Acórdão nº 33/04.8IDCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução03 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente: A....

Recorrido: Ministério Público.

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em dessintonia com as decisões que, após a realização dos pertinentes actos de instrução, confirmou a decisão de acusar substanciada no despacho de fls. 275 a 278 e se pronunciou negativamente relativamente ao requerimento de fls. 514 a 516, recorre o arguido A..., com os sinais identificadores de fls. 275, tendo despedido a motivação com que alentou o recurso, com o quadro conclusivo que a seguir se deixa transcrito.

    1. Vem o presente recurso interposto da Decido Instrutória e despacho de fls. 531 e 538 dos autos que lhe acrescentou diversos esclarecimentos e que, assim, daquela faz parte integrante, na parte relativa às alterações introduzidas recentemente ao artigo 105º, do RIGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) pela Lei n.º53 – A/2006, de 29.12 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2007).

    2. Com a nova redacção do nº 4, de artigo 105º do RGIT e concretamente na redacção da respectiva alínea b), é agora necessário que o agente omita, depois de ter assumido a conduta típica prescrita no nº do art. 105º, a entrega da prestação tributária, após interpelação da administração fiscal concedendo-lhe um prazo de 30 dias para o fazer.

    3. Como resulta do acima exposto, o regime penal agora previsto para o crime de abuso de confiança fiscal é substancialmente diferente, só havendo punição depois de a administração fiscal notificar o sujeito tributário, concedendo-lhe o prazo d e30 dias para o pagamento do imposto em causa, juros e respectiva coima.

    4. Sem que se proceda a essa notificação, o crime de abuso de confiança fiscal não pode . ser punido, independentemente do valor que estiver em causa.

    5. Trata-se de um regime penal diferente do estabelecido na lei vigente à data dos factos constantes da acusação.

    6. E TAL SÓ SUCEDE DESDE A DATA DA ENTRADA EM VIGOR DESTA LEI DO ORCAMENTO DE ESTADO PARA 2007.

    7. Quer a redacção da alínea a), quer a redacção da alínea b), do mesmo artigo 105.º, do RGIT, consubstanciam COMDICOES OBJECTIVAS DE PUNIBILIDADE e não novos elementos do tipo legal de crime.

    8. Foi o que, recentemente, entendeu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA na primeira decisão sobre esta questão, tirada em 07 de Fevereiro de 2007 e acima citada; 9. Aí se concluiu também pela aplicabilidade de tal condição a caso já pendente – e em tudo idêntico ao caso dos autos no que para aqui interessa – por aplicação directa do princípio da lei mais favorável ínsito no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal.

    10. Á nova redacção do artigo 105.º do RGIT tomou o regime actualmente em vigor concretamente mais favorável ao arguido recorrente; 11. O Tribunal recorrido assim não entendeu; Embora considere que estamos perante uma condição de punibilidade e que daí decorre a aplicação do princípio da lei mais favorável, o tribunal «a quo» considerou que aquela alínea b) não pode aplicar-se ao caso dos autos; 12. Isso porque, diz o tribunal, «já antes de 2007 a Administração Fiscal notificara os sujeitos passivos para regularizarem a situação., o que estes não fizeram; Porque «… tendo a Cerdomus procedido ao pagamento da totalidade dos tributos e respectivos acréscimos, não vemos como se possa notificar o sujeito passivo para pagamento;» E ainda porque «…, não vemos que caiba ao Tribunal, depois de o processo estar em juízo, substituir-se à Administração Fiscal e notificar para pagamento do imposto ou para promoção dessa notificação.» 13. Esqueceu o Tribunal recorrido que: A presente alínea b), do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT não existia quando, antes de 2007, a Cerdomus foi notificada; Por isso, qualquer notificação que à Cerdomus ou, porventura, ao arguido tenha sido efectuada. Não pretendeu dar aplicação à dita alínea b). OBVIAMENTE.

    Qualquer notificação que possa ter sido efectuada na pessoa da Cerdomus ou do arguido, nunca pode ter tido por objectivo o disposto na mencionada alínea b); PORQUE ESSA ALÍNEA B), PURA E SIMPLESMENTE, NÃO EXISTIA….!!!! 14. Mais: se o Tribunal recorrido sabia que à data da entrada em vigor daquela citada alínea b) a Cerdomus já tudo tinha pago, então obviamente que, como muito bem afirma, não tinha que se notificar aquele sujeito passivo para proceder ao pagamento, por, dizemos nós, inutilidade superveniente; mas, obviamente também, deveria considerar-se satisfeito o pagamento no prazo previsto na alínea b) em causa; porque esse pagamento foi efectuado AINDA ANTES DE ESSE PRAZO COMEÇAR A CORRER… 15. Não pode ser de outra forma.

    Sob pena de o contribuinte, que já procedeu ao cumprimento da sua obrigação – antes até de notificado para o efeito –, vir a ser prejudicado por esse mesmo facto. O que não pode ter sido a pretensão do legislador.

    16, Finalmente, ainda que houvesse que notificar a Cerdomus ou o ora recorrente para os fins daquela alínea b), do artigo 105.º, não vemos que tal notificação não pudesse ser levada a cabo pelo próprio tribunal porque aquela alínea b) não o proíbe, nem tão pouco determina a entidade que deverá proceder àquela notificação, e porque não se vislumbram os motivos que poderão obstar a que tal notificação possa ser efectuada pelo próprio tribunal.

    17. Assim sendo, verificando-se a alteração do artigo 105.º, do RGIT, encontrando-se pagos o imposto e acréscimos legais, não se verifica a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b) daquele normativo legal.

    18. Em consequência, deveria o processo ter sido mandado arquivar, uma vez que o arguido recorrente, se sujeito a julgamento, deverá ser obrigatoriamente absolvido.

    19. A interpretação que o Tribunal recorrido fez da dita alínea b), do n.º 4, do artigo 105.º, do RGIT, e do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal – NO SENTIDO DE QUE A NOTIFICAÇÃO EFECTUADA A SOCIEDADE ARGUIDA ANTES DE 2007 SERVE JÁ OS PROPÓSITOS DAQUELA ALÍNEA B), NÃO DEVENDO POR ISSO REPETIR-SE AGORA A NOTIFICAÇÃO; E NO SENTIDO DE QUE A MESMA SOCIEDADE NÃO DEVE SER NOTIFICADA PARA OS FINS DAQUELA ALÍNEA B) PORQUE O PAGAMENTO JÁ SE MOSTRA EFECTUADO; E NO SENTIDO DE QUE, NÃO PODENDO EFECTUAR-SE AQUELA NOTIFICAÇÃO, O PROCESSO DEVE CONTINUAR, CONSIDERANDO-SE VERIFICADA A CONDIÇÃO DE PUNIBILIDADE; E NO SENTIDO DE QUE, NÃO TENDO SIDO PAGOS O IMPOSTO E DEMAIS ACRÉSCIMOS ANTES DE 2007, APESAR DA NOTIFICAÇÃO ENTÃO EFECTUADA, DEVE TAMBÉM CONSIDERAR-SE VERIFICADA A DITA CONDIÇÃO DE PUNIBILIDADE DAQUELA ALÍNEA B) – viola claramente o disposto no artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa, porque não permite a aplicação da lei que concretamente se mostre mais favorável ao arguido.

    20. Daí a INCONSTITUCIONALIDADE respectiva que aqui expressamente se invoca.

    Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deverá ser dado cumprimento ao disposto na al.b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, com a argumentação que na parte interessante se deixa transcrita.

    “O recurso vem interposto pelo arguido – A... da decisão instrutória de fls. 580 e segs, e respeitante ao segmento que conhecendo da questão incidental relativa às alterações introduzidas ao n.º 4 do art. 105.º do RGIT pela lei 53-A/2006 (Lei do Orçamento) decidiu pela sua não aplicabilidade ao caso dado que “ a situação fiscal da Cerdomus, no que se reporta ao IVA em causa neste acesso, já foi regularizada, mas apenas em 18 de Outubro de 2004, conforme resulta de fIs.102. Passaram-se quer os 90 dias previstos agora na alínea a), quer o prazo de 30 dias (ainda que se entenda que se trata de um prazo acrescido) previsto, a alínea b) do nº 4 do art. 105º. “ Muito embora a decisão instrutória tenha pronunciado o ora recorrente pelos factos constantes da acusação do Ministério Público e daí ser irrecorrível (art. 310.º, 1, do Código de Processo Penal, quer-nos parecer, todavia, que, por se tratar de uma questão incidental suscitada no decurso da instrução e cuja solução poderá influir no desfecho do processo, admite recurso – cfr., tb. Assento 6/2000, de 19.1.2000, in, DR, 1-S-A de 7.3.2000.

    E, sendo assim, à semelhança de anteriores posições assumidas noutros recursos, afigura-se-nos, que será de se suscitar a seguinte questão: Confrontando a anterior redacção do nº 4 do citado art. 105.º, com aquela que está m vigor, por força das alterações introduzidas pela lei 53-A2006, verifica-se que o legislador, para além de ter mantido a anterior condição objectiva de punibilidade (os actos só são puníveis uma vez decorridos mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação tributária), acrescentou uma outra, cumulativa com aquela, consistente no não pagamento, no prazo de 30 dias, após notificação para efeito, da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável.

    Ou seja, face à lei nova. Só após o decurso de mais de 90 dias sobre o termo do azo legal de entrega da prestação tributária e, ainda, do não pagamento, no prazo 30 dias, após notificação para o efeito, da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável é que estão verificados os pressupostos indispensáveis para e a punição possa os pressupostos indispensáveis para que a punição possa desencadear-se.

    Entendemos, pois, que a nova lei é mais favorável devendo por isso ser retroactivamente aplicada (art. 2.º, 4, do Código Penal).

    Daí que, o nosso parecer, seja no sentido de que a Relação não deve conhecer do presente recurso sem que antes seja concedida ao recorrente a possibilidade de fazer cessar o procedimento nos termos da nova lei devendo, para o efeito, ser notificado nos termos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/06, ou seja, e porque as prestações do IVA mostram-se liquidadas, para pagar a coima devida e respectivos juros, devendo os autos baixar à 1.ª instância para o efeito. Cfr., ACSTJ...

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