Acórdão nº 1864/17.4T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Na acção declarativa, com processo comum, que C... e M... intentaram contra L..., Companhia de Seguros, SA, esta, tendo sido notificada da data de realização de exame medico legal à pessoa do A., veio, nos termos e para efeito do art 480º/3 do CPC, indicar assessor técnico, procedendo à respectiva identificação.

A respeito desse requerimento foi proferido o seguinte despacho: «Notificada da marcação da perícia médico-legal, pretende a ré a nomeação de assessor técnico, para acompanhar essa perícia. Cumpre decidir.

Em termos gerais, a possibilidade de as partes assistirem aos atos de inspeção integrantes da perícia fazendo-se assistir por assessor técnico está regulada no artigo 480º nº3 do Código de Processo Civil.

Tratando-se, especificamente, de perícia médico-legal, dispõe o artigo 3º, nº1, da citada Lei nº 45/2004 que tais perícias “solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições dos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal”.

Estas disposições do processo penal relacionam-se com o consultor técnico, não sendo, assim, possível a assistência da parte por consultor.

E o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de saber se a citada norma do regime jurídico das perícias médico-legais violava os direitos de defesa e o exercício do contraditório, havendo respondido negativamente.

Mais precisamente no Ac do TC nº 133/2007, de 27/2/2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dr Pamplona de Oliveira, é dito que: “(…) Não pode inferir-se directamente da Constituição a existência de um direito dos participantes processuais a acompanharem os exames médico-legais, realizados no âmbito do próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, por si ou através dos consultores técnicos que os coadjuvem nas matérias técnico cientificas envolvidas na prova pericial.

Ocorre, porém, perguntar se a Constituição consente ao legislador liberdade para moldar um regime específico quanto àquelas perícias que devem ocorrer no Instituto Nacional de Medicinal Legal, regime que é mais restritivo quanto ao direito de acompanhar a diligência que é conferido aos intervenientes processuais e, portanto, também ao arguido.

Mas a análise da evolução legislativa que esta matéria sofreu revela que não tem verdadeiro fundamento a alegação do recorrente quanto à não existência de "justificação razoável – técnica, científica ou processual – para essa limitação", omissão que, em seu entender, seria demonstrativa da natureza "desproporcionada e desnecessária" da solução legal.

É, pelo contrário, manifesto que a norma impugnada, ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos, para além de abrangidos pelo segredo de justiça (como os demais), estão vinculados ao dever de sigilo profissional, e gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

Ora, o Tribunal tem entendido que a proibição constitucional do arbítrio não afasta a possibilidade de a lei permitir distinções, desde que não se apresentem como desrazoáveis ou injustificadas (cfr. Acórdão n.º 189/2001, Ac.TC n.º 50 p. 285; Acórdão n.º 31/91 in DR II série, 25 de Junho de 1991), como é manifestamente o presente caso. (…) Decorre claramente do que já se observou que o direito de nomear um consultor técnico permitido pelo artigo 155º do Código de Processo Penal, não é um direito conferido especificamente a título de "garantia de defesa", no seu sentido mais estrito: no decurso da prova pericial não impende sobre o arguido qualquer ónus de contradizer ou afirmar qualquer facto; não é atribuída qualquer eficácia ao acordo expresso ou tácito sobre factos não contraditados.

O que aqui vale, seguramente, é a busca da verdade material e da realização da justiça, do dever de investigação judicial autónoma da verdade, com independência e imparcialidade, embora sem excluir o auxílio das partes – artigo 340º n.º 1 do Código de Processo Penal – objetivo que representa uma das finalidades do processo penal. À autoridade judiciária incumbe rodear a produção de prova pericial das condições necessárias a que dela se retire a verdade material, processualmente válida. Ora, na decorrência desse grande objetivo do processo penal, o sistema português adotou um regime de perícia oficial – não contraditória – essencialmente disciplinado pelos artigos 152º n.º 1 e 154º n.º 1 do citado Código, no domínio da qual o perito é um perito do Tribunal, sujeito ao mesmo dever de imparcialidade e de busca da verdade material que oneram a atividade judiciária.

Esclarecida a verdadeira natureza da atuação dos participantes processuais neste âmbito, é mais fácil compreender que o direito do arguido de acompanhar a perícia através de um consultor técnico não constitui uma imperiosa exigência do princípio do contraditório...

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