Acórdão nº 13/07.1GACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Abril de 2010

Data28 Abril 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I. Relatório: 1.

No 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido J...

, casado, engenheiro, morador em Castelo Branco, pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal.

* 2.

Por sentença de 12 de Novembro de 2009, o tribunal julgou procedente, por provada, a pronúncia e, em consequência, condenou o arguido J..., pela prática do imputado crime de violência doméstica, na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, que declarou suspensa na sua execução por igual período.

* 3.

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – O arguido crê que os pontos 6 a 9 da douta sentença foram incorrectamente julgados, devendo ter sido dados como não provados.

  1. – O ponto n.º 6 da matéria de facto, salvo melhor e mais sábia opinião, não poderia ter sido dado como provado.

  2. – Com efeito, deparamo-nos com duas versões contraditórias, a do Arguido e a da testemunha, relativas a um facto que mais ninguém presenciou.

  3. – A referida testemunha não dirige a palavra ao Arguido, comportamento que já assumia à data dos factos; à data dos factos descritos na acusação era cronologicamente impossível que o Arguido tivesse proferido tais expressões; a testemunha está numa relação de grande proximidade com a Assistente, “colando” o seu discurso ao desta; a Assistente desabafa com a testemunha, o que, numa situação de tensão como a de um divórcio, numa oportunidade perfeita como a partilha de um quarto com a Assistente e pela testemunha, tendo esta 12, 13, 14 anos, quando esta não convive com o Arguido, conduz a um inevitável condicionamento do depoimento.

  4. – O Arguido nega, terminantemente, ter proferido tais expressões.

  5. – Do exposto decorre que o ponto 6 da matéria de facto não poderia ter sido dado como provado, uma vez que contende com a prova produzida em audiência quando analisada à luz das regras da experiência e do princípio in dubio pro reo.

  6. – Relativamente ao ponto n.º 7, crê-se que tal facto não deveria ter sido dado como provado.

  7. – A ameaça que decorre daquele ponto não se compagina, de acordo com as regras da experiência, com o pagamento atempado, pelo Arguido, das despesas correntes, designadamente da prestação da casa, da pensão de alimentos e com a apresentação também pelo Arguido, de propostas de partilha que envolviam pagamento de verbas à Assistente.

  8. – Motivos pelos quais se deve considerar não provado o artigo n.º 7 ou, em alternativa, dá-lo como provado com a seguinte redacção: “O Arguido disse à Assistente que, a partir do momento em que se realizassem as partilhas, esta podia ir para onde quisesse, até para baixo da ponte, tendo também dito que a menor D... iria com quem escolhesse”.

  9. – Relativamente ao ponto n.º 8, por questões de método, dividiu-se a sua análise em dois, uma vez que este contém dois factos distintos, apesar de alegadamente terem ocorrido nas mesmas circunstâncias espácio-temporais.

  10. – Relativamente ao facto do Arguido ter apelidado a Assistente de “mula” e “vaca”, crê-se que a douta sentença se encontra viciada de nulidade, nos termos conjugados dos artigos 379.º/1 a) e 274.º/2 do CPP, que se deixa expressamente arguida, para os termos e efeitos dos artigos 379.º/2 e 414.º/4 do CPP, uma vez que omite os motivos de facto nos quais se baseou para dar como provada a utilização de tais expressões pelo Arguido, no concreto contexto espácio-temporal referido.

  11. – Compulsadas as declarações da Assistente, do Arguido e da testemunha D..., verifica-se que apenas aquela alude a tais expressões, sendo que o Arguido nega tê-las proferido, além de que a testemunha D..., que terá presenciado a discussão e que, em ponto algum do seu depoimento, refere as expressões referidas pela Assistente; 13.ª – Salvo melhor opinião, avulta neste ponto, e pelo menos, uma dúvida razoável de que tais expressões tenham sido proferidas pelo Arguido, assim, in dubio pro reo, deve a referida parte do ponto n.º 8 ser dada como não provada.

  12. – O apertar de pescoço, referido no ponto n.º 8 deverá ser dado como não provado pois a única prova em que a douta sentença efectivamente se pode escorar é, novamente, nos depoimentos da Assistente e da testemunha D..., sendo que, quer o depoimento da testemunha Susana, quer os esclarecimentos do perito do INML são perfeitamente compagináveis com a versão do Arguido.

  13. – A tese do Arguido é a seguinte: 1. Havendo litígios relativamente ao pagamento das contas de água, luz e gás, que aliás constam da douta acusação, despesas que a Assistente vinha suportando, ao passo que o Arguido suportava a prestação da casa, aquela decidiu que este, por não pagar, não podia usar; 2. No tempo e lugar descritos na acusação, o Arguido deparou-se sem lâmpadas na casa de banho; 3. Por saber onde as havia, colocou-as; 4. Tal enfureceu a Assistente, que partiu o acrílico que envolvia as lâmpadas; 5. confrontado com tal atitude, o Arguido, com medo de ser agredido com o acrílico, fez a força necessária para a colocar fora da casa de banho.

  14. – A versão do Arguido é coerente e sustentada, desde logo, quer pela testemunha Susana, que apenas refere umas marcas de vermelhidão no pescoço, quer pelo relatório do INML, que não identificou quaisquer marcas no pescoço.

  15. – Tais depoimentos são inadequados a firmar a tese da Assistente, uma vez que são perfeitamente compagináveis com a versão do Arguido, que admite o empurrão, com a força necessária e suficiente para impedir aquilo que, então, temeu ser uma tentativa de agressão, isto é, os depoimentos da testemunha A...e do perito do INML nada adiantam de decisivo para saber qual das teses é verídica.

  16. – O Arguido, como refere, por exemplo, a testemunha B..., não é pessoa violenta, nunca tendo praticado, em 14 anos de casamento, qualquer acto do género daquele pelo qual foi condenado, como de resto confirma a própria Assistente.

  17. – Relativamente ao depoimento de D..., o Arguido vem sustentando que a mesma é vítima do denominado síndrome de alienação parental (adiante SAP).

  18. – O SAP não é desprovido de graus, isto é, tem escalas de gravidade, sendo nuns casos mais evidente e noutros menos, não podendo é ser liminarmente afastado por não se verificarem alguns dos seus elementos mais evidentes (cfr. “The Long-Term Effects of Parental Alienation on Adult Children: A Qualitative Reserch Study”, Amy J. L. Baker, The American Journal of Family Therapy, 33:289-302).

  19. – Noutro dos estudos referidos na douta sentença, elencam-se comportamentos típicos do alienante que permite, trazidos ao caso em apreço, se não afirmar a tese de SAP sofrido pela D..., pelo menos acrescentar sérias reservas ao seu depoimento (cfr.

    “Behaviours and Strategies Employed in Parental Alienation: A Survey of Parental Experiences”, Any J. L. Baker & Douglas Darnall, Journal of Divorce & Remarriage, Vol. 45 /1/2).

  20. – Designadamente, 1. a testemunha D..., com a aprovação da Assistente, exime-se a tomar as refeições com o Arguido; 2. a testemunha, ao contrário do sustentado pela douta sentença, nutre uma visão negativa do pai, não logrando, sequer, enumerar situações em que a Assistente tenha iniciado discussões ou falado de forma agressiva; 3. a Assistente tem conversas, em privado, com a menor, nas quais “desabafa” sobre o Arguido; 4. o Arguido acusa a Assistente de ser a responsável pelo paulatino afastamento desta das idas com o pai a Orjais, ao fim-de-semana.

  21. – O relato que a D... faz do referido aperto de pescoço nem, sequer, é cronologicamente compatível com a data constante da acusação. Este dado contribui para que a objectividade do seu depoimento sofra, salvo melhor opinião, sérios reveses, pois enquanto a acusação coloca tal episódio em Outubro de 2007, a testemunha coloca-o em Janeiro de 2007.

  22. – Uma vez que a D...: 1. Nem localiza o evento temporalmente, associando-o à ida da Assistente para o seu quarto, que tinha ocorrido 10 meses antes do facto descrito na douta acusação; 2. É uma testemunha com um depoimento comprometido com a Assistente, por tudo o que disse, urge fazer intervir, relativamente a este ponto n.º 8, o princípio da presunção de inocência, uma vez que o Arguido apresentou uma versão credível e sustentada, apenas desmentida por duas pessoas que lhe são hoje, malogradamente, hostis.

  23. – Dando-se, assim, como integralmente não provado o ponto n.º 8 da matéria de facto, uma vez que, como referiu o Arguido, este apenas se limitou a afastar um perigo que entendeu iminente.

  24. – Pelo facto do ponto n.º 9 contender directamente com o elemento subjectivo do tipo, dá-se por reproduzido o que supra se referiu relativamente aos pontos 6 a 8, uma vez que o Arguido nunca quis, de forma deliberada, livre e conscientemente, maltratar a Assistente, o que, de facto, não fez.

  25. – Por tudo o referido, devem dar-se por não provados os pontos n.ºs 6, 7, 8 e, consequentemente, o ponto 9 da douta sentença, absolvendo-se, em resultado disso, o Arguido do crime pelo qual veio condenado.

    * 4.

    Apenas o Ministério Público, e não também a Assistente M…, apresentou resposta ao recurso, se tendo limitado a pugnar pela sua improcedência.

    * 5.

    Neste Tribunal da Relação, em parecer a fls. 243/245, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto defendeu, de igual modo, o não provimento do recurso.

    Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.

    * 6.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

    *** II. Fundamentação: 1.

    Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das...

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