Acórdão nº 244/17.6T9CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelINÁCIO MONTEIRO
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I- Relatório No processo supra identificado, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido A...

, filho de (…), solteiro, com domicílio actualmente detido no Estabelecimento Prisional de B....

*É-lhe imputada, em co-autoria a prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, pelos seguintes factos na acusação: «(…)».

*A Ex.ma Juíza, por manifestamente infundada a acusação, nos termos do art. 311.º, n.º 2, al. a) e 3, al. d), do CPP, proferiu o seguinte despacho de rejeição da acusação: «Nos presentes autos a Digna Magistrada do Ministério Publico deduziu acusação contra A..., imputando-lhe a prática de um crime de falsidade do testemunho, p. e p. pelo art.º 360º nºs 1º e 3 do Código Penal.

Analisada a factualidade vertida na referida acusação e que aqui interessa, temos por um lado as declarações prestadas pelo arguido (enquanto testemunha) perante a Policia Judiciária e nas quais refere uma série de factos, e por outro lado temos as declarações prestadas pelo arguido, também enquanto testemunha, perante Magistrado do Ministério Publico nas quais refere de nada se lembrar, mesmo depois de confrontado com as suas anteriores declarações.

Dispõe o art.º 360º do Código Penal o seguinte: “1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução.

3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.” Sobre o tema, no Comentário Conimbricense, pág. 477, diz Medina de Seiça que caso a narração do declarante se afaste do acontecido, isto é, daquilo que o tribunal, em face da produção da prova, tenha dado por acontecido, ela é falsa.

Quer isto dizer que para se afirmar a falsidade do depoimento, o Tribunal tem que dar como provados determinados factos sobre os quais uma testemunha depôs de modo diferente, e que a testemunha conhecia a realidade que o Tribunal deu como provada e que, provando-se que essa realidade era a verdadeira, de livre vontade e intencionalmente, a ocultou.

Ora, nos presentes autos a acusação refere que num determinado momento a testemunha afirmou uma série de factos e que depois perante o Ministério Público afirmou não se recordar, nem sequer se recordar que tinha prestado declarações perante a Polícia Judiciária.

Acresce que o arguido e que naqueles autos prestou declarações como testemunha, fê-lo perante a Policia Judiciária depois de ter estado internado com perda de consciência e prognóstico reservado.

Perante esta factualidade não podemos afirmar a existência de dois depoimentos contraditórios, temos um depoimento com factos e outro em que se afirma ausência de memória.

Destarte, entendemos ainda que falta um outro elemento objectivo na acusação.

Conforme tem sido afirmado na jurisprudência a verdade que se busca para determinação do elemento típico do crime de falso testemunho não é a verdade formal, mas sim a que corresponde a um dado acontecimento histórico conhecido de quem depõe e que é intencionalmente negado, ou do conhecimento de um facto inexistente que intencionalmente se afirma como verdadeiro.

O art. 360.º, n.ºs 1 do Cód. Penal prescreve que, quem, como testemunha (…) perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento (…) falsos, é punido… Falso é, aqui, o contrário de verdadeiro, ou seja, para se dizer que um depoimento é falso é preciso confrontá-lo com os factos verdadeiros, não bastando que uma testemunha preste depoimentos contraditórios (um ou mais!!!) entre si: sem aquele confronto, há apenas depoimentos divergentes mas não necessariamente contrários à verdade.

Enquanto não se lhe demonstrar a verdade e que ele a conhecia, …não se pode dizer, com rigor, que fez um (ou mais) depoimentos contrários à verdade.

Em resumo: em qualquer situação (adira-se à teoria objectiva ou à subjectiva da falsidade, tanto importa), é sempre imperioso que se demonstre o contrário daquilo que foi declarado (de uma ou de todas as versões) e, mais que isso, que se alegue e demonstre que a testemunha, agindo intencionalmente, conhecia o contrário daquilo que declarou.

Pelo exposto rejeito a presente acusação ao abrigo do disposto no art.º 311º, nºs 2, alínea a) e 3 alínea d) do Código de Processo Penal, por manifestamente infundada, uma vez que os factos imputados ao arguido são insuficientes para se afirmar a existência de crime»*Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: «1. No presente recurso pretende-se impugnar a decisão/despacho proferido nos presentes autos em 29-01-2018, pela qual foi rejeitada, com fundamento em ser manifestamente infundada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo art. 360.º, n.os 1 e 3 do Código Penal.

  1. Porém, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a rejeição da acusação nos termos em que foi decidida, para além de se discordar que não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de falsidade de testemunho, pelo menos de forma suficientemente indiciada.

  2. Além disso, existe uma manifesta violação do disposto no art. 311.º, do C. P. Penal, uma vez que o Tribunal "a quo" fez um juízo de mérito da causa numa fase processual que a isso não se destina, sendo que o juízo de mérito sobre o bem ou mal fundada de uma acusação deve ser feito em audiência de julgamento, e nunca numa fase processual que se destina a sanear o processo.

  3. Temos para nós que, dos indicias considerados suficientes pelo Ministério Público em sede de inquérito, constantes da factualidade imputada ao arguido na acusação, resulta que o arguido terá praticado o crime de falsidade de testemunho que se lhe imputa.

  4. Senão, vejamos. O arguido foi ouvido em dois momentos diferentes em sede de Inquérito, perante a Policia Judiciária, e, mais tarde, perante Magistrado do Ministério Público. E, de acordo com os factos que lhe são imputados, existe uma contradição entre as duas versões apresentadas.

  5. Aliás, do despacho recorrido, não fundamenta porque se conclui que existem duas versões contraditórias.

  6. Apenas se diz que as versões são contraditórias porque numa o arguido relatou factos e na outra alegou falhas de memória.

  7. O que ali se diz, e passa-se a citar é: "Ora, nos presentes autos a acusação refere que num determinado momento a testemunha afirmou uma série de factos e que depois perante o Ministério Público afirmou não se recordar, nem sequer se recordar que tinha prestado declarações perante a Polícia Judiciária. Acresce que o arguido e que naqueles autos prestou declarações como testemunha, fê-lo perante a Policia Judiciária depois de ter estado internado com perda de consciência e prognóstico reservado. Perante esta factualidade não podemos afirmar a existência de dois depoimentos contraditórios, temos um depoimento com factos e outro em que se afirma ausência de memória." 9. Se bem lemos a factualidade constate da acusação, não é isso que lá consta.

  8. Basta atentar nos factos constantes nos pontos 1 a 13 da acusação supra citados, e nos factos constantes dos pontos 14 a 17 da mesma acusação.

  9. O que consta são duas versões dos factos. A primeira é a versão detalhada e completa, e a segunda é a versão "não me lembro" que exclui a primeira.

  10. Se é certo que não a nega ou contradiz frontalmente, a verdade é que é oposta à primeira.

  11. Recordando o Ac. da Relação de Évora proferido no processo 49/13.3T3STC, in www.dgsi.pt, cujo sumário se passa a citar:": - A circunstância de o tribunal de julgamento nada ter apurado sobre a verdade do facto objecto da declaração, não impede que a conduta da testemunha, o ora arguido, possa ter preenchido os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsidade de testemunho previsto no artigo 360.º do Código Penal, pois a falsidade de declaração a que se reporta este preceito corresponde à desconformidade entre a declaração emitida pelo agente e a realidade por ele apreendida, independentemente de a verdade ter sido apurada no processo e qual seja ela, de acordo com a conceção subjetivista que seguimos. II - Perante declarações contraditórias entre si, pois uma delas exclui necessariamente a outra, tendo o agente declarado com falsidade, é irrelevante que não se apure em que momento a testemunha faltou à verdade, visto que o seu comportamento como declarante no processo deve ser perspectivado na sua globalidade, pelo que essa falta de fidelidade à verdade, traduzida num desvio da declaração em relação à realidade apreendida pelo próprio declarante e descortinada através de uma visão integrada de toda a sua conduta processual, é por si só suficiente para implicar a prática de um ilícito-típico objetivo de falsidade de depoimento. III - Assim, não se impõe a sua absolvição por falta de prova de qual das declarações é falsa, e, subsistindo dúvida sobre o exato momento em que o agente faltou à verdade e essa dúvida tenha relevo penal ou processual penal, v. g. para efeitos de prescrição ou da agravação prevista no n.º 3 do artigo 360.º do Código Penal, tal dúvida não pode deixar de ser valorada a favor do arguido em obediência ao principio in dublo...

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