Acórdão nº 1001/08.6TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução23 de Junho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 1001/08.6TAVIS.C1 do 1º Juízo Criminal de Viseu, o arguido D...

, devidamente identificado nos autos, foi condenado como autor material do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a) do C.Penal, ex vi do artigo 166º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 15 (ou seja, na multa total de € 1200), fixando-se a prisão subsidiária em 53 dias.

2.

Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1ª- O arguido apresentou defesa escrita sem que estivesse devidamente notificado da respectiva “Decisão”, o que apenas veio a ocorrer em Março de 2009, tendo sido aquela elaborada por pessoas sem conhecimentos técnico-juridicos para o efeito; 2ª- Pese embora o Tribunal se tivesse enganado na admissão do recurso da respectiva impugnação judicial, dado que posteriormente acabou por considerar a sua apresentação extemporânea, ao arguido, ora recorrente, já lhe seria imposto que tivesse compreendido o conteúdo e sentido das notificações que recebia, com especial referência a de 30/11/2007 referida no ponto 1° do n° 1 da II - Fundamentação), o que não se aceita; 3ª- Apesar de algumas visitas/contactos entre agentes da P.S.P. e o arguido, este nunca foi devidamente esclarecido do conteúdo da decisão que originou a instauração dos presentes autos, nem a este foi exigida a entrega da sua carta de condução, o que se verificou ainda em 02/12/2008; 4ª- O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão em condenar o arguido com base na tese sustentada pela acusação, designadamente, a mera assinatura do AR. respeitante a aludida notificação de 30/11/2007 (referida no ponto 10 do n° 1 da II- Fundamentação ) seria suficiente para se poder concluir que o arguido praticou o crime de que foi acusado desobediência ), o que também não se aceita; 5ª- Na audiência de discussão e julgamento não foi feita qualquer prova no sentido de que o arguido tivesse entendido o conteúdo da decisão que lhe foi notificada em 30/11/2007, ou que sabia que deveria ter entregue a sua carta de condução em determinado sítio, aliás, a acusação sequer apresentou qualquer testemunha; 6ª- Nesse sentido decidiu o Acórdão da Relação de Guimarães (Ano XXXIV. Tomo 1 - 2009- Jan/Fev, pág. 307); 7ª- Quanto ao aludido “sítio” onde a carta de condução deveria ter sido entregue, o Tribunal a quo admite e reconhece, afinal, que pelo menos a partir de determinada altura seria antes a A.N.S.R. a entidade competente para o efeito; 8ª- Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, também não resulta, com razoável grau de certeza, que o arguido praticou o crime de desobediência, em absoluta violação do princípio “in dubio pro reo”; 9ª- Em 16/10/2006, a D.G.V solicitou à P.S.P. a apreensão da carta de condução do arguido, o que não foi cumprido e, apesar da informação/conhecimento interno, em 07/1112006 recebeu a mesma para actualização de morada e procedeu à sua devolução àquele sem qualquer tipo de reserva; 10ª- A DGV, à data, actuou, assim, de forma negligente, cujas respectivas e eventuais consequências não podem ser agora impostas ao ora recorrente; 11ª- Salvo sempre o devido respeito e melhor entendimento, a prática do crime de desobediência por parte do arguido apenas poderia ser aventada na hipótese deste ter recusado a entrega da sua carta de condução quando, em 07/03/2009, foi pessoalmente interpelado para o efeito pela P.S.P., o que não sucedeu; 12ª- Mesmo considerando tal hipótese, há que fazer referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/11/2009, Proc. n° 260/08.9TA.AND.C1 (visualizável em www.dgsi.pt), que contraria a sentença de fls. em crise; 13ª- O recorrente, para além de ser primário, é uma pessoa séria, empresário honesto, com inúmeros encargos sobre si, nunca tendo faltado aos pagamentos que lhe foram impostos por vias dos presentes autos, nem nunca faltou a qualquer convocatória e a audiência de discussão e julgamento, nem nunca quis ter cometido qualquer crime; 14ª- Mesmo que o recorrente tivesse praticado o crime de que foi acusado, o que só por mera hipótese se admite, o valor da multa a que o mesmo foi condenado, salvo sempre o devido respeito, é, manifestamente, exagerado e desajustado, quer atendendo aos factos apurados nos autos, quer atendendo a condição económica do arguido e a situação económica do pais.

  1. - O Tribunal a quo, salvo sempre o devido respeito, não avaliou correctamente a prova produzida em audiência de julgamento, documental, inclusive, e, em consequência, não poderia ter decidido pela condenação do ora arguido, mas antes pela sua absolvição.

  2. - A Sentença de fls. violou, entre outras, o disposto nos art°s 69° e 348° do C.P. e art°s 127°, 374° e 410°, n° 2, alínea c) e 500º, todos do C.P.P; 17ª- Deve, pois, dando-se provimento ao presente recurso, ser revogada a sentença de fls., absolvendo-se o recorrente, com as demais consequências legais».

3.

O Ministério Público de 1ª instância respondeu a tal recurso, defendendo a sentença recorrida na sua totalidade.

4.

Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.

Explana assim a sua posição, discordante com a do Colega de 1ª instância: «(…) No caso vertente, o preceito que regula a execução da pena acessória de proibição de conduzir não sanciona com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução.

(…) Não existe qualquer cominação legal da punição da não entrega como crime de desobediência.

(…) Ora, no caso vertente, não houve lugar à apreensão do titulo de condução, tendo existido apenas uma decisão judicial que rejeitou o recurso interposto pelo arguido, da decisão de impugnação, por o considerar extemporâneo, mantendo-se como tal a decisão da autoridade administrativa de que o arguido deveria entregar a licença de condução por lhe ter sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 60 dias, e que tal decisão se tornou definitiva.

E na alínea b) do n.° 1 do dito artigo 348° do CP? Aí existe uma cominação feita por uma autoridade? Também cremos que não.

Cristina Líbano Monteiro in “Comentário Conimbricense do Código Pena!”, Tomo III, pág. 354 diz que: «[(...) a ai. b) existe tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (1.

é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente. Só então será justificável que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução, como já foi dito, incorrecta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal]».

Para a execução da pena acessória de proibição de conduzir, o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução — entrega que decorre dos termos da lei e não pressupõe qualquer ordem específica para esse efeito— tem como consequência a determinação da sua apreensão.

(…) Estando, portanto, na disponibilidade do arguido a entrega voluntária da carta, não podia o Sr. Juiz substituir-se ao legislador, fazendo a referida cominação, tendo como consequência que a com inação feita carece de suporte legal.

Ora, no caso concreto, a sanção para a não entrega da carta de condução é a apreensão da carta em causa (artigo 500°, n.° 3 do CPP), não havendo outra sanção para o incumprimento dessa obrigação, não sendo legítimo ao aplicador da lei substituir-se ao legislador e anunciar uma nova cominação.

Nesta situação, na hipótese de o arguido não entregar a carta no período estipulado e no uso do art° 500°, n° 3 do C. P. P., o tribunal poderia ordenar a apreensão da licença de condução, cumprindo-se, assim, a pena acessória de proibição de condução e foi o que sucedeu no caso vertente. Ao arguido foi apreendida a carta de condução no dia 07/03/2009 para cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir, tendo-a levantado em 07/05/2009, conforme consta dos factos provados em 9 da decisão sub judice.

Além disso, a entrega da carta tem a “mera função de permitir um melhor controlo da execução da pena de proibição de conduzir”.

Em suma, não se pode, sob pena de violação dos princípios da legalidade e proporcionalidade, pretender consagrar como desobediência um eventual comportamento posterior omissivo da entrega da carta de condução, solução que contraria manifestamente o sentido da norma, ainda mais quando o próprio não acatamento da proibição de que a mesma é mero meio de controlo, é, de per si, haja ou não entrega do título, penalmente sancionado.

Assim, temos de concluir que, no caso vertente, os factos dados como provados, não constituem o ilícito criminal de desobediência a que se refere o art° 348° n°1 a) ou b) do C. P., pelo que deverá revogar-se a decisão proferida, absolvendo o arguido.

Pelo que, em nosso entender, o recurso merece provimento» 5.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

II – Fundamentação 1.

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem no seguinte: 1º- Está perfectibilizado o crime de desobediência...

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