Acórdão nº 4228/17.6T8LRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução06 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório

  1. A recorrente instaurou o presente procedimento cautelar previsto no Código da Propriedade Industrial, contra a recorrida com o fim de obter a procedência dos seguintes pedidos: (I) Proibição da comercialização e da cobrança de créditos relativamente a fornecimentos já realizados, pela requerida (i) do composto de argilas IB-1 junto da I (…) da A (…) ou de quaisquer outros eventuais clientes, e (ii) do composto de argilas MPHB junto da C (…) ou de quaisquer eventuais outros clientes; (II) Notificação dos clientes desviados pela requerida, designadamente a (…), para que: 1 - Não procedam a quaisquer pagamentos dos créditos vincendos e dos créditos vencidos não pagos à requerida relativamente ao fornecimento de tais matérias-primas supra indicadas; e 2 - Procedam à consignação em depósito de tais quantias a favor do agente de execução; 3 - Apreensão nas instalações e em entrepostos utilizados pela requerida dos stocks de compostos de argilas IB-1 e MPHB, nomeadamente as 20 mil toneladas do composto de argilas IB-1, ficando o seu depósito à guarda do agente de execução; 4 - A autorização para que o agente de execução proceda à venda dos stocks de compostos de argilas apreendidos, por se tratar de mercadorias deterioráveis, ficando o produto da venda consignado em depósito em favor do agente de execução; 5 - A apreensão de toda e qualquer documentação relacionada com a produção e desenvolvimento dos compostos de argilas IB-1 e MPHB, em especial das fichas técnicas de onde constam as respetivas fórmulas químicas, e a restituição dessa documentação à requerente; 6 - A apreensão (arrolamento) de cópia da documentação contabilística da requerida, em suporte físico ou digital, com realização de uma auditoria forense independente sobre a documentação contabilística, para aferição das mais-valias ilicitamente obtidas pela Requerida, a efetuar por uma das quatro grandes auditoras e consultoras internacionais (…)).

    7 - Uma sanção pecuniária compulsória, em valor diário não inferior a €50.000,00 até que a requerida assegure o respeito pelos segredos industriais e a clientela da Requerente.

    * Após um despacho que decidiu procedente o pedido da Requerida, no sentido do Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Leiria ser incompetente em razão da matéria, por ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de abril de 2018, decidiu que o Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Leiria era competente em razão da matéria para conhecer da providência pedida pela Recorrente.

    De seguida, o tribunal considerou que perante a factualidade alegada pela requerente, ainda que os factos por si alegados resultassem demonstrados, com o necessário grau de certeza e de forma objetiva, que não ocorre perigo sério da lesão invocada no sentido de não vir a ser ressarcida através de um processo de indemnização, ou seja, através do património da requerida, pelo que, não se podendo extrair daqueles factos a verificação do requisito da impossibilidade ou dificuldade de reparação do dano, se revela manifestamente improcedente o procedimento cautelar.

    Tendo-se concluído assim, foi proferida esta decisão: «Em face do exposto e sem outras considerações, julga-se manifestamente improcedente a providência cautelar requerida, absolvendo a requerida dos pedidos formulados».

    * É desta decisão que vem interposto o recurso, cujas conclusões são as seguintes: (…) c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

    (…) II. Objeto do recurso Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1- A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se há nos autos decisão que tenha já decidido, com trânsito em julgado, a questão de saber se a presente providência é uma providência que deve seguir o regime previsto nos artigos 317.º, n.º 2, e 338.º- I do Código da Propriedade Intelectual ou se segue o regime das providências cautelares previsto no Código de processo Civil.

    2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se a providência requerida prescinde da existência de uma situação de periculum in mora, de receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente.

    3 - Em terceiro lugar, se a anterior resposta for negativa, cumpre verificar se os factos alegados pela Recorrente, se declarados provados, configuram uma situação de receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente.

    4 - Em quarto lugar, face à conclusão a que se tiver chegado na questão anterior, cumpre decidir o recurso. III. Fundamentação

  2. Matéria de facto Os factos alegados são os seguintes: «18 - A Requerente tem por objeto social a “Prospeção, pesquisa, exploração e comercialização de depósitos minerais, especialmente argilas destinadas á indústria de cerâmica e venda de energia elétrica” — cf. Documento n.º 4 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

    21.º Por sua vez, a Requerida tem por objeto social a extração de argilas, moagem de pedra calcária, comercialização de matérias-primas para cerâmica e compra e venda de imóveis, bem como de serviços de transporte rodoviário nacional e internacional — cf. Documento n.º «37.º - No âmbito da Auditoria Forense Independente, a Requerente apurou que o r. C (…) e a sua filha, Sra. A (…), gozando do seu estatuto de administradores (com funções executivas) da Requerente, têm vindo a desviar sistematicamente património, recursos materiais, financeiros e humanos, know-how, oportunidades de negócio e clientela do Grupo (…) para a Requerida e para outras empresas por si detidas».

    38.º Desta forma, a Requerida tem vindo a apropriar-se dos segredos industriais, dos negócios, da clientela e das matérias-primas da Requerente que levaram vários anos a construir.

    39.º - A Requerente foi contactada pela sociedade espanhola A (…) sua cliente habitual, no sentido de desenvolver um novo composto (blend) de argilas, que fosse capaz de corresponder a determinadas especificações indicadas pela cliente.

    40.º - Nesta sequência, a equipa de investigação da Requerente desenvolveu, em laboratório, um novo composto (blend) de argilas, que recebeu a designação de “IB-1”, 41.º - Tendo a ficha técnica descritiva dos elementos e do método de fabrico do novo composto (a fórmula química) – blend – ficado guardada, como habitualmente, no arquivo interno da Requerente.

    42.º - De forma a evitar que esta caísse nas mãos de terceiros, nomeadamente empresas concorrentes, por se tratar de um importante segredo industrial legalmente protegido.

    43.º - Note-se que, com o objetivo de preservar o segredo, até os contratos de trabalho dos trabalhadores do laboratório da Requerente contêm uma cláusula de sigilo profissional onde se consagra um «dever legal imperativo de guardar lealdade de um modo geral (…) e especificamente não divulgando informações relativas à sua organização, métodos de produção ou negócios».

    44.º - O que demonstra que, desde a primeira hora, era fundamental preservar o segredo associado à produção do composto de argilas IB-1 e de outros (tal como o MPHB, que será referido infra).

    45.º - Do laboratório passou-se para a produção, tendo, em 08.02.2017, a Requerente expedido 500 toneladas do referido produto através do distribuidor espanhol I (…), a título de lote mínimo para ensaio industrial, para o cliente final A (..), com a qual obteve o pagamento de EUR 14.125,00 (catorze mil cento e vinte cinco euros).

    46.º - Na sequência da aprovação da qualidade do produto pelo cliente A (…) em 31.03.2017, a Requerente expediu mais 4.000 toneladas de composto IB-1, com a qual obteve o pagamento de EUR 113.000,00 (cento e treze mil euros) 47.º - Em abril de 2017, o Sr. C (…) decidiu transferir a produção do composto IB-1, o stock já produzido pela Requerente e prestes a embarcar e as respetivas encomendas em carteira da Requerente para a Requerida, 48.º - Tendo-se deslocado a Espanha para convencer o distribuidor espanhol da Requerente – a I (…) a passar a receber os fornecimentos da Requerida, 49.º - Nessa altura estava a ser carregado um barco com produto IB-1 produzido pela Requerente, tendo o Sr. C (…) – para surpresa e inquietação de funcionário da Requerente – dado instruções para que os documentos de transporte marítimo (Bill of Lading – conhecimento de transporte marítimo) e a fatura fossem emitidas em nome da Requerida, ao invés da Requerente, tal como tinha sido feito até esta data.

    50.º - Nessa sequência, a informação técnica sobre os elementos e o método de fabrico do composto (blend) IB-1 foi transferida para a Requerida.

    51.º - E o produto IB-1 passou a ser produzido e fornecido à A (…), via I (…)pela Requerida.

    52.º - Para cúmulo, o laboratório da Requerente continuou a testar a qualidade dos lotes de composto IB-1, agora faturados pela Requerida.

    53.º - Até outubro de 2017, este esquema implicou para a Requerente uma perda de faturação de, pelo menos, EUR 475.700,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil e setecentos euros).

    54.º - Recentemente, no dia 18 de outubro de 2017, foi realizado outro fornecimento pela Requerida de produto IB-1, na quantidade de 6.700 toneladas, por cerca de EUR 186.450,00.

    55.º - Estes valores continuarão a aumentar se o Sr. C (…) continuar a desviar encomendas do distribuidor I (…) e dos clientes finais da Requerente para a Requerida, porquanto os clientes da Requerente carecem de fornecimentos regulares deste produto.

    56.º - De facto, à partida, o cliente final A (…) estimava encomendar 60.000 toneladas de IB-1 em 2018, o que implica uma estimativa de perda anual de faturação não inferior a EUR 1.600.000,00, só com este cliente.

    57.º - No dia a seguir...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT