Acórdão nº 88/08.6TATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução12 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida pela assistente AS .. S.A. e acompanhada pelo Mº Pº ((excepto quanto ao crime de difamação) contra o arguido: ES, casado aposentado, …. Viseu.

Sendo decidido: - Absolver o arguido da prática do crime de difamação previsto e punido pelo disposto no art. 180.° do Código Penal e do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço de que vem acusado, previsto e punido pelo artigo 187° do Código Penal; - Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o demandado ES *** Inconformado interpôs recurso, a assistente AS .. S.A.

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São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo: 1. Atentos os factos provados, o arguido cometeu o crime de difamação da assistente, mesmo considerando a formulação específica do actual art. 187° do Código Penal.

  1. O art. 187° não afasta a aplicação do art. 180°, que mantém a sua autonomia e aplicação no caso concreto de pessoa colectiva como objecto da difamação.

  2. O arguido quis ofender o bom-nome da assistente, quer como suporte de sua credibilidade e prestígio, quer como resultado dessas mesmas realidades.

  3. A tese do Tribunal a quo levar-nos-ia a concluir que, antes da reforma de 1995, era impossível cometer o crime de difamação de pessoa colectiva, o que é errado.

  4. A assistente alegou a inveracidade da imputação quando disse ser credora da insolvente B.. & Filhos, sendo apelidada de "pseudo credor" pelo arguido.

  5. Se diz que é credor, é inverídico que seja pseudo credor.

  6. A prova conseguida de que a assistente é empresa conceituada, laborando há mais de 50 anos, diz, à saciedade, que é inverídica a imputação de "pseudo credor", "hipotético credor" e de outros impropérios provados em audiência.

  7. O Tribunal a quo parece querer atribuir à assistente o ónus da prova da inverdade da imputação, a prova negativa, o que vai contra as regras processuais da repartição do ónus da prova (Cfr. lugar paralelo do art. 180-2 b) do CP).

  8. O processo de insolvência n" …/07.0TBTBU mostra, à saciedade, A F como credor da insolvente e membro da comissão de credores.

  9. Tanto basta para provar a inveracidade das imputações do arguido.

  10. O arguido apelidou de falso credor ao assistente que é um verdadeiro credor, conforme este alegou e provou.

  11. O Tribunal à quo fez soçobrar o pedido cível porque conclui não haver, in casu, danos indemnizáveis, por não resultar da lesão qualquer diminuição de lucros.

  12. É certo que, na prova testemunhal, se afirmou que houve perda de vendas, nessa época, mas não se pode afirmar que seja por causa do episódio em causa.

  13. Mas o dano existe: ofensa ao bom-nome, à credibilidade, à consideração e à confiança da assistente.

  14. Atenta a época de crise, seria impossível avaliar qual o peso do episódio na diminuição dos lucros.

  15. Os danos resultantes da ofensa terão de ser liquidados com base na equidade.

  16. A pessoa colectiva (associação, fundação ou sociedade) pode ser objecto de danos não patrimoniais, quer na perspectiva do art. 180°, quer na do art. 187°, ambos do C. Penal.

  17. É óbvio que tais ofensas não deixarão de se repercutir nos resultados da empresa, sendo também, nessa perspectiva patrimonial, objecto de liquidação com base na equidade.

  18. A ofensa ao bom-nome de uma empresa repercute-se sempre no seu desempenho comercial.

  19. O Tribunal recorrido violou ou aplicou erroneamente as normas dos art.s 180° e 187° do CP; do art. 74° do CPP e do art. 483° do CC.

  20. Aplicou ainda erroneamente o direito (art. 187° CP) aos factos quando concluiu que a assistente não alegou nem provou a inveracidade da imputação.

  21. Essa norma deveria ter sido aplicada no sentido de que, como se explicou, a assistente alegou e provou essa inveracidade, mesmo sem usar essa palavra.

    Revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que condene o arguido pelos crimes de difamação e ofensa a pessoa colectiva e que a condene também em indemnização civil, liquidando os danos pela equidade se fará justiça.

    Foi apresentada resposta, pelo arguido, que conclui.

    1-O requerimento apresentado pelo arguido no Processo de Insolvência da Sociedade … & Filho, Ldª, jamais fez qualquer referência à Sociedade F & FILHOS, L.da, com sede em , mas a um tal A F pessoa singular que teria residência em Tábua, como era dito no artigo 24° da petição de Insolvência.

    2- Objectivamente, em tal requerimento, nenhum facto, acção ou omissão, é dirigido ou imputado aquela sociedade, que o arguido não conhecia e não conhece, como não conhece nenhum dos seus legais representantes, com quem nunca falou ou contactou por qualquer meio.

    3- Como não existe nenhum fantasmagórico sinal, de um não menos inventado negócio, como se pode aferir do Proc. Ordinário ../07.3TBTBU, pendente neste Tribunal, em que é autor o arguido e réus LM e esposa, onde se discute um mutuo não pago.

    4- Este recurso que visa exclusivamente o pagamento de verba elevada e injustificada, ataca uma decisão que não merece reparo e se encontra devidamente fundamentada e apoiada na vasta jurisprudência invocada.

    5- A sentença em apreço não violou ou aplicou erradamente a lei, mormente as normas dos artigos 180 e 187 do C.P., 74 do CPP e 483 do C. Civil.

    6- Nem na participação, nem na acusação da assistente alegou que os factos imputados ao arguido eram inverídicos e muito menos provou a inveracidade de tais factos.

    7- Pelo que, faltando um dos elementos constitutivos do tipo de ilícito e na se tendo feito a tal respeito qualquer tipo de prova, outra não podia ser a decisão que não a absolvição do arguido do crime que lhe vinha imputado.

    8- O mesmo se dizendo quanto ao Pedido de Indemnização, já que também não foi alegado e muito menos provado qualquer dano em concreto.

    9- E, tratando-se de pessoa colectiva tal dano teria a ver com o reflexo negativo da potencialidade de lucro, nado se tendo provado.

    Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a bem fundado decisão recorrida.

    Foi apresentada resposta, pelo Mº Pº, que conclui.

    1)Atento o teor da lei e ultrapassadas as dúvidas iniciais, sucessivamente esclarecidas pela reforma penal de 1995 e 2007, a tutela penal do “bom nome” das pessoas colectivas está moldada pelo teor do art. 187 do Código Penal, com todas as limitações impostas pelo respeito pelo princípio da legalidade, excluindo-se a aplicação do art. 180 à ofensa de tal bem jurídico; 2)Uma das consequências de tal orientação é a de considerar que a tutela deste bem jurídico, face à protecção conferida ao equivalente das pessoas singulares é bastante mais restritiva, limitando-se à imputação de factos inverídicos e à forma oral da sua transmissão.

    3)Tal conclusão é imposta pelo respeito pelo princípio da legalidade, corroborada pela técnica legislativa utilizada no n.º 2 do art. 187, pela sua inserção sistemática e pela análise comparativa dos tipos legais dos arts. 180 e 181 e 365, todos do Código Penal.

    4)Inserindo-se o normativo em questão no capítulo dos crimes contra a honra e nele existindo uma norma especialmente destinada a estas "outras" formas de imputação, se nada é dito no próprio art. 187, n.º 1 e da remissão efectuada pelo n.º 2 nenhuma referência é feita ao art. 182 é porque essa foi a intenção do legislador. Se quisesse abranger também a forma escrita de imputação, tê-lo-ia dito expressamente ou utilizaria a fórmula genérica utilizada, por exemplo, no art. 365 do Código Penal.

    5)Como tal, não poderia o arguido deixar de ser absolvido pela prática do crime em causa.

    6)Tal conclusão, que identificamos como opção do legislador, se é certo que gera espaços de impunidade criminal não deixa de ser uma decorrência do princípio da legalidade e de se adequar à ultima ratio da intervenção do direito penal como reacção do sistema jurídico às condutas que lhe são desconformes, sendo que a lesão dos bens jurídicos que aqui estão em causa, mesmo nos domínios excludentes da referida tutela penal, estão protegidos pelo art. 484 do Código Civil.

    7)Quanto à prova dos elementos típicos do crime em apreciação que a Mmª Juiz considerou não alegados nem provados, diga-se, ao contrário do que sustenta a recorrente, que tal prova nunca poderia ser imposta ao arguido, nos termos do lugar paralelo do art. 180, n.º 2, al, b) do Código Penal.

    8)Aliás, o cometimento do crime de difamação através da imputação de factos não exige que os mesmos sejam inverídicos, enquanto tal exigência é imposta pela imputação ao abrigo do art. 187 do mesmo Código. Por outro lado, o art. 180, n.º 2, al. b) nada impõe ao arguido, permitindo-lhe apenas, se fizer prova da veracidade dos factos, ficar dispensado de pena.

    9)Por outro lado, considerando a recorrente que foi feita prova de tais elementos típicos e que, por isso, a tal deveria a Mmª Juíz ter atendido em sede de sentença, então cabia-lhe invocar nesta sede o respectivo vício formal da sentença, o que não fez.

    10) Diga-se, a propósito, e em rigor, que a insuficiência dos factos descritos na acusação para a condenação, como fundamento da absolvição do arguido, configura uma situação de acusação manifestamente infundada, que deveria ter sido rejeitada aquando do saneamento dos autos ao abrigo do art. 311 do Código de Processo Penal.

    11) Não tendo sido, a sanação do vício por inclusão de tais factos só poderia ter lugar através de uma alteração substancial dos factos nos termos contemplados no art. 359 do Código de Processo Penal, sendo que, não se tratando de factos autonomizáveis, como resulta evidente, nunca determinaria a instauração de processo autónomo nem seria sequer previsível o necessário acerto de posições ditado pelo art. 359, n.º 3 do mesmo diploma para que o tribunal pudesse tê-los em conta.

    12) Não invocando a recorrente, nos termos do art. 379, n.º 2 do Código de Processo Penal, o vício do art. 379, n.º 1, al. c) do mesmo diploma, por...

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