Acórdão nº 24/09.2TAVGS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução06 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Por despacho de 22 de Março de 2010, proferido pela Ex.ma Juíza da Comarca do Baixo Vouga - Vagos - Juízo de Média Instância Criminal, foi decidido rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público de fls. 32 e 34, contra a arguida C.

, pela prática de um crime de desobediência. p. e p. pelo art.348.º, n.º1, al. b), do Código Penal, por manifestamente infundada, nos termos do disposto no art. 311.º, n.ºs 2, al. a), e 3, al. d) do Código de Processo Penal.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1) O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida C imputando-lhe a prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º l, alínea b), do Código Penal.

2) Por douto despacho de fls. 4l a 46, a Mma. Juiz a quo rejeitou a acusação pública deduzida pelo Ministério Público por manifestamente infundada.

3) Decorre dos elementos carreados para os presentes autos que na sentença proferida nos autos de Processo Especial Abreviado n.º …/08.5GTAVR, foi cominado com o crime de desobediência a falta da entrega da carta de condução pela arguida, no prazo de dez dias após o trânsito, trânsito esse que ocorreu.

4) Com o trânsito em julgado da sentença dos autos de Processo Especial Abreviado n.º …|08.5GTAVR, consolidaram-se na Ordem Jurídica todos os efeitos penais dali decorrentes, nos termos do artigo 467.º,n.º 1, do Código de Processo penal.

5) Não devia o Tribunal considerar não ser legítima nem emanar de autoridade competente aquela cominação com a prática de um crime de desobediência, nos termos do art. 348.º, n.º 1, alínea b), do código penal, pela falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.

6) Não será de efectuar uma interpretação minimalista do artigo 348.º, n.º l, alínea b) do Código Penal, pois, caso contrário, estar-se-ia a esvaziar a norma nos casos em que a advertência e feita, como o foi na sentença condenatória proferida no processo Especial Abreviado n." 326108.5GTAVR, a fim de garantir o cumprimento da pena acessória por parte da arguida e, nessa medida, proteger a autonomia intencional do Estado de Direito.

7) O crime de desobediência consumou-se com a omissão do acto determinado, consubstanciada, in casu, com a falta de entrega da carta de condução pela arguida no prazo de dez dias após o trânsito.

8) Se se entender que não é legítimo ao Tribunal cominar a falta de entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência, e se a arguida recusasse a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não haveria quaisquer consequências para o incumprimento.

9) Com efeito, se o Tribunal não puder, desde logo, no acórdão condenatório, cominar com a prática de crime a falta de entrega da carta de condução, também a autoridade policial, num segundo momento que viesse a ocorrer e na sequência do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não poderia cominar com tal crime a eventual e reiterada falta de entrega daquele documento por parte da arguida perante as autoridades policiais.

10) A conduta da arguida de não entrega voluntaria da carta e não se logrando proceder à apreensão daquele documento nos termos do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cominaria na ausência de quaisquer consequências para a recusa da arguida em cumprir a pena acessória a que está obrigada.

11) A eventual recusa de a arguida cumprir com a pena acessória, traduzida na falta da entrega da carta de condução, parece-nos ser merecedora de suficiente dignidade a valorar em termos penais, pois, a assim não ser, equivaleria a admitir-se a possibilidade de deixar à consideração da arguida a decisão de cumprir ou não com tal pena acessória, ou de cumpri-la apenas quando entendesse.

12) A cominação com o crime de desobediência obsta à pretensão da arguida que pretenda subtrair-se ao cumprimento da pena acessória em que foi condenada por acórdão e reforça a confiança da comunidade na validade da norma penal violada.

13) Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido por violar o disposto nos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e 311.º, n.º 1, 2, alínea a) e 3, alínea d), do Código de Processo Penal, e ordenando-se a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação e designação de data para a audiência.

Pelo que, dando provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro a determinar o recebimento da acusação pública proferida e designação de data para a audiência, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça! A arguida C respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela manutenção do douto despacho recorrido.

O Ex.mo Procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser revogado o despacho recorrido e ser proferido novo despacho que receba a acusação, não pela prática de um crime de desobediência, mas pela prática de um crime de violação de imposições, p. e p. pelo art.353.º do C.P.P., havendo que cumprir, oportunamente, o disposto no art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P..

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: « I. Pelo presente processo, entende o Ministério Público estar suficientemente indiciada a prática, pela arguida C, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, atenta a seguinte factualidade: “A arguida foi julgada no Processo Abreviado n.º …/08.5GTAVR, do Tribunal Judicial de Vagos, tendo sido condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária € 6 (seis euros), perfazendo o total de € 270 (duzentos e setenta euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículo a motor pelo período de 3 (três) meses, constando da douta sentença que a mesma terá de proceder à entrega da sua licença de condução na Secretaria do Tribunal Judicial de Vagos ou em qualquer outro posto policial da sua área de residência no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença, sob a pena de incorrer na prática do crime de desobediência.

Encontrando-se a arguida presente na diligência de leitura de sentença, foi aquela devidamente notificada que tinha de proceder à entrega da sua carta de condução nos termos ordenados na sentença, tendo a sentença sido lida na sua presença.

Apesar da advertência que lhe foi efectuada e de a arguida saber que tinha de acatar a ordem imposta pelo Tribunal e que se não o fizesse incorria na prática do crime de desobediência, a arguida não entregou a sua carta de condução no Tribunal nem em qualquer posto policial, dentro ou fora do prazo que lhe foi indicado, de dez dias após o trânsito em julgado da sentença, tendo a sua carta de condução apreendida em 30/01/2009 pelos elementos do Posto Territorial de Vagos da Guarda Nacional Republicana por ordem do Tribunal Judicial de Vagos.

A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que estava a desrespeitar uma ordem legítima, emanada da autoridade competente e que lhe havia sido regularmente comunicada juntamente com a cominação para o seu incumprimento, encontrando-se ciente que estava obrigada a proceder à entrega da aludida carta e que se não o fizesse incorria na prática de um crime de desobediência.

Acresce que a arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei e punida criminalmente.

”.

  1. Pois bem, atentemos na factualidade indiciada e nos elementos do tipo legal de crime imputado à arguida.

Preceitua o art. 348.º, n.º 1 do Código Penal que “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.

Maia Gonçalves anota acerca deste normativo o seguinte: “Trata-se de um artigo controverso. Não é possível a sua eliminação, porque serve múltiplas incriminações extravagantes e por isso poderia desarmar a Administração Pública. Mas seria certamente excessivo proteger desta forma toda e qualquer ordem da autoridade, incriminando aqui tudo o que possa ser considerado não obediência”.

A amplitude deste crime voltou a ser ponderada pela CRCP, na 35.ª sessão. Para boa compreensão da amplitude actual da previsão aqui estabelecida, destacamos as seguintes passagens da discussão na CRCP “(...) Para o Senhor Conselheiro Sousa e Brito torna-se no entanto necessário...

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