Acórdão nº 4806/11.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução12 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

C (…), e J (…) instauraram contra C (…) SA acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediram: a) A condenação da ré no reconhecimento de que em 06.05.2011 a importância de € 75.000,00 existente na conta à ordem nº 0035 2044 051506330 e em 09.05.2011 a importância de € 285.000,00 existente na conta a prazo nº 0035 2044 051506920, pertencem ambas exclusivamente aos autores; b) Seja declarado que a procuração exibida por Jorge Pereira à ré é nula; c) A condenação da ré a entregar aos autores a importância total de € 360.000,00 acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde o dia em que J (…) delas se apropriou, até integral reembolso.

Para tanto alegaram, em síntese: São os únicos e universais herdeiros de O (…), falecido no estado de solteiro no dia 06.04.2011.

Este era titular de duas contas bancárias na agência de Leiria da ré C (…), sita no Largo Goa, Damião e Diu, sendo uma conta de depósitos à ordem com o nº (…) e outra uma conta de depósitos a prazo com o nº (…).

No dia 06.05.2011, J (…) levantou a quantia de € 75.000,00 da referida conta de depósitos à ordem e no dia 09.05.2011 levantou a quantia de € 285.000,00 da conta de depósitos a prazo, tendo transferido este último montante para a conta da CGD nº (…) de que nem o falecido nem os autores eram ou foram titulares, mas sim o próprio J (…), facto de que apenas tiveram conhecimento aquando da efectivação do arrolamento constante dos autos apensos.

Os movimentos bancários descritos foram feitos por J (…) munido de uma procuração outorgada pelo falecido que lhe dava poderes para o efeito, sem que a ré tenha tido o cuidado de verificar que, aquando dos levantamento a mesma já caducara, atento o falecimento do outorgante e sem conferir a assinatura constante da procuração com a aposta na ficha bancária.

A ré não teve também o cuidado de verificar a validade da procuração, a qual padece de um vício de forma, uma vez que o termo de autenticação efectuado por advogado não contém o nº de identificação do registo informático, nos termos exigidos pela Portaria 657-B/2006, assim como não teve o cuidado de solicitar a apresentação do original da procuração, bastando-se que com uma pública forma.

Contestou a ré.

Alegou que J (…) é cliente da agência da C (…) da Marinha grande, não tendo causado qualquer estranheza no balcão dessa cidade que tivesse procedido ao levantamento da quantia de € 75.000,00, atenta a actividade de mediação imobiliária e seguradora a que se dedica, e que, dada esta, movimenta regularmente quantias elevadas.

A procuração apresentada por J (…) encontrava-se autenticada e com assinatura reconhecida por advogado, encontrando-se ainda a cópia notarialmente certificada, pelo que agiu com grau de diligência idóneo, confiando na sua autenticidade.

Para a movimentação do depósito a prazo, J (…) apresentou ainda o conhecimento de depósito respectivo.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «julgo a acção procedente e consequentemente condeno a ré a pagar aos autores a quantia de € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.» 3.

    Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegaram os autores pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Improcedência da ação.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr.

    Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p.

    6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

    Efetivamente, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

    Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

    ...

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