má fé[7].
1.2.
Nesta sequência foi proferido o despacho saneador-sentença de fls. 425/442 – constitui esta, fundamentalmente[8], a decisão objecto do presente recurso – julgando a acção procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de €391.795,52[9].
1.3.
Inconformada reagiu a R. apelando a esta instância, formulando a rematar as alegações as seguintes conclusões: “[…] II – Fundamentação 2.
Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no item 1.3.
supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[10]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.
Posto isto, vendo as conclusões, destas emergem dois fundamentos do recurso, apresentando, aliás, distintas referenciações processuais. Primeiramente, a dimensão da impugnação que aqui identificamos como primeiro fundamento (a), prende-se com a forma pela qual se operou, face à oposição da R. à injunção, o que poderíamos qualificar como a transmutação ou convolação do processamento injuntivo em processamento comum, com o aproveitamento da oposição da Requerida/R. de fls. 127/129 como articulado de contestação – aliás, como o articulado de contestação respeitante à acção transmutada.
Este elemento do recurso apresenta como referência o despacho de fls. 140/142 e é particularizado nas conclusões 1 a 18 da motivação da apelação.
Como segundo fundamento do recurso (b) aparece-nos a questão da compensação do crédito da A.
, aqui pretendida pela R.
através da sua particular interpretação da escritura junta a fls. 151/197, sendo que neste elemento – que constitui o aspecto central da apelação – a referência processual é o saneador-sentença de fls. 425/442 e valem a esse respeito as conclusões 19 a 34 da motivação.
2.1.
Os factos considerados na instância precedente (os factos fixados no saneador-sentença ora recorrido) foram os seguintes: “[…] A isto – a este rol – acresce o somatório de incidências processuais relatadas ao longo do item 1., sendo elas relevantes em particular para a apreciação do primeiro fundamento do recurso. Vale isto por dizer que essas incidências são aqui pressupostas enquanto factos processuais.
2.2. (a) Como antes dissemos, está em causa neste primeiro fundamento o despacho de fls. 140/142 (imprecisamente identificado na motivação, cfr. a nota 7, supra) o qual procedeu, digamo-lo assim, à...
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