Acórdão nº 405/09.1TMCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 9 de Maio de 2009, AA instaurou uma acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB, com que casou em 25 de Setembro de 1966, sem convenção antenupcial. Como fundamento, invocou separação de facto durante mais de um ano (artigos 1781º e 1782º do Código Civil), por se terem separado definitivamente em 10 de Janeiro de 1982, data a partir do qual requereu que fossem fixados “os efeitos do divórcio (patrimoniais e outros) (…), nos termos e condições previstas no nº 2 do artigo 1789º e 1790º do Código Civil”.

A ré contestou, invocando incompetência territorial do tribunal e negando que o pedido tivesse fundamento; mas pediu, em reconvenção, que fosse decretado o divórcio, por “violação dos deveres conjugais, designadamente, dos de fidelidade, cooperação, respeito, assistência e coabitação”, nos termos dos artigos 1672º, 1674º, 1675º, 1676º e 1779º e 1781º, d), do Código Civil.

Requereu ainda que fosse “liminarmente indeferida” a pretensão de fixar os efeitos do divórcio desde a data indicada pelo autor e requereu que lhe fosse provisoriamente atribuída a casa de morada de família, que indicou.

O autor replicou, nomeadamente contestando a reconvenção.

A fls. 191, foi indeferido o pedido de atribuição provisória da casa de morada de família.

A acção e a reconvenção foram julgadas procedentes pela sentença de fls. 2360, que marcou, “nos termos do art. 1789º/2 do CC, porque tal foi requerido, (…) a data em que começou a separação, no ano de 1982/1983”.

A ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Pelo acórdão de fls. 3674, e quanto ao que agora especialmente releva, foi decidido: rejeitar “o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada”; “não pode[r] haver lugar a um juízo sobre a necessidade da renovação da prova”, requerida pela recorrente, por não estarem preenchidos os requisitos para a reapreciação da decisão de facto; confirmar o acórdão recorrido, desatendendo as alegações de inconstitucionalidade “da desconsideração da culpa no divórcio” e de “aplicação do novo regime do divórcio a casamentos anteriormente celebrados”.

A ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

  1. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «I. O Douto Tribunal da Relação, ao rejeitar a reapreciação da matéria de facto, invocando impedimentos formais levados ao extremo, sustenta a manutenção da decisão de primeira instância não no exame da argumentação do Senhor Juiz a quo e análise da matéria discutida em audiência de discussão e julgamento, mas antes numa pura e simples não apreciação.

    1. O que implica naturalmente um diverso enquadramento jurídico, ou seja, a confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão do tribunal a quo, assenta em justificação diferente da que fundamentou a sua prolação pela primeira instância.

    2. De toda a alegação do Recurso interposto, e não obstante não ter havido uma reapreciação da prova, resulta claro que no entender da Recorrente, toda a prova carreada para os autos e dele constante, implicaria necessariamente uma decisão diversa da proferida.

    3. Conforme se argumentou, tratando-se de uma acção em que são discutidas situações de carácter familiar e, portanto, com um cariz muitas vezes pessoal, a prova recai essencialmente no âmbito da prova testemunhal, sendo particularmente relevantes os depoimentos dos familiares mais directos.

    4. Todavia, resulta da douta decisão, que o Senhor Juiz a quo valorizou substancialmente os depoimentos de pessoas estranhas ao casal, em termos de convivência familiar, em detrimento das declarações prestadas pelos filhos da Recorrente e Recorrido, fundamentando a sua opção na emotividade dos mesmos.

    5. Se é verdade que os mesmos depuseram com sentimento, não é menos verdade que o referido estado emocional é mais do que natural e espectável, não sendo por isso passível de censura ou desvalorização.

    6. Tanto mais que tais depoimentos foram corroborados pelos documentos supra referidos juntos pela Recorrente, que comprovam a existência de vida e economia em comum, bem como agressões à Ré pelo marido.

    7. E ainda, os depoimentos das restantes testemunhas arroladas pela BB, nomeadamente vizinhos, antigas colegas de trabalho e pessoas com conhecimento directo dos factos ou que tiveram negócios com o casal (CC), que não foram valorados apesar de credíveis e conformes com os documentos supra referidos.

    8. Foram preteridos face a outros prestados por funcionários do Autor ou pessoas que nunca frequentaram a casa de ... ou que estavam de relações cortadas com a BB.

    9. Facto este não reapreciado pelo Venerando Tribunal da Relação, apesar de estar na sua inteira disponibilidade, sendo certo que se trata de um poder-dever da Relação, que esta deve usar de acordo com a percepção que recolher dos autos (vide António Santos Abrantes Geraldes - Recursos no Novo código Processo Civil, 2a ed. Almedina).

    10. O que equivale a dizer, que a não reapreciação da matéria de facto nos termos do artigo 640° do C.P.C, não preclude, nem vincula ou prejudica a autonomia do Tribunal da Relação em efectuar a referida reapreciação, não colhendo a argumentação aduzida pelo Venerandos Juízes Desembargadores, sob pena, de se esvaziar todo efeito útil da nova consagração no C.P.C com as alterações introduzidas pela Lei 41/2013, do artigo 662°, que prevê a intervenção oficiosa do Douto Tribunal da Relação, sem necessidade ou vinculação da arguição de parte.

    11. Até porque, a rejeição apenas e tão só se refere à prova testemunhal, uma vez que já no que respeita à prova documental, a Recorrente não só cumpriu com o ónus que lhe competia, como também referiu expressamente porque é que a mesma impunha decisão diferente do da douta decisão. XIII. Assim sendo, devia ter sido a prova existente nos autos reapreciada, como também, foi cabalmente demonstrado que particularmente os documentos autênticos e oficiais fazem prova plena em juízo, não podendo ser elididos com prova hierarquicamente inferior, 364°, 371° e 376° do CC.

    12. Pelos documentos juntos aos autos ressalta notoriamente “à vista” que o Recorrido manteve uma economia comum com a Recorrente, pelo menos até à entrada da primeira acção de divórcio, não meramente no sentido do seguimento da administração do património comum, mas antes de forma efectiva em que ambos partilhavam as despesas e lucros emergentes do referido património, impondo-se uma decisão totalmente diversa, quanto a esta matéria, do que ficou a constar na douta decisão.

    13. A verdade é que o Recorrido, manteve uma economia comum com a Recorrente, pelo menos até à entrada da primeira acção de divórcio, não meramente no sentido do seguimento da administração do património comum, mas antes de forma efectiva em que ambos partilhavam as despesas e lucros emergentes do referido património.

    14. Apesar do princípio da livre apreciação da prova, não pode haver dois pesos e duas medidas para a mesma situação. Se quem elogia tem credibilidade, então quem critica, e com algum fundamento, também merece ser credível.

    15. Assim, e atento ao supra exposto, a separação de facto entre o casal nunca poderia ter sido fixada a partir da data de 1982/1983, mas muito posteriormente, cerca de 2005, requerendo-se nos termos do artigo 662° n.º 2 do N C.P.C que seja determinada a renovação de prova conforme a Douta Relação entender por conveniente.

    16. Mais se diga que quanto à não admissão da impugnação da matéria de facto, que o Douto Tribunal da Relação fez uma interpretação limitadora e “strictu sensu" do preceituado no artigo 640º do CP.C XIX. A Recorrente, transcreveu, indicou o nome das testemunhas consideradas, indicou a data de prestação do depoimento, e a referência informática do seu iniciou e final em minutos, não sendo tecnicamente e humanamente possível, indicar o segundo, minuto ou hora em que a testemunha disse determinado facto ou indicou determinado evento, existindo para o efeito a devida transcrição, que serve de apoio para que o Douto Tribunal da Relação possa analisar o depoimento devidamente referenciado e identificado.

    17. O ónus que recai sobre o recorrente e imposto pelo artigo 640º do CP.C. não pode ser entendido como norma “castradora" e de teor restritivo, já que a identificação de todos os pontos concretos de determinado depoimento que se julga indevidamente decididos é uma tarefa impossível e incompatível com os prazos estabelecidos e meios disponíveis, particularmente se atendermos à complexidade do processo e duração de cada depoimento nos presentes autos.

    18. Deste modo, o Douto Tribunal da Relação, não pode sob pena de vedar o segundo grau de recurso e de defesa à Recorrente, onerar “escolasticamente" a interpretação do...

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