Acórdão nº 1828/06.3TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Criminal de Coimbra I- 1- No processo …/06 do tribunal de Porto de Mós, C.

foi condenado na pena única de 320 dias de multa à taxa diária de €6 resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas: 280 dias de multa pela prática dum crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo artigo 137/1do Código Penal; 40 dias de multa pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelo artigo 292/1 do Código Penal; e de 50 dias de multa pela prática do crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 348/1alínea b), todos do Código Penal.

À pena única principal acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses pela prática do referido crime de condução em estado de embriaguez.

2- O arguido recorre quer da sentença quer de despacho proferido numa das sessões do julgamento em que o tribunal determinou a produção de prova suplementar com vista ao apuramento dos factos, mais concretamente pretendendo o tribunal fazer juntar o original do auto de apreensão do veículo ocorrida a 16/9/2005 e saber da hora exacta em que foi feita a recolha da amostra de sangue com vista à determinação da TAS de que o arguido era portador.

As suas conclusões são as seguintes –

  1. Do recurso intercalar - a) A legislação processual penal em vigor não permite, em regra, a reabertura da audiência de julgamento.

  2. A audiência de julgamento só pode ser reaberta nos casos expressamente previstos na lei.

  3. A M.ma Juiz declarou encerrada a audiência de julgamento após ter dado cumprimento ao disposto no art.º 361º do Código de Processo Penal .

  4. E designou a data para a leitura de sentença.

  5. No dia designado para a leitura de sentença proferiu o despacho aqui recorrido.

  6. A reabertura da audiência de julgamento só é possível nos termos do art.º 371 do Código de Processo Penal, ou seja, g) Quando por força do art.º 369/2 se tornar necessária prova suplementar para a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar.

  7. Actualmente também o art.º371-A do Código de Processo Penal prevê um outro caso em que é possível proceder à reabertura da audiência de julgamento para a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável ao arguido.

  8. Fora estes dois casos expressamente previstos em mais nenhum outro é permitida a reabertura da audiência de julgamento.

  9. O art.º 360/4 onde se afirma que "Em casos excepcionais, o tribunal pode ordenar ou autorizar, por despacho, a suspensão das alegações para produção de meios de prova supervenientes quando tal se revelar indispensável para a boa decisão da causa", vem reforçar este entendimento.

  10. Tal norma permite, em casos excepcionais, a produção de meios de prova supervenientes mas só enquanto não estiverem findas as alegações.

  11. Já que nessa norma se afirma que as mesmas poderão ser suspensas para esse fim, em casos excepcionais.

  12. Tal norma excepcional tem como limite temporal o fim das alegações orais.

  13. No caso em apreço, para além das alegações terem terminado, a própria audiência de julgamento já tinha sido declarada encerrada.

  14. Nos termos do art.º 125 do Código de Processo Penal só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

  15. Estamos assim perante a utilização de provas proibidas.

  16. Nos termos do art.º 122 do Código de Processo Penal deve o despacho que determinou a reabertura da audiência ser declarado nulo, bem como as diligências probatórias nele ordenadas e a sentença ser proferida com base na produção de prova produzida até ao encerramento da audiência de julgamento.

  17. Ao não se querer pronunciar de forma favorável ao arguido, uma vez que tinha dúvidas sobre alguns pontos da matéria de facto imputada ao arguido, a M.ma Juiz ao proferir o despacho violou o principio « in dubio pro reo» consagrado no art.º 32 da CRP que garante ao arguido todas as garantias de defesa.

  18. Tal normativo impõe que quando o juiz não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa tem que decidir a favor do arguido.

  19. A solução nunca poderá ser voltar a julgar o arguido ou produzir nova prova.

  20. Até porque dessa forma também se está a violar o princípio «ne bis in idem» - art.º 29º da CRP.

  21. Do recurso da sentença – I) Os factos dados como provados nos art.ºs 7), 1ª parte do 8), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 23), 26) e 27) não têm fundamento na prova produzida.

    II) Os n.ºs 7,13,14, 15,16, 17,18,19,21, e 23 dos factos provados têm de ser suprimidos uma vez que não se provaram.

    III) Os n.ºs 8, 19, 11, 12, 20, 24, 26, 27 e 32 deverão ser alterados com a redacção acima exposta, para que a matéria de facto dada como provada seja o reflexo da prova produzida em audiência de julgamento.

    IV) Mantendo-se os factos constantes nos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 22, 25, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37 e 38.

    V) E aditando-se a matéria de facto constante nos supra referidos n.ºs 39, 40, 41, 42 e 43, em conformidade com a prova produzida em audiência e por nos parecerem relevantes para a boa decisão dos autos.

    VI) Aos factos dados como não provados terão que se acrescentar os seguintes factos: - O arguido circulava desatento ao tráfego e com falta de perícia.

    - O acidente só ocorreu devido ao arguido circular desatento e em manifesto desrespeito às mais elementares regras de condução estradal, as quais podia e devia ter adoptado de modo a evitar um resultado que podia e devia prever.

    - O arguido sabia que a condução de veículos na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas que determinem uma taxa de álcool igual ao superior a 1,2 g/litro constitui uma conduta proibida e punível por lei penal.

    - Apesar disso o arguido quis conduzir o ciclomotor em causa, o que fez de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal.

    - No acto de apreensão do ciclomotor de matrícula 1-RMR-…, no dia 16 de Setembro de 2005, por não ter seguro de responsabilidade civil válido, o arguido foi notificado pessoalmente de que incorreria na prática do crime de desobediência, caso utilizasse o tal ciclomotor - O arguido sabia que a condução do referido ciclomotor apreendido era punível por lei penal VII) A matéria constante nos factos provados, com nova renumeração, devido à supressão dalguns e o aditamento doutros provados, deve ser alterada da seguinte forma: l) No dia 5/../2006, pelas 21h40m, o arguido tripulava o ciclomotor de matrícula l-RMR…, o que fazia na Rua …. Porto de Mós, no sentido de marcha Vale Pia/Lagoa.

    2) O piso estava seco e o tempo era bom.

    3) A rua apresentava-se naquele local como uma curva pouco acentuada com boa visibilidade, embora inferior a cinquenta metros, nos dois sentidos de circulação, sem inclinação transversal.

    4) Tem a largura total de 5.95 metros.

    5) O local no sentido de marcha Vale Pia/Lagoa dispõe de berma em terra batida e no sentido de marcha Lagoa/Vale Pia não dispõe de berma.

    6) A via encontrava-se em regular estado de conservação e dispunha de iluminação pública, ainda que de baixa intensidade.

    7) O arguido circulando pela sua faixa de rodagem não se apercebeu da presença de M. que naquele circunstancialismo de tempo circulava pelo seu pé acompanhado de E e de M M no sentido de trânsito contrário ao do arguido, Lagoa/Vale Pia, próximo da berma esquerda da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha mas ainda no alcatrão da mesma, atento o sentido em que circulava, sem que nada o impedisse de circular pela berma da faixa de rodagem.

    8) Por não se aperceber da presença dos referidos peões, o arguido continuou a sua marcha e embateu com a parte frontal do ciclomotor no peão M, o que fez na sua faixa de rodagem, ainda no alcatrão, próximo da berma do lado direito da via atento o sentido de marcha do arguido.

    9) Como consequência directa e necessária do embate o M sofreu as seguintes lesões: traumatismo crâneo-encefálico moderado (Escala de Glasgow 13), facial (regiões periorbitárias equimóticas e lacerações nas pálpebras do olho esquerdo) e torácico (pneumotorax à esquerda). Manifestava dificuldade respiratória com polipneia, do ponto de vista ortopédico apresentava fractura do pilão tibial esquerdo, hematoma na parede anterior e na fossa ilíaca: apresentava ainda ar: mediastino e enfisema subcutâneo. Sofreu agravamento do estado de consciência (Escala de Glasgow 10), manifestando pouca colaboração e desorientação. Revelou, ainda, a presença de múltiplas fracturas das órbitas, fractura zigomato-malar esquerda. fractura temporal e malar esquerda. fractura frontal bilateral, secção parcial do nervo óptico do olho esquerdo, hemorragias meníngeas, contusões temporais anteriores esquerdas, edema cerebral e lâmina de higroma hemisférico esquerdo, hemorragia subconjuntival à esquerda, íris irregular em midríase média fixa e reflexo consensual à esquerda diminuído. Durante o internamento no Centro Hospitalar de Coimbra, desenvolveu crises convulsivas focais e no dia 8/5/2006 acentuou-se a deterioração do estado mental (Escala de Glasgow 8), evidenciando lateralização motora, e melhoria progressiva da dificuldade respiratória. Transferido para o Hospital de Santo André, em Leiria, no dia 17/5/2006, à data apresentava-se consciente, com resposta verbal adequada a questões simples, apirético e normotenso. Nos dias seguintes, já no Hospital de Santo André, desenvolveu quadro respiratório infeccioso caracterizado por secreções abundantes, hipotermia e febre, que desencadeou manifesta insuficiência respiratória. No dia 19/5/2006 apresentava-se em estado comatoso (Escala de Glasgow 7), tendo sido necessário efectuar traqueotomia. Reobservado em 29/5/2006 no Centro Hospitalar de Coimbra, apresentando-se prostrado, sem abertura espontânea de olhos, respondia ao chamamento com gemido e apertava a mão quando solicitado. Apesar da terapêutica instituída a situação clínica manteve-se sobreponível, vindo a falecer em 3 de Junho de 2006 no Hospital de Leiria.

    10) Em súmula, M sofreu lesões traumáticas crânio/meningo/encefálicas...

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