Acórdão nº 359/09.4GBOBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I. Relatório No âmbito do processo de inquérito nº 359/09.4GBOBR a correr termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca do Baixo Vouga sediados em Oliveira do Bairro, o Ministério Público requereu ao Juiz de Instrução o seguinte (transcrição): Iniciou-se o presente inquérito com a denúncia de fls. 3, cujo conteúdo ora se dá por integralmente reproduzido, efectuada por J…, na qualidade de gerente da empresa "XX...... - Artigos de Utilidade Doméstica, Lda". De tal denúncia resulta, em suma, que o arguido V… se apoderou de uni veículo de matrícula …, da marca Citroen, modelo C2, de cor preta; de um telemóvel da marca Nokia, modelo 1209; de uma mala de demonstração com purificador de água; de uma mala de testes, nomeadamente de reagentes e de aparelhos de electrólise, objectos esses que pertenciam à denunciante "XX...... - Artigos de Utilidade Doméstica, Lda." e que haviam sido entregues ao arguido para efeitos de poder exercer as funções de vendedor daquela empresa. No que concerne, porém, ao veículo, o mesmo pertence à empresa "F…", mas estava em poder daquela empresa, sendo certo que o valor daquele veículo - 9.500,001E - qualifica, só por si, o crime.

Os factos ora descritos são susceptíveis, em abstracto, de integrar a prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p.p. pelos ares 202.°, al. a), e 205.°, n.°s 1 e 4, do Código Penal.

Os factos ora consignados encontram-se melhor documentados e sustentados, em turnos indiciários, a fls. 10, 13 a 24 e 55 a 58, e pelas declarações de fls. 21, cujo conteúdo ora se dá por integralmente reproduzido. Resulta também que os aludidos objectos ainda não foram devolvidos ao denunciante.

A presente investigação terá mais probabilidade de ser bem sucedida, nomeadamente no que concerne a todos os actos conducentes à recolha da prova necessária para comprovar o cometimento do ilícito denunciados, com a realização da diligência infra requerida, com vista à descoberta da verdade material.

Pelo exposto, a realização de busca mostra-se concretamente imprescindível para o apuramento da verdade material, ao permitir a recolha de elementos conducentes ao apuramento do crime denunciado e demonstra-se essencial para a descoberta da verdade dos factos indiciados e, caso se venha a comprovar o alegado, fundamentais para a prova dos ilícito em investigação. A assim não ser, pôr-se-ia em causa toda a investigação, com prejuízo da descoberta da verdade material.

Tornando-se, assim, absolutamente indispensável ao prosseguimento da investigação, a realização de busca, conclua ao M.mo J.I.C., com a Pr. se ordene a realização de uma busca domiciliária ao arguido V…, residente na urbanização…, Bloco E, - cfr. fls. 45, a fim se proceder à apreensão dos objectos supra descritos, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 174.°, n.°s 1 a 4, 177.°, n.° 1, 178.°, n.°s 1 a 3, e 268.°, n.° 1, al. f), todos do Código de Processo Penal.

O Mmº Juiz de Instrução proferiu em 22.12.2009 despacho, indeferindo o requerido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, do qual consta a seguinte fundamentação: Do previsto nos arts. 269°, n° 1, al. a), 174°, n° 2, 3, 4 e 5 e 177° do Cód. Proc. Penal resulta que as buscas efectuadas no domicílio apenas podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz de instrução criminal. É assim, atento o prejuízo que desta diligência advém para a privacidade das pessoas, invadidas na intimidade da sua habitação.

Compreende-se, também e por isso mesmo, a exigência contida no art. 174°, n° 2 do Cód. Proc. Penal, quando refere que a busca realizar-se-á quando houver indícios de que os objectos relacionados com a prática de um crime ou que possam servir de prova se encontrem em lugar reservado não livremente acessível ao público.

Aqueles indícios, indispensáveis à realização da diligência de busca, hão-de assentar, necessariamente, em meios de prova, e em meios de prova tais que consintam a compressão da reserva e intimidade das pessoas.

Por outro lado, os direitos cuja compressão se tem de aceitar em face da busca domiciliária são merecedores de especial protecção, atenta a situação de fragilidade em que fica colocada a reserva da vida privada dos sujeitos objectos da diligência No caso dos autos a indiciação do visado pela busca resulta apenas das declarações do representante legal da empresa XX...... - Artigos de Utilidade Doméstica Lda. De acordo com tais declarações, o suspeito teria recebido, para execução de actividade de vendedor da referida empresa, certos bens móveis (que identifica) recusando-se a devolvê-los alegando ter créditos sobre aquela empresa resultantes dessa actividade, sendo certo que a empresa entende não haver qualquer dívida a pagar.

Ora, salvo melhor entendimento, tais factos são, por si só, de duvidosa relevância criminal, face ao elementos do tipo legal de abuso de confiança p.p. artigo 205° do CP - nomeadamente: quanto à inversão do título da posse - apropriação ilegítima na sequência de entrega lícita - e quanto ao dolo. De facto, a existir crédito (ou mera convicção minimamente fundada de crédito do suspeito sobre a empresa queixosa) dificilmente serão preenchidos os apontados elementos do tipo, sendo que importará, igualmente, ponderar o disposto no artigo 755° n°1 c) do CCivil.

Acresce que das diligências até agora realizadas - nenhum outro elemento de relevo retira quanto ao contexto em que terão ocorrido os factos.

Finalmente importa notar que, para além do referido não se vislumbram outros factos concretos de onde se possa retirar, seja provável de que na aludida residência estejam guardados os objectos em causa, nem sequer que haja ao menos «indícios» de que tal aconteça.

Em resumo, nesta fase os autos não contêm indícios relevantes que suportem a conclusão de que na residência em causa estarão objectos relacionados com a prática de um crime ou que possam servir de prova, sendo certo que a diligência de «busca domiciliária» não é meio idóneo para se substituir a providência cível adequada à restituição dos bens em causa, que, aliás (fls.57) já estará em curso.

Porque é assim, entende-se não estarem satisfeitos os necessários pressupostos legais para a requerida busca.

Inconformado com tal despacho, dele recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público, extraindo da respectiva...

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