Acórdão nº 153874/15.3YIPRT de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução22 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

16 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

V (…) , Lda, apresentou requerimento injuntivo contra E (…) Lda para pagamento da quantia de € 153.251,59.

Apresentada oposição, foi o requerimento transmutado em acção declarativa de condenação.

O fundamento invocado foi o contrato de cessão de créditos, celebrado no dia 14 de Setembro de 2015, entre V (…), Ldª e a requerente, pelo qual aquela lhe cedeu créditos detidos sobre a requerida, por via de serviços que lhe vinha prestando e que consistiram, essencialmente, no fretamento pela requerida à cedente de autocarros de turismo da sua frota, para transporte de passageiros em veículos pesados de clientes da requerida, entre 15/02/2013 e 19/12/2014.

A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos e garantias inerentes ao respectivo crédito e foi comunicada à requerida, por carta datada do dia em que a cessão se efectivou – 14/09/2015; a primitiva credora interpelou por diversas vezes e modos a requerida para proceder ao pagamento das facturas vencidas, no montante global de € 151 893,03, sem qualquer êxito, facturas que descrimina.

A ré deduziu oposição, impugnando a cessão de créditos e excepcionando compensação/ pagamento, sustentando que os valores peticionados se encontram já devidamente regularizados, através de um acordo de compensação celebrado entre a requerida e a V (…), Lda., em Fevereiro de 2013, o que foi devidamente transmitido pela requerida à requerente por carta datada de 13.10.2015 e por esta recebida em 15.10.2015.

A cedente prestou-lhe serviços de transporte no identificado período, mas apenas no pressuposto único e exclusivo do pagamento das quantias que esta cedente devia à requerida, e que ascendiam, à data, a €:197.942,54.

A requerida e a cedente celebraram um acordo de compensação dos valores em dívida pela V (…) Lda. à requerida através da prestação de serviços de transporte por parte daquela a clientes desta; acordo que surgiu como forma de pagamento da dívida que a aludida V (…) Lda. tinha para com a requerida, e que aquela não tinha como regularizar atentos os constrangimentos financeiros que atravessava.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Na parcial procedência da causa, condeno a ré no pagamento à autora da quantia de 4425,00, titulada na factura nº 240003206 datada de 19/12/2014, e vencida em 19/12/2014, e juros de mora vencidos desde a citação, do mais absolvendo a ré, na procedência da excepção de compensação.

    Não se vislumbram sinais de litigância de má fé, não bastando a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.

    Custas por autora e ré na proporção do decaimento e vencimento.» 3.

    Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Improcedência da ação.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr.

    Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p.

    6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

    Efetivamente, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

    Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

    Como corolário deste princípio: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.» Na verdade: «A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa: – manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a), – manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de...

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