Acórdão nº 3755/15.4T8LRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução25 de Setembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

25Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO F (…) e M (…) intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra MJ (…), pedindo a condenação da Ré: 1 - A ressarcir os autores pela responsabilidade contratual dos serviços prestados e não pagos, na quantia liquidada de €63.650,00, sendo €32.350,00 a favor da A. (…) e €28.875,00 a favor do A. (…); 2 - Quando assim se não entenda, tal quantia ser paga aos AA com base no instituto do enriquecimento sem causa; 3 - Em qualquer circunstância, nas quantias acrescidas de juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação, até efetivo e integral pagamento; 4 - E, após sentença condenatória transitada, acrescidas de juros compulsórios, à taxa, legalmente, estabelecida.

Alegando, para tal e em síntese: sendo os autores conhecidos da Ré e do seu falecido marido há largos anos (a autora foi madrinha de casamento da Ré), em outubro de 2009 a Ré o seu falecido marido contrataram os autores para lhes prestarem serviços, cuidados e assistência pessoal, para além do tratamento do gado e da exploração agrícola dos seus prédios; os autores passaram a prestar trabalhos na casa de habitação da Ré, confecionando refeições, fazendo limpezas, realizando trabalhos agrícolas e alimentação de animais domésticos, transportando ainda a Ré e o seu marido às compras, consultas, tratamentos médicos, etc.; para tal apoio chegavam a pernoitar na casa de habitação da Ré e do falecido marido, assistindo-os 24 horas pelos dias da semana; em contrapartida de tais serviços a Ré e o seu falecido marido acordaram, dada a falta de liquidez financeira ou de rendimento, como contrapartida económica, em instituí-los seus únicos sucessores e beneficiários do seu património imobiliário; após o falecimento do seu marido a 11 de abril de 2010, em cumprimento da sua intenção e como compensação, a Ré instituiu a autora mulher como sua única e universal herdeira através de testamento lavrado perante o Notário, em 15 de novembro de 2010; os AA. continuaram a prestar assistência à Ré conforme o acordado durante todos estes anos, até que a Ré a 10 de abril de 2015 vedou a entrada na casa à autora, proibindo os AA. de permanecerem na sua habitação, e de continuar a explorar as suas propriedades ou a tratar dos seus animais domésticos; com esta posição abrupta e injustificada, a Ré demonstra não pretender pagar aos AA. qualquer compensação pelos serviços que lhe foram prestados desde outubro de 2009 a abril de 2015; tais créditos traduzem-se em 28.875,00 € ao autor e em 32,350,00 € à autora (que os autores calculam multiplicando a quantia de 450,00 € por cada mês de 2009, 475,00€ por cada mês de 2010 a 2014, e 505,00 € por cada mês de 2015); a Ré encontra-se favorecida em prejuízo dos autores na justa proporção dos serviços prestados sem qualquer correspondência financeira ou outra contrapartida, não se justificando qualquer outra circunstancia ou relação subjacente que legitime tal vantagem patrimonial.

A ré apresentou articulado de contestação/reconvenção, alegando, para tal e em síntese: a aproximação da A. mulher à Ré e seu falecido marido ocorreu nos anos de 2008/2009, em virtude de os AA. atravessarem uma grave crise financeira e porque precisavam da ajuda da Ré e do marido; os AA. aproximaram-se da Ré e do seu marido para que estes lhes emprestasse dinheiro para resolverem o problema de penhora de bens, e cerca de um ano e meio antes da morte do seu marido, a A. mulher pediu-lhes ainda para lhe darem guarida na sua habitação; apenas após a morte do marido da Ré, a autora lhe pediu se o seu marido também podia ir viver na companhia de ambos, já que haviam doado a casa à filha de ambos a fim de evitar ser objeto de penhora; a partir daí e embora fosse a autora quem confecionava as refeições, foi a Ré que os passou a alimentar, suportando o seu custo e ambos aí passaram a constituir a sua residência; o autor marido apenas após a morte do marido da Ré passou a agricultar os terrenos mas em proveito próprio; a Ré apenas outorgou o testamento a favor da autora mulher, por esta lhe haver prometido apoio na velhice, apoio que de imediato esqueceram, chegando uma vez a empurra-la com tal violência que em consequência da queda fissurou a coluna vertebral; o autor transportava-a porque era a Ré quem cumpria com o pagamento da prestação mensal do veículo que adquiriu, mas com o dinheiro da Ré; a Ré chamou a GNR com receio das ameaças do Réu, tendo os AA. marcado com a advogada o dia e a hora para procederem ao levantamento dos animais bovinos que ainda mantinham no seu terreno.

Conclui pela improcedência da ação, pedindo, em reconvenção, a condenação dos autores a restituírem à Ré as quantias recebidas a titulo de empréstimo e alegadas nos artigos 90, 91º, 92º, 93º, 94º, 95º, 99º e 101º e 103º, da contestação, no total de €28.862,29, ou caso assim não se entenda, com base no enriquecimento sem causa, sempre acrescida dos juros legais contados da notificação até efetivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.

Foi proferido despacho saneador a conhecer de imediato do mérito, julgando totalmente improcedentes os pedidos, considerando não ser necessária a produção de qualquer prova uma vez que os factos alegados pelos autores, ainda que fossem dados por provados não lhes permitiria obter ganho de causa.

Após prolação de Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a revogar o despacho saneador-sentença, ordenando a sua substituição por outro que determinasse o prosseguimento dos autos, foi proferido novo despacho-saneador a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

*Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a: 1. Julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, a) condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de €57.975,00, acrescida de juros civis legais de mora, devidos desde a data da citação da ré, calculados à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/03, de 08-04) e até efetivo e integral pagamento, e de juros compulsórios calculados, à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a presente sentença transitar em julgado; b) Absolver a Ré do demais peticionado; 2. Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada.

*Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: (…)*Os Autores apresentaram contra-alegações, defendendo a rejeição da impugnação da matéria de facto, por inadmissibilidade legal, ou, assim não se entendendo, a improcedência do recurso.

Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto – admissibilidade 2. Se é de alterar o decidido III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida: 1. Em Outubro de 2009, a Ré e seu falecido marido contrataram a A. mulher para lhes prestarem serviços, cuidados e, assistência pessoal, além do tratamento de gado e da exploração agrícola dos seus prédios.

  1. A A. mulher, desde então, passou a prestar trabalhos na casa de habitação da Ré e do falecido marido sita na Rua (…), executando as tarefas de harmonia com as necessidades, interesses e instruções da Ré e do marido.

  2. Assim, a A., designadamente, passou a confecionar, preparar as refeições e, a servi-las, à limpeza e arrumação da casa, levantar e dar medicação, de forma permanente.

  3. Em Maio de 2010, a Ré e seu falecido marido contrataram o A. marido para lhes prestar serviços de tratamento de gado e da exploração agrícola dos seus prédios.

  4. O A. marido passou, desde a data referida no ponto anterior a efetuar o tratamento de animais domésticos, a realizar trabalhos agrícolas nas propriedades, dado a impossibilidade física do falecido marido e, da própria Ré, em desempenhar tais tarefas.

  5. Assim, passou a, designadamente, lavrar, a sachar, semear, a proceder à plantação de hortícolas, leguminosas, tubérculos, bem como à sua rega, à realização de podas, apanha da azeitona, à vindima e, alimentação de animais domésticos, como galinhas, ovelhas destinadas ao consumo.

  6. O A. marido transportava, ainda, a Ré e, o marido no seu veículo automóvel a consultas, a tratamentos médicos, às compras, a repartições públicas, ou seja, onde, necessitavam e lhes determinava.

  7. Os AA para prestar todo o apoio aos RR., chegavam a pernoitar na casa de habitação da Ré e, do falecido marido.

  8. … assistindo-os, 24h e, pelos dias da semana.

  9. Em contrapartida económica, pela prestação de tais serviços (e após o referido no ponto 31, “infra”) a Ré e o seu falecido marido, dada a sua falta de liquidez financeira ou de rendimento, prometeram aos AA, em institui-los seus únicos sucessores e beneficiários do seu património imobiliário.

  10. Os AA. confiaram nesse modo de pagamento.

  11. A Ré, após, o falecimento do seu marido em 11 de Abril de 2010 e, em cumprimento da sua intenção e, em 15 de Novembro de 2010 no Cartório Notarial de … perante a Notaria (…)celebrou testamento, no qual declarou instituir a Autora como sua única e universal herdeira dos seus bens perante três testemunhas.

  12. Os AA, então, continuaram a cuidar, manter e a zelar pela Ré.

  13. … a cuidar dos animais, a agricultar os seus terrenos para a subsistência e alimentação da Ré, 15. … o A. (…) a manter as propriedades agricultadas, com matos roçados, colher hortícolas e, leguminosas, 16. … sempre dentro das instruções conforme o convencionado entre AA e Ré e o seu falecido marido.

  14. O A. marido, devido às dificuldades financeiras que atravessava, e por nada os AA...

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