Acórdão nº 2819/07.2TAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução26 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Inconformado com o despacho do senhor juiz de instrução criminal do Tribunal supra referido que não pronunciou os arguidos J e C já devidamente identificados, pela prática de um crime de difamação, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1; 183.º, n.º 2; 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea j), todos do Código Penal; 30.º e 31.º, ambos da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Julho, dele interpôs recurso o assistente A igualmente com os sinais nos autos, cuja motivação concluiu nos termos seguintes: 1. Em sede de instrução está-se perante uma fase indiciária e não perante um julgamento antecipado do mérito da causa.

2. A existência de factos em oposição, não tendo sido apresentada prova cabal que confirme qualquer um (neste caso só os arguidos podiam provar a existência de reclamações e o ofendido não podia provar o facto negativo da não existência daquelas!), é reveladora que existem indícios suficientes da prática dos ilícitos.

Relativamente ao primeiro dos arguidos 3. A notícia por ele assinada, não se limita a relatar eventuais factos como a existência de queixas ou reclamações. Ultrapassa em muito a esfera factual, referindo expressões que consubstanciam opiniões claramente ofensivas da honra do assistente e que são em si mesmas, insusceptíveis de qualquer prova, caindo sempre na esfera de protecção do bom nome que qualquer cidadão tem direito a preservar, de que são exemplo expressões difamatórias e não factos as seguintes expressões: “má educação do médico”; “fraco atendimento” e “falta de civismo e humanidade”.

4. Com tal adjectivação, ofensiva da honra, nem a prova cabal da existência de queixas, conseguiria afastar a existência do ilícito.

5. Acresce ainda a utilização de hipérboles, também elas com o intuito de tornar maior a ofensa e a lesão da honra: “o povo” ou a “população de Covões”.

6. A referência repetida ao facto de se tratar do “médico brasileiro” denota tratamento xenófobo, dado que nenhum facto precisaria de tal informação repetida, não acrescentando nada á notícia, pelo que a alusão é desnecessária e também ela ofensiva! 7. Ao dito arguido era interdito revelar ou difundir, por qualquer meio, expressões injuriosas tais como “má educação”; “falta de civismo e humanidade” e “falta de profissionalismo”, mesmo que não fossem da sua autoria tais expressões.

8. Que não consubstanciam factos, antes são opinativas e ofensivas da honra, pelo que nunca poderiam ser difundidas. Com tal adjectivação, ofensiva da honra, nem a prova cabal da existência de queixas, conseguiria afastar a existência do ilícito.

9. O ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância com a ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores, pelo que, as imputações feitas ao assistente são, sem dúvida, um juízo de valor do que o ele é, na sua vida e no desempenho da sua profissão, ultrapassando-se, deste modo, a imputação de um facto para se efectuar um juízo sobre a sua capacidade.

Também relativamente ao segundo dos arguidos 10. Dúvidas não existem de que declarou: “Tínhamos cerca de 4000 utentes no posto médico e já só temos pouco mais de 3000 pessoas porque estão a fugir para as urgências de Cantanhede”, “devido á falta de profissionalismo deste médico.” 11. Não se demonstra um único facto que sustente a “má educação do clínico”, a sua “falta de civismo e humanidade” ou porque deu faltas.

12. O Dr. C. não permitiu que o assistente justificasse o que quer que fosse ao jornalista, e, tendo pedido a redução a escrito de qualquer queixa, não existindo nenhuma até á data da notícia jornalística, não devia o Tribunal a quo dar como assente que este médico “reuniu com o assistente… chamando-lhe à atenção e pedindo-lhe que corrigisse algumas situações ou mal entendidos que pudessem existir…” (pág. 6 do despacho de não pronúncia). Aliás, o recorrente nem sequer pode contradizer tal referência, por falta de oportunidade processual para tanto! Por todo o exposto, 13. São ofensivas da honra do assistente, as seguintes expressões indicadas na notícia em causa: “População de Covões revoltada com médico da extensão de saúde” (Em Título) “Queremos que o doutor M vá embora” (Como subtítulo com maior destaque gráfico) ”Alegada má educação do médico, consultas com atraso de dois meses, fraco atendimento e faltas injustificadas são os motivos indicados pelo povo de Covões para exigir a sua “expulsão” da extensão de saúde local.” (Destaque) “A população da freguesia de Covões, Cantanhede, está de cadeias às avessas com o médico da extensão de saúde local ao ponto de exigir a sua substituição”. (Menção do jornalista) 14. “Má educação do clínico”; “a sua falta de civismo e humanidade”; “devido às faltas que dá frequentemente, deixando os utentes á porta da extensão, sem qualquer justificação”; “Às consultas que estão atrasadas em mais de um mês e meio”; “O rol de queixas contra este médico, de nacionalidade brasileira, é imenso”; “C. diz que este mau estar entre população e clínico já dura há mais de um ano”; “Tínhamos cerca de 4000 utentes no posto médico e já só temos pouco mais de 3000 porque estão a fugir para as urgências de Cantanhede, devido à falta de profissionalismo deste médico”; “a actuação do médico é gravíssima”, uma vez que como conta tal co-arguido “as consultas estão atrasadas em mais de mês e meio”; “esta reacção da população contra o médico brasileiro (escreve o primeiro co-arguido) já foi assunto na Assembleia de freguesia de Covões”, são o conjunto de expressões que difamam a honra e consideração devias ao assistente. Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que pronuncie os arguidos pela prática, cada um deles, de um crime p.p. nos termos das disposições legais acima citadas.

1.2. Na 1.ª instância responderam ambos os arguidos e o Ministério Público, pronunciando-se todos pelo não provimento do recurso.

1.3. Admitido, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento da impugnação.

Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se não ocorrer hipótese para se conhecer sumariamente e nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se o prosseguimento do recurso, com recolha dos vistos, o que sucedeu, e sua submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. Em vista do teor das conclusões da motivação do recurso que, sabemos, delimitam o respectivo objecto[1], cumpre examinar a única questão aportada à apreciação deste Tribunal, qual seja de apuramos se dos autos resultam suficientes indícios da prática, pelos arguidos, do crime de difamação que lhes vem imputada pelo assistente.

2.2. Começaremos por tecer parcas considerações acerca do sentido e função da fase processual de instrução e o conceito de indícios...

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