Acórdão nº 29/16.7EACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução27 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 29/16.7EACTB que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo Local Criminal da Guarda foi proferida decisão instrutória de não pronúncia das arguidas A… e B…, no termo de instrução requerida pela assistente C… [doravante, C…], na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, para pronúncia das identificadas arguidas pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelo art. 195º nº 1 por referência aos arts. 184º, nº 2 e 197º, todos do C. do Direito de Autor e dos Direitos Conexos [doravante, CDADC].

*Inconformada com a decisão, recorreu a assistente C..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: (…)* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, remetendo para a argumentação apresentada no despacho de encerramento do inquérito, aderindo aos fundamentos da decisão instrutória recorrida e concluiu pelo não provimento do recurso.

* A Sociedade Portuguesa de Autores, CRL [doravante, SPA], requereu a sua constituição como assistente, qualidade em que foi admitida a intervir nos autos, por despacho de 8 de Março de 2018.

*Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público e ao entendimento da decisão recorrida, posto que suportado pela jurisprudência fixada no Acórdão nº 15/2013 e, afirmando não estarem preenchidos os elementos típicos do crime de usurpação, concluiu pela improcedência do recurso.

*Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se a arguida A... deve ou não ser pronunciada, como autora material de um crime de usurpação, p. e p. pelo art. 195º do CDADC.

*Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte: “ (…).

Declaro encerrada a instrução.

  1. Relatório: No âmbito dos presentes autos, findo o inquérito instaurado contra a denunciada A..., o Ministério Publico proferiu despacho de arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º n.º 1 do Código de Processo Penal (fls. 139 a 140).

    Inconformada com a decisão proferida, veio a assistente C… requerer a abertura da instrução (fls. 146 a 171), onde pugna pela pronúncia da arguida pela prática do seguinte ilícito criminal: - um crime de usurpação, p. e p. pelos arts. 195.º n.º 1, por referência ao artigo 184.º, n.º 2 e 197.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

    Os actos de instrução: Por despacho de fls.180 a 182 foi declarada aberta a instrução.

    Em instrução procedeu-se à realização do debate instrutório, com observância do devido formalismo legal.

  2. Saneamento: O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.

    Não há nulidades que cumpra conhecer.

  3. Fundamentação: A) Considerações gerais sobre a Instrução: Nos termos do artigo 286º do CPP a instrução visa, designadamente, a comprovação judicial da decisão final do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, mediante a verificação (ou não verificação) de indícios suficientes.

    Os indícios são suficientes, na perspectiva do normativo invocado, quando, em face dos mesmos, seja em termos de prognose, muito provável a futura condenação do arguido ou esta seja mais provável que a sua absolvição (cfr. art.º. 283º, n.º 1 ex vi do art.º 308º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Penal) [Cfr. também José Mouraz Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal – Do Juiz e da Instrução, Coimbra, 2000, pág. 68 v. e ss.].

    Dito de outro modo, por «indícios suficientes» para efeitos da decisão instrutória, deve entender-se a possibilidade razoável de que o arguido tenha praticado os factos que lhe são imputados e de que lhe será aplicada uma pena ou medida de segurança, devendo o juiz, nas palavras de Germano Marques da Silva, (Curso de Processo Penal III, 2000, p.179), pronunciar o arguido apenas e só “quando pelos elementos constantes dos autos forme a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”.

    A decisão instrutória, no sentido da pronúncia, depende, assim, da existência de indícios suficientes, obtidos por via do inquérito e/ou da instrução, que preencham os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. art.º. 308º, n.º. 1 do Cód. Proc. Penal).

    A concretização do que sejam “indícios suficientes” assume fulcral importância nos ulteriores desenvolvimentos e metodologia empregue na apreciação do processado. Assim, referia-se Cavaleiro Ferreira aos indícios, por aproximação às presunções naturais civis, nos seguintes termos: “A prova indiciária é prova indirecta. Os factos probatórios indiciários são os que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos por meio de raciocínio em regras da experiência comum, ou da ciência, ou da técnica” [Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 237].

    A instrução não é, contudo, constituída apenas por prova indiciária. Como refere Germano Marques da Silva [Do Processo Penal..., pág. 347], o indício é um meio de prova e todas as provas são indícios “enquanto são causas, ou consequências morais ou materiais, recordações e sinais do crime”. É neste sentido e segundo este autor que se deve interpretar o disposto no art.º 308º do Cód. Proc. Penal.

    De todo o modo, nesta fase preliminar do processo, não se visar “alcançar a demonstração da realidade dos factos”[ João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, citado por Germano Marques da Silva, op. e loc. cit. 5 Op. e loc. cit.].

    Como conclui ainda Germano Marques da Silva [Op. e loc. cit.]5, “As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento” (sublinhado nosso).

    Assim, de acordo com o art. 308º do CPP se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, haverá decisão de pronúncia pelos respectivos factos, no caso contrário, haverá despacho de não pronúncia.

    O objecto da instrução está delimitado pelos factos constantes do despacho de acusação proferida nos autos ou pelo RAI, sem prejuízo do disposto no artigo 303º do CPP *B) Os factos resultantes do inquérito: No final do inquérito instaurado contra a denunciada A..., o Ministério Publico proferiu despacho de arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º n.º 1 do Código de Processo Penal (fls. 139 a 140).

    *C) Resultado das diligências realizadas na Instrução quanto aos factos imputados: Foi unicamente realizado o debate instrutório.

    *D) Ponderação global dos Indícios, por referência ao crime imputado: A assistente C… pretende ver a arguida pronunciada pela prática de um crime de usurpação de direitos de autor.

    Aqui se transcrevem os seguintes preceitos legais do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos com relevância para a decisão.

    Art.68.º 1 – A exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser.

    2 – Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes: (…) e) A difusão pela fotografia, telefotografia, televisão, radiofonia ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens e a comunicação pública por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, quando essa comunicação for feita por outro organismo que não o de origem; (…).

    Art. 149.º 1 – Depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual da obra, tanto directa como por retransmissão, por qualquer modo obtida.

    2 – Depende igualmente de autorização a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens.

    3 – Entende-se por lugar público todo aquele a que seja oferecido o acesso, implícita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão.

    Art. 155.º É devida igualmente remuneração ao autor pela comunicação pública da obra radiodifundida, por altifalante ou por qualquer outro instrumento análogo transmissor de sinais, de sons ou de imagens.

    Art. 195.º 1 – Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.

    2 – Comete também o crime de usurpação: a) Quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respectivo autor, quer se proponha ou não obter qualquer vantagem económica; b) Quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem autorização do autor; c) Quem, estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, vídeograma ou emissão radiodifundida, exceder os limites da autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos neste Código.

    3 – Será punido com as penas...

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