Acórdão nº 208/14.1 GCCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I.

Relatório.

1.1. No âmbito dos presentes autos de Processo comum singular, foi proferido, com data de 4 de Dezembro de 2017, despacho judicial cujo teor é como segue: «O arguido AA foi condenado nestes autos de processo comum singular, por decisão proferida em 06.02.2015 transitada em julgado em 09.03.2015 na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 2 anos e 8 meses, com regime de prova e imposição de regras de conduta.

Sucede que o arguido embora tenha iniciado o cumprimento do PIRS homologado nos autos, se ausentou do país passando a residir no Luxemburgo, não cumprindo as obrigações que lhe foram impostas (fls. 261, 286, 287).

Face à deslocação do arguido para o estrangeiro, o PIRS foi reajustado, considerando a realidade profissional e residencial do arguido, e adaptado a tal circunstância mantendo-se o compromisso e obrigação pelo arguido de comparecer junto da DGRSP quando em Portugal, o que se comprometeu a fazer e não cumpriu (fls. 297, 299 a 301, e 303 a 305).

O arguido não procedeu, ainda, ao pagamento da quantia de € 500 à APAV, como fixado por sentença.

O arguido condicionou, e acabou por comprometer em definitivo os objectivos da intervenção da DGRSP, de quem não permite a intervenção, e com a qual não colabora de forma alguma (fls. 312 e 313, 341 e 342).

A ofendida veio a apresentar queixa-crime contra o arguido onde imputa ao mesmo a prática de factos susceptíveis de integrar, pelo menos, os crimes de injúria e ameaça, a que respeita o auto de violência doméstica NUIPC 000166/17.0PBCLD, conduta que viola, desde logo, o teor da sentença em que foi condenado nestes autos (fls. 324ss).

Por constar dos autos que, embora fosse conhecido o seu paradeiro no Luxemburgo, o mesmo mantinha, para efeitos de notificação a morada por si indicada no TIR que prestou, foi designado dia para audição de condenado, tendo o arguido sido notificado nos termos legalmente previstos considerando o TIR válido, tendo-o ainda sido o respectivo defensor, sendo a diligência agendada de acordo com a disponibilidade por aquele manifestada.

O arguido não compareceu na data designada para a respectiva audição.

Em sede de audição de condenado foi ouvido o técnico de reinserção social que acompanha a execução da medida, o qual, confirmou a total falta de colaboração do mesmo, que depois de se deslocar para o Luxemburgo nunca compareceu às reuniões agendadas para os períodos em que o mesmo referiu deslocar-se a Portugal, desprezando os compromissos assumidos e desinteressando-se em absoluto do destino dos presentes autos e da pena que nos mesmos lhe foi imposta.

O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.

Notificada para se pronunciar, sobre a promoção do Ministério Público a defesa do arguido vem arguir a nulidade da diligência realizada por falta de notificação do arguido e a sua audição presencial.

Face ao supra exposto, e considerando que o arguido foi notificado do despacho que designou dia para a respectiva audição na morada por si escolhida para o efeito no TIR prestado, o qual apenas se extinguirá com a extinção da pena, o mesmo foi, em nosso entender validamente notificado.

Ademais, o defensor oficioso do arguido foi notificado da data designada, era igualmente conhecedor da morada em que o arguido, tanto quanto se sabe de momento, residirá no Luxemburgo, tendo assim sido conferida oportunidade para exercício de contraditório quanto aos factos reportados pela DGRSP quanto ao incumprimento do arguido do PIRS e da sentença proferida nos autos, e bem assim da promoção do Ministério Público quanto às consequências de tal incumprimento, v. nesse sentido Ac. Relação de Coimbra de 25.09.2013, e Ac. Relação do Porto, de 29.03.2017.

Em conformidade com a promoção de fls. 386, atendendo ao circunstancialismo supra descrito de que resulta que o arguido se revela completamente indiferente à decisão proferida, demonstrando um total desrespeito para com a lei, e um profundo desinteresse para com a sua própria condição, julgamos que o circunstancialismo supra descrito e referido na promoção que antecede é manifestamente demonstrativo da forma desinteressada com que o arguido enfrentou a sua condenação bem como as condições de suspensão que lhe foram impostas pois que, não manifestou qualquer interesse na viabilização do referido plano de reinserção.

Concluímos portanto que o arguido violou com culpa as imposições a que foi sujeito, e que as finalidades que motivaram a suspensão já não podem ser alcançadas por tal meio, devendo-se em consequência determinar o cumprimento da pena de prisão aplicada (art.º 56.º, n.º 1 als. a) e b) e n.º 2 do Cód. Penal).

Pelo exposto, declaro revogada a suspensão da execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses aplicada nestes autos e, em consequência, determino que o arguido cumpra a mesma pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Oportunamente, emitam-se os competentes mandados de detenção do arguido para cumprimento de pena em Estabelecimento Prisional competente.

Notifique.» 1.2. Inconformado com o decidido, o arguido AA, entretanto já mais identificado nos autos, interpôs recurso (constante de fls. 412/416), pedindo que no respectivo provimento seja revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo, decidindo-se que o mesmo é nulo nos termos do art.º 119.º, al. c) do Código de Processo Penal, ou, caso assim não se entenda, substituído por outro que determine a aplicação do disposto numa das alíneas do art.º 55.º do Código Penal, ou, em última análise, determine a repetição da audição do arguido, devendo o arguido ser notificado para o efeito, na sua morada no Luxemburgo, tudo isto fundado nas seguintes conclusões extraídas da motivação apresentada (transcrição): 1.ª O douto despacho decidiu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, determinando o cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

  1. O arguido foi condenado na pena de 2 anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova e o dever de entregar a quantia de 500,00 euros à APAV.

  2. O arguido iniciou o cumprimento do plano.

  3. Posteriormente o arguido emigrou e passou a residir no estrangeiro, tendo sio o plano adaptado por forma a que este cumprisse as obrigações de suspensão quando se encontrasse em território nacional, 5.ª Considerou o douto tribunal a quo que o arguido não voltou a comparecer na DGRSP, nem a contactar esta entidade.

  4. Também considerou que o arguido não demonstrou que tivesse efectuado o pagamento à APAV.

  5. Considerou o douto tribunal a quo que o arguido foi notificado para ser ouvido em declarações e este não compareceu nem justificou a sua ausência.

  6. Na verdade, o arguido iniciou o plano de reinserção no dia 1 de junho de 2015 e informou a DGRSP- Equipa do Oeste (responsável pelo Plano de reinserção) que no dia 18 de junho de 2015 ia emigrar por razões de dificuldades económicas, para o Luxemburgo, e que se comprometia a comparecer nesses serviços nos períodos em que se encontrasse em Portugal, conforme se refere o relatório inicial da DGRSP - Equipa do Oeste (responsável pelo Plano de reinserção).

  7. No dia 1/7/2015 o douto tribunal a quo determinou que “Uma vez que o arguido não está impossibilitado de se deslocar para o estrangeiro nada a determinar. No entanto, mantém a sua morada para efeitos de notificação.” 10.ª No relatório intercalar da DGRSP - Equipa do Oeste (responsável pelo Plano de reinserção) esta informa o Tribunal no dia 15 de abril de 2016 que a residência do arguido no Luxemburgo passou a ser a seguinte: ----------- e que o arguido tinha revelado que se deslocaria a Portugal em dezembro de 2016 para passar o Natal, tencionando nessa data efetuar o pagamento de 500,00 € à APAV.

  8. Ora, do relatório de 22 de junho de 2017 da DGRSP - Equipa do Oeste (responsável pelo Plano de reinserção) enviado para o douto tribunal refere que “desde a última informação enviada ao tribunal em 7/02/2017, não foi possível contactar o arguido. Apesar de se ter comprometido a comparecer nestes serviços quando se deslocasse a Portugal, situação que previa para a época da Páscoa, AA não o fez, embora segundo a ofendida tenha estado em Portugal durante uns dias.” 12.ª Face a este relatório o douto tribunal notificou o arguido para a morada do mesmo em Portugal, bem sabendo que o mesmo não se encontrava em Portugal, bem sabendo o douto tribunal a quo que o arguido estaria no Luxemburgo, na morada de que dispunha, e não envidou quaisquer esforços no sentido de notificar o arguido nesta morada, a fim de se poder pronunciar sobre o relatório da DGRSP - Equipa do Oeste (responsável pelo Plano de reinserção).

  9. O arguido podia e devia ter estado presente se o douto tribunal a quo o tivesse notificado na morada do Luxemburgo, da qual tinha sido informado e tinha conhecimento.

  10. A doutrina, nomeadamente Maia Gonçalves, André Lamas Leite e Paulo Pinto Albuquerque, consideram que a audição do arguido aquando da decisão de revogar a pena suspensa é obrigatória e presencial.

  11. No entender de Paulo Pinto de Albuquerque a não audição do arguido nestas condições constituem uma nulidade nos termos do art.º 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.

  12. Assim, o douto despacho que decidiu a revogação da suspensão da execução da pena é nulo, não produz nenhum efeito e deve ser revogado pelo douto tribunal de recurso.

  13. A revogação da suspensão consiste numa aplicação de uma sanção mais gravosa para o arguido, e por isso é necessário a sua presença na respectiva audiência para análise da sua revogação, pelo que não estando ele presente não se pode dar cumprimento ao princípio do contraditório...

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