Acórdão nº 1136/11.8TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A…, S… e P… – os últimos representados pela primeira - pediram ao Sr. Juiz de Direito do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, contra M…, Companhia de Seguros SA, a intervenção principal provocada, como seu associado, do Banco N…, SA, o reconhecimento de que o contrato de seguro celebrado entre a primeira e o mutuário falecido, L…, se encontrava válido à data da morte deste, e a condenação da demandada no pagamento, ao interveniente, de todas as quantias em dívida relativas aos dois contratos de mútuo nºs …, e aos demandantes, da indemnização, por danos não patrimoniais, não inferior a € 2.000,000.

Fundamentaram estas pretensões no facto de L… – cônjuge da autora A… e pai dos autores S… e P… – falecido no dia 14 de Janeiro de 2009, ter celebrado com o Banco I…, SA, incorporado por fusão no Banco N…, SA, um mútuo com hipoteca, através do qual concedeu, àquele e à autora A…, dois empréstimos de € 70.000,00, para aquisição de habitação própria permanente e obras de um imóvel, a pagar em 480 prestações mensais, tendo-se obrigado, no documento complementar da escritura, a efectuar um seguro de vida, pelo valor mínimo do montante do empréstimo, que devia cobrir a morte, invalidez absoluta e por doença e/ou morte e invalidez total e permanente por acidente, sendo beneficiário o Banco…, de, em Maio de 2003, L… e um funcionário do banco terem subscrito um boletim de adesão intitulado seguro de vida grupo crédito à habitação, surgindo como tomador do seguro o Banco… e como pessoas seguras e como seguradora, Companhia de Seguros …, de a seguradora nunca ter exigido exames médicos a L…, tendo aceitado a proposta de adesão e o pagamento dos prémios de seguro, mas de a ré se recusar a pagar, o que tem levado a autora, que recebe € 600,00, com que tem de fazer face às suas despesas e dos filhos, a uma situação de desespero e sofrimento psicológico que se prolonga há cerca de dois anos, sofrimento que é transmitido aos filhos, que sofrem também com o comportamento da ré.

A ré defendeu-se alegando que L…, que declarou no questionário clínico, não tomar medicamentos regularmente e não lhe ter sido recomendado tratamento médico consecutivo, internamento hospitalar nem intervenção cirúrgica, padecer, nessa data, de doença aórtica severa, encontrando-se sujeito a tratamento médico consecutivo, tomando medicamentos regularmente e tendo-lhe sido recomendado tratamento hospitalar e intervenção cirúrgica, tendo prestado falsas declarações sobre o seu estado de saúde, que conhecia, e que, no caso de L… ter declarado que padecia daquela doença, que se encontrava sujeito a tratamento médico consecutivo, que tomava medicamentos regularmente e que lhe tinha sido recomendado internamento hospitalar e intervenção cirúrgica, teria recusado a celebração dos contratos de seguro do ramo vida ou submeteria a respectiva celebração a termos e condições diversos daqueles em que os celebrou, verificando-se, por isso, fundamento para a sua anulabilidade, que comunicou à autora A… por carta de 17 de Novembro de 2011.

A ré pediu, em reconvenção, com fundamento na má fé das declarações prestadas por L… sobre o seu estado de saúde, a condenação dos autores na reversão, a seu favor, dos prémios de seguro pagos, no valor de € 1.048,60.

Os autores replicaram que L… apenas preencheu a pergunta nº 4 do questionário clínico, não tendo respondido às restantes perguntas por o funcionário do banco ter dito que não seria necessário, que a seguradora recebeu o formulário por preencher e o aceitou nessas condições e estabeleceu o prémio, e que L… teve conhecimento do seu problema de saúde depois da subscrição da proposta.

O interveniente Banco N…, SA pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 66.328,07.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter emprestado à autora A… e a M… as quantias de € 25.000,00 e € 45.000,00, reembolsáveis em 480 prestações mensais sucessivas, determinadas em função das taxas de juros remuneratórios estipuladas, para cuja garantia, os mutuários constituíram a seu favor hipoteca voluntária sobre uma fracção autónoma, e de os mutuários terem subscrito as propostas de seguro de vida, que também subscreveu na qualidade de beneficiário, contratos que foram aceites pela ré, e de L… ter falecido no dia 14 de Janeiro de 2009, não tendo a autora A… realizado ao pagamento das prestações vencidas em 29 de Janeiro de 2009 e das subsequentes, o que determinou o vencimento de toda a dívida, pelo que, na qualidade de beneficiário do capital seguro, pretende que lhe seja paga a quantia de € 66.328,07.

Seleccionada a matéria de facto, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento – com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente – no terminus da qual se decidiu, sem impugnação, a matéria de facto controvertida.

A sentença final da causa, depois de julgar procedente a excepção invocada pela ré, de anulabilidade dos contratos de Seguro Ramo Vida, absolveu aquela dos pedidos formulados pelos autores e pelo interveniente, e os autores do pedido reconvencional.

É esta sentença que os autores impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem a sua revogação.

Os apelantes remataram a sua alegação com estas conclusões: … A ré, na resposta ao recurso, concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    A causa petendi alegada pelos recorrentes – i.e., os factos alegados pelos apelantes para individualizar o direito invocado – é, sem dúvida, juridicamente qualificável como um contrato de seguro (artº 498 nº 1, 1ª parte).

    A sentença impugnada foi terminante em declarar procedente a excepção - peremptória – da anulabilidade do contrato de seguro – oposta pela demandada – o segurador – aos recorrentes, invalidade de que fez decorrer a improcedência dos pedidos, tanto dos recorrentes como do interveniente.

    No dia 1 de Janeiro de 2009 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, rectificado pelas Declarações de Rectificação nºs 32-A/2008, de 13 de Junho e 39/2008, de 23 de Julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro (artºs 1 e 7 daquele diploma legal). O mesmo diploma revogou expressamente, entre outras normas, as constantes dos artºs 425 a 462 do Código Comercial, aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 e dos artºs 1 a 5 e 8 a 25 do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho (artº 6).

    De harmonia com as normas de direito transitório de que a nova lei e fez acompanhar, ela é aplicável ao conteúdo de contratos celebrados em data anterior que subsistam à data do seu início de vigência e relativamente aos contratos de seguro com renovação periódica, a partir da primeira renovação posterior à data da sua entrada em vigor (artºs 2 nº 1 e 3 nº 1 do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril[1].

    Por força das apontadas normas de direito intertemporal da lei nova, harmónicas, aliás, com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, o estatuto do contrato de seguro – as condições da sua validade (capacidade, vícios do consentimento, forma etc.) bem como os efeitos da sua invalidade – é regulado pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado (artº 12 nº 2, 1ª parte, do Código Civil)[2].

    Nestas condições, os pressupostos de validade do contrato do contrato de seguro alegado, como causa de pedir, pelos recorrentes, são regidos pela lei revogada: as normas apontadas do Código Comercial – que, de resto, foram as aplicadas pela decisão impugnada - e do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho[3].

    Este ponto reveste-se, para a economia do recurso, de extrema importância.

    Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

    No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[4].

    No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

    Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

    Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[5].

    Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[6].

    Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi...

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