Acórdão nº 149.01.2GCPBL-A de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução28 de Novembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em discrepância com o decidido no despacho prolatado pela Exma. Juíza do 2º Juízo do tribunal judicial de Pombal que indeferiu a promoção do Ministério Público na qual se requestava a emissão de mandados de detenção contra o arguido A..

    . para cumprimento da pena de prisão de setenta e cinco (75) dias, por haver faltado ao pagamento das três derradeiras prestações da pena de multa que lhe havia sido imposta em substituição da pena de cinco (5) meses prisão, por decisão de 28 de Maio de 2001, recorre o Ministério Público, tendo despedido a proficiente e bem gizada motivação com o sequente quadro conclusivo: “1. A pena de multa de substituição consagrada no artigo 44º do Código Penal não se confunde com a pena de multa principal porque se trata de uma pena diferente que possui um regime próprio e merece, por esse motivo, consideração doutrinal e sistemático autónoma.

    2. Desta sua diferença dogmática resultam consequências práticas e jurídicas relevantes em matéria de incumprimento.

    3. Não cumprida pontualmente a pena de multa substitutiva de forma culposa, deve executar-se imediatamente a pena de prisão fixada na sentença, se o incumprim4!nto daquela é total, ou na proporção da pena cumprida, se o incumprimento é parcial (artigo.44º, n.º 2,1ª parte do Código Penal).

    4. Se o incumprimento da pena substitutiva não for culposo, determina o artigo 44º, nº 2, parte do Código Penal, a execução da pena prisão subsidiária fixada na sentença pode ser suspensa por um período de 1 a 3 anos desde que subordinada ao cumprimento pelo arguido de deveres ou regras de conteúdo não económico ou financeiro (artigo 49º, n.º 3 do Código Penal).

    5. Inexiste, nestes termos, e perante o caso em apreço, qualquer lacuna jurídica susceptível de integração pela aplicação analógica do regime adjectivo da execução de bens e destino de multas e coimas previsto nos artigos 510º a 512º do Código de Processo Penal 6. Pelo que ao proferir uma decisão que dá a pena de multa substitutiva extinta, pelo seu pagamento, com recurso à imputação das quantias pagas a título de custas e demais encargos do processo, às prestações da pena não liquidadas pelo arguido, além de violar o princípio da legalidade estrita, frustra, pela desresponsabilização do arguido, as finalidades imanentes à sua punição (artigo 40º do Código Penal)”.

    Nesta instância, em douto parecer, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto acompanha o pedido formulado no recurso pugnando, igualmente, pela sua procedência.

    As questões suscitadas no recurso encontram enunciação no apartado II da motivação. No entanto, diversamente do que vem afirmado neste ponto e considerando o tema ou objecto do despacho impugnado, que não inclui uma pronúncia cingida à pretensão do arguido de considerar não culposo o incumprimento, pela falta de pagamento das prestações, as questões que se colocam atinam unicamente em indagar da existência ou não de uma lacuna legal que permita a utilização do método analógico do regime adjectivo da execução de bens e destino das multas e coima previsto nos artigos 510º a 512º do Código de Processo Penal – nas formas, limite e cominatório – à execução das penas de multa substitutivas da pena de prisão previstos nos artigos 44º, 47º e 49º, nº 3 do Código Penal. A questão subsidiária colocada pelo arguido no seu requerimento não mereceu apreciação no despacho sob impugnação não sendo, portanto, licito, ao recorrente, alargar o âmbito de cognoscibilidade do recurso para satisfação antecipada da posição do tribunal quanto uma questão que foi posta à consideração do tribunal a quo e ainda não mereceu deste pronúncia. Não tendo a pretensão do requerente obtido pronúncia da parte do tribunal, que aliás, como se alcança do despacho impugnado resolveu a questão considerando cumprida, pelo pagamento, a pena e julgando-a extinta, não pode o recorrente incluir na sus pretensão recursiva um tema, que é tão só uma pretensão e que até ao momento ainda não obteve decisão do órgão jurisdicional. As pretensões enquanto não obtiverem um veredicto jurisdicional não podem ser judicialmente impugnadas. Só os actos decisórios podem, no estrito sentido e alcance em que decidem, podem merecer apreciação de um tribunal de recurso e ser objecto de modificação, alteração ou revogação. Não existindo pronúncia sobre uma pretensão não pode a não existência decisória constituir-se em objecto de recurso. O interesse em agir só se forma e se condensa quando existe um acto decisório que afecta os interesses de um sujeito processual. Não ocorrendo esse direito ou interesse lesado ou afectado pela decisão do órgão jurisdicional não tem o sujeito processual interesse em agir, não lhe sendo legítimo peticionar a apreciação de uma situação que ainda não logrou afectar a sua esfera de interesses.

    Pelo que se deixa dito não merecerá apreciação deste tribunal a questão enunciada, como subsidiária, pela Exma. Magistrada do Ministério Público traduzida em saber se “[…] a falta de pagamento das três ultimas prestações da pena de multa em que foi condenado não lhe é imputável, com vista, no fundo, a beneficiar do regime previsto no artigo 49º, nº 3 do Código de Processo Penal”.

  2. – Fundamentação.

    II.A. – Elementos pertinentes para a decisão.

    I – Despacho de fls. 19 em que é autorizado o pedido formulado pelo arguido do pagamento da multa em que havia sido condenado, em seis (6) prestações mensais, iguais e sucessivas de 15.000$00, cada; II – Despacho de fls. 44, datado de 25.X.2004 em que, sob promoção do Ministério Público, e porque o arguido havia distraído o pagamento das três derradeiras prestações é ordenado o cumprimento de 75 (setenta e cinco) dias de prisão correspondente a metade da pena em que o arguido havia sido condenado; III – requerimento de fls. 62, datado de 12.XII.2006 em que o arguido pede a suspensão da execução da pena de setenta e cinco (75) de prisão para que lhe fosse concedida a possibilidade de pagamento do valor a multa em prestações ou “em alternativa efectuar dias de trabalho a favor da comunidade”; IV – Despacho impugnado constante de fls. 2, datado de 18.01.2007, que se deixa transcrito na íntegra.

    “Veio o Ministério Público na promoção que antecede reiterar a necessidade do cumprimento da decisão proferida a fls. 56 que determinou que o arguido cumprisse 75 dias de prisão.

    Fundamenta tal tornada de posição em razões conexas às finalidades da pena salientando, designadamente o receio de que a punição “perca todo o efeito dissuasor”, se é que já não o perdeu.

    Por outro lado, além das considerações sobre a teleologia das penas, não deixa o Ministério Público de referendar o desfasamento temporal ocorrido entre as notificações do arguido e do respectivo defensor nos presentes autos.

    Se a argumentação tecida a propósito do segmento das finalidades da punição merecerão abstracta concordância, o mesmo já se não dirá relativamente à notificação do arguido; de facto uma decisão com a carga dramática inerente à aplicação de uma pena de privação da liberdade deve, necessariamente, ser levada ao conhecimento do arguido, dada a repercussão susceptível de representar na existência deste – de resto certamente que o Ministério Público, enquanto defensor da legalidade, não deixará de concordar com tal obrigatoriedade de comunicação pessoal ao arguido.

    Por outro lado, em boa hora tal notificação ocorreu uma vez que permitiu que o arguido frisasse que liquidou as primeiras três prestações; ora, constata-se que tal corresponde à verdade e que o arguido, nas mencionadas três prestações pagou um montante global de €484,63 – é certo que a primeira guia liquidada a 10/12/2001 respeita, segundo o que dela consta, a custas e a uma prestação da pena de multa.

    Não obstante, cumprirá sublinhar que o artigo 511º do CPPenal – sob o título dedicado à execução de bens e destino das multas – esclarece que o produto dos bens executados se destina primeiramente aos pagamentos das multas e das coimas.

    Tal disposição deve aplicar-se analogicamente à situação dos presentes autos (cfr. Artigo 4º do CPPenal), dada a evidente omissão de regulamentação para tal hipótese: isto é, quando os pagamentos efectuados pelo arguido são primeiramente imputados às custas e já não à sanção penal, uma vez que tal contraria as sobre ditas finalidades do processo penal que antes de privilegiar o pagamento do montante tributário, salienta a realização da justiça, designadamente com a aplicação da sanção justa.

    Ora, na sequência da orientação defendida é de concluir que o quantitativo liquidado pelo arguido já se mostra suficiente para satisfação da pena de multa em que foi condenado.

    Assim, verificando-se que o arguido procedeu ao pagamento da pena de multa em que havia sido condenado, julga-se tal pena extinta pelo cumprimento”.

    II.B. – De Direito.

    É incontornável que a ordem jurídica contenha lacunas na regulamentação das relações da vida social que se propõe regular e disciplinar juridicamente. A tutela jurídica que se pretende estabelecer para as inabarcáveis situações concretas que a cópia de relações da vida social configuram e modelam não são totalmente absorvidas pela regulamentação normativo-legal que se constitui como módulo...

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