Acórdão nº 4228/17.6T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

14 Proc. nº4228/17.6T8LRA-C1 Tribunal de origem: Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 4 - do T.J da Comarca de Leiria Apelação em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro 2º Adjunto: Des. Carvalho Martins * 1 - RELATÓRIO “A (…), S.A.

” instaurou no Juízo Central Cível de Leiria contra “C (…)S.A.

” um procedimento cautelar do “Código da Propriedade Industrial” (cf. art. 338º do Código da Propriedade Industrial Doravante “CPI”.

, ex vi dos arts. 317º, nº2 e 318º, nº1, do mesmo normativo) pedindo que fossem ordenadas as seguintes providências: «a. A proibição da comercialização e da cobrança de créditos relativamente a fornecimentos já realizados pela Apelada (i) do composto de argilas IB-1 junto da (…) ou de quaisquer outros eventuais clientes, e (ii) do composto de argilas MPHB junto da (…) ou de quaisquer eventuais outros clientes; b. A notificação dos clientes desviados pela Apelada, designadamente a (…) para que: i. Não procedam a quaisquer pagamentos dos créditos vincendos e dos créditos vencidos não pagos à Apelada relativamente ao fornecimento de tais matérias-primas supra indicadas; e ii. Procedam à consignação em depósito de tais quantias a favor do Agente de Execução; c. A apreensão nas instalações e em entrepostos utilizados pela Apelada dos stocks de compostos de argilas IB-1 e MPHB, nomeadamente as 20 mil toneladas do composto de argilas IB-1, ficando o seu depósito à guarda do Agente de Execução; d. A autorização para que o Agente de Execução proceda à venda dos stocks de compostos de argilas apreendidos, por se tratar de mercadorias deterioráveis, ficando o produto da venda consignado em depósito em favor do Agente de Execução; e. A apreensão de toda e qualquer documentação relacionada com a produção e desenvolvimento dos compostos de argilas IB-1 e MPHB, em especial das fichas técnicas de onde constam as respetivas fórmulas químicas, e a restituição dessa documentação à Apelante; f. A apreensão (arrolamento) de cópia da documentação contabilística da Requerida, em suporte físico ou digital, com realização de uma auditoria forense independente sobre a documentação contabilística, para aferição das mais-valias ilicitamente obtidas pela Apelada, a efetuar por uma das quatro grandes auditoras e consultoras internacionais ((…)).

g. Ser decretada uma sanção pecuniária compulsória, em valor diário não inferior a EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) até que a Apelada assegure o respeito pelos segredos industriais e a clientela da Apelante.

» A Requerente fundou os pedidos acima mencionados na prática de atos de concorrência desleal pela Requerida através do desvio de segredos industriais (know-how) – em especial no desvio da produção do composto de argilas IB-1 e desvio da produção do composto de argilas MPHB (cfr. arts. 39º a 76º do Requerimento inicial da Providência Cautelar) – e de clientela (cfr. arts. 77º a 89º do Requerimento Inicial da Providência Cautelar).

* Na sequência da arguição da exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por parte da Requerida em sede de Oposição, o Tribunal a quo, chamado a pronunciar-se, assim não o entendeu, perfilhando, em brevíssima síntese, o seguinte entendimento: (i) Por a Apelante fundar o seu pedido, e a proteção daí decorrente, no artigo 318.º do CPI, “sendo esta [a norma] que define o ato de concorrência desleal que integra a sua causa de pedir”, sendo o “próprio Código da Propriedade Industrial que prevê, cria o inerente direito e protege a utilização exclusiva do segredo de negócio”; (ii) Pela circunstância de ser “absolutamente redutor o entendimento segundo o qual os direitos tutelados pelo CPI são, apenas, aqueles que estão protegidos pelo registo” e de ainda porque “o caráter inovador e adequado ao rápido desenvolvimento económico e à proteção do desenvolvimento científico e tecnológico que foi pretendido, já em 2003 […] conferir ao CPI ficaria gravemente prejudicado se se entendesse que este apenas tutela direitos privativos que sejam alvo de registo.”; e (iii) Pela razão de “os atos de concorrência desleal não se esgota[rem] na violação dos direitos privativos tutelados pelo CPI, englobando-se na previsão do seu artigo 317.º múltiplas situações em que está em causa a violação de outros direitos, não expressamente consagrados e protegidos por aquele diploma legal”, não se englobando o caso dos autos nessas outras situações, “dado que […] está em causa a violação de um direito expressamente tutelado pelo CPI, através do seu artigo 318.º.”, o que seria comprovado pelas próprias alegações da Requerente que “para alicerçar a sua pretensão […] sempre chamou à colação as normas do CPI, não havendo citado um único artigo externo a esse diploma para basear a existência do seu (pretenso) direito, mas antes e no que a este concerne, o tendo baseado no citado artigo 318.º.”.

Em conformidade, proferiu o seguinte concreto “dispositivo”: «Nos termos e fundamentos expostos, decide-se declarar o presente Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Leiria incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente ação, por tal competência pertencer ao Tribunal da Propriedade Industrial e, consequentemente, absolve-se a requerida da instância.

*** Custas pela requerente (artigo 527º, nº1, do Código de Processo Civil).

Valor da causa: o indicado pela requerente.

*** Notifique e registe.

» * Inconformada com tal decisão veio a Requerente recorrer, formulando a concluir as alegações que apresentou, as seguintes conclusões: «A. O Tribunal a quo julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria arguida pela aqui Apelada, determinando a sua incompetência absoluta (artigo 96.º, alínea a) do CPC), e, por sua vez, absolvendo a Apelada da instância (artigos 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º e 577.º, alínea a) do CPC).

  1. O preceito de referência é o artigo 111.º, n.º 1, al. j) da LOSJ, que dispõe que o Tribunal da Propriedade Intelectual tem competência para conhecer das questões relativas a “[a]ções em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial”.

  2. A proteção atribuída pelo CPI concretiza-se pela atribuição de direitos privativos industriais e pela proibição de determinados comportamentos concorrenciais (concorrência desleal).

  3. O artigo 111.º, n.º 1, alínea j), da LOSJ, ao fazer referência a “atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial”, visa consagrar a separação entre atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial e atos de concorrência desleal que não envolvem matéria de propriedade industrial.

  4. Os segredos de negócio – artigo 318.º do CPI – não são direitos privativos da propriedade industrial, apenas gozando da proteção da proibição geral da concorrência desleal, F. Pelo que o caso em apreço materializa uma daquelas situações de concorrência desleal que não envolve a ofensa de direitos privativos de propriedade industrial.

  5. Os tribunais superiores têm considerado de forma pacífica e uniforme que, perante litígios relativos a atos de concorrência desleal que não envolvam direitos privativos de propriedade industrial — como é o caso —, a competência material pertence aos tribunais cíveis e não ao Tribunal da Propriedade Intelectual.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser considerado procedente por provado e, por sua vez, ser revogada a douta Sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que declare que o objeto deste procedimento cautelar se inclui na jurisdição cível dos tribunais comuns — i.e.

, do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria — devendo a instância aí prosseguir os seus trâmites, como é de Direito.

POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!» * A Requerida respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos: «1.

A Recorrente vem interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que entendeu falecer-lhe a competência em razão da matéria para preparar e julgar o presente...

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