Acórdão nº 23/08.1TAACN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução08 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum da competência de tribunal singular que correram termos pelo Tribunal Judicial da comarca de AA..., após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença absolvendo os arguidos E... e L..., com os demais sinais dos autos, da prática de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371º, n.

os 1 e 2, al. b) do Código Penal, por referência ao disposto nos artigos 37º, n.º 1 e 85º do Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de Janeiro, pelo qual ambos haviam sido pronunciados.

No decurso do prazo de interposição do recurso o assistente R... requereu que se declarasse a invalidade da audiência de julgamento por omissão total da gravação, por imperceptível, e que se ordenasse a sua repetição, bem como a repetição dos actos subsequentes, aí incluída a sentença.

O Mmº Juiz do tribunal a quo, após averiguar da viabilidade da transcrição da gravação efectuada, determinou a transcrição das declarações e depoimentos prestados em audiência.

Entretanto, o assistente interpôs recurso da sentença retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: l° - O recorrente e assistente pretende recorrer da matéria de facto. Contudo, as declarações dos arguidos, da testemunha O... (jornalista), do Assistente encontram-se imperceptíveis.

  1. - Tal irregularidade é susceptível de afectar os direitos fundamentais da arguida, pondo em causa o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e implicando, necessariamente uma limitação ao direito de recurso.

  2. - Porém, nada tendo sido decido até ao termo do prazo para apresentação da motivação, a deficiente gravação da prova constitui uma irregularidade, que afecta o valor do acto praticado e que, apresentada tempestivamente pelo assistente, conduz à invalidade do julgamento.

  3. - Pelo que foram violados os arts. 364º nº 1, e 428 nº l do Código de Processo Penal e o Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.

  4. - Desta forma, deve ser declarada inválida a audiência de julgamento bem como os termos subsequentes destes autos, ordenando-se que se proceda de novo a audiência de julgamento.

  5. - O Assistente entende que a matéria de facto dada como não provada, na douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, foi-o indevidamente, em virtude de que, face à prova produzida em audiência de julgamento, foram considerados como não provados tactos constantes da douta acusação, que o deveriam ter sido face à prova ali produzida.

  6. - O que levará, por maioria de razão, à condenação dos arguidos pela prática do crime de Violação de Segredo de Justiça, previsto no art. 371°, n.º 1 e 2, al. b) do Código Penal, de que foram acusados.

  7. - Constata-se que a Douta Sentença do Tribunal a quo peca por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

  8. - A contradição destes tactos constitui vício de julgamento e consubstancia contradição insanável da fundamentação, nos termos do art. 410º, nº 2. al. b) do CPP, determinante da renovação da prova.

  9. - Por fim, a douta sentença padece, ainda, de erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 410º, nº 2. al. c) do CPP, determinante da renovação da prova.

  10. - Bem como, a Douta Sentença pugna pelo errado enquadramento jurídico-legal.

  11. - Com os elementos de que dispunha, o Tribunal a quo não podia, simultaneamente, dar como provado no ponto 9 que "Agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente" e dar como não provado os factos constantes nas alíneas B) a F). Esta contradição constitui vício de julgamento e consubstancia contradição insanável da fundamentação, nos termos do artº 410º, nº 2. alo b) do CPP, determinante da renovação da prova.

  12. - A Ma Juiz a quo, ao decidir que não ficou provado o constante das alíneas B) e E) da Matéria de Facto Não Provada, fez errada apreciação da matéria de facto à luz da confissão do arguido (de forma espontânea no inicio do seu depoimento).

  13. - Tribunal a quo ao dar como não provado que o arguido E... tivesse consciência de que estaria a praticar um crime (vide alíneas B) a E) da matéria de facto não provada), retirou uma ilação do direito ao silêncio. E desta forma procedeu a uma incorrecta aplicação da lei, na medida em que o art. 61º, n.º 1, al. c), do CPP não confere o direito à Ma Juiz a quo de interpretar o dito silêncio do arguido E....

  14. - O Tribunal a quo persistiu na errada interpretação da matéria de facto quanto à alínea A) da Matéria de Facto Não Provada, pois o próprio arguido L... declarou que o assistente soube do processo disciplinar pela notícia do jornal do Mirante.

  15. - Quanto à inconsciência sobre a prática do crime por parte do arguido L..., o erro sobre a ilicitude é censurável quando a falta de consciência se fica a dever directa e imediatamente a uma qualidade desvaliosa e jurídico-penalmente relevante da personalidade do agente. Nesta medida, o arguido L... não é um cidadão comum, pois ao ser autarca tem o dever de conhecer a lei, apesar de o Tribunal a quo parecer ter esquecido ou confundido o principio de que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.

  16. - Face ao facto nº 8 dado como provado, demonstra-se que o comportamento dos arguidos revela indiferença para um dos valores da ordem jurídica - o do segredo de justiça - e é por causa dessa indiferença que os mesmos não tomam consciência do carácter ilícito da sua conduta e não porque havia uma interpretação da norma, donde resultava que o seu comportamento era lícito.

  17. - O processo de inquérito tem natureza secreta, uma vez que era regulado, com as adaptações necessárias, pelas normas respeitantes ao processo comum (artigo 35°, nº 3, do Estatuto Disciplinar) e por consequência é-lhe aplicável o artigo 37° n.º 1 do ED.

  18. - Ainda que se venha a considerar que o processo de inquérito não tem natureza secreta importa que, da matéria de facto provada (vide pontos n.ºs 3, 4, 5, 6 , 7 e 8 da douta Sentença sob a epígrafe Matéria de Facto Provada) ficou provado que, quanto à conduta de E..., no momento em que a informação foi transmitida electronicamente à jornalista O..., o processo de inquérito já havia sido convertido em processo disciplinar.

  19. - Nos termos do artigo 4°, n.º 1 do DL 116/98, de 5 de Maio, "os médicos veterinários dependem hierárquica e disciplinarmente do presidente da câmara da respectiva área da sua intervenção ". Consequentemente, no caso dos Médicos Veterinário Municipais, a Câmara Municipal enquanto órgão colegial e executivo, não é, salvo devido respeito por melhor opinião, competente para instaurar procedimentos disciplinares e inquéritos, bem como para aplicar penas disciplinares previstas no artigo 110 do E.D.

  20. - De acordo com a realidade jurídica antedita, o arguido L... nunca deveria ter partilhado este assunto com o órgão executivo da Câmara de AA..., devendo o processo de inquérito (e respectivo relatório de inquérito) ter ficado à sua guarda.

  21. - Não assiste razão ao Tribunal a quo na sua Fundamentação de Direito quando afirma: "Resulta da conjugação dos citados artigos 85º nº 2, 39º, n.º 1 e 18º do Estatuto Disciplinar dos Funcionário e Agentes da Administração Central, Regional e Local, que o mencionado órgão executivo pode deliberar sobre tal matéria (muito embora não se revele, à partida, necessário, dado que tal acto pode igualmente ser praticado pelo seu superior hierárquico do funcionário em causa). Com efeito, pertence-lhe a competência disciplinar, que aqui terá de ser entendida em sentido lato (por maioria de razão), ou seja, compreendendo todas as vertentes disciplinares, incluindo a instauração do processo disciplinar. " 24° - Da prova factual recolhida em sede de julgamento, verifica-se o preenchimento dos requisitos do crime de violação de segredo de Justiça previsto no artigo 371º, n.º 1 e 2, al b) do CPP, não mais se esperando senão a condenação daqueles arguidos (L..., pelo facto de ter publicitado o relatório aos restantes vereadores e ter falado do assunto em reunião pública de Câmara; e o arguido E..., por ter facultado à jornalista O..., via correio electrónico, de forma pessoal e concreta, de molde a dar a conhecer os pormenores do processo que envolvia o assistente).

  22. - Porque provado, o assistente sofreu seriamente com os factos que fazem parte integrante da situação sub judice, na medida em que teve de recorrer a uma ajuda médica especializada para conseguir ultrapassar a humilhação que ainda sofre com a referida publicação da notícia no jornal semanário "O Mirante", pelo que, deverá o mesmo ser ressarcido pelos danos sofridos, na quantia de 5000,00€ a suportar pelos arguidos, face a conduta ilícita praticada.

Pelo que se requer, nos termos de facto e de direito invocados e nos demais aplicáveis, que seja revogada a Sentença do Tribunal a quo aqui recorrida ordenando-se a sua substituição por Douto acórdão que condene os arguidos pela prática do crime de Violação de Segredo de Justiça, p. e p. no artigo 371°, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal e consequentemente, sejam os arguidos condenados a pagar a quantia de 5000,00 euros a título de indemnização cível pelos danos morais causados com a publicação do relatório do processo de inquérito no jornal semanário "O Mirante".

O arguido L... respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

Ulteriormente, após junção da transcrição efectuada, foi proferido despacho julgando improcedente a nulidade de omissão da gravação arguida pelo assistente (fls. 943/945).

Inconformado com essa decisão, dela recorreu o assistente, retirando da motivação deste recurso as seguintes conclusões:

  1. Ao existir sinal deficiente de áudio no CD que contém a documentação da audiência cometeu-se uma irregularidade processual.

  2. Que foi atempadamente arguida pelo assistente.

  3. Este ao pretender recorrer da matéria de facto, apenas o poderia fazer tendo acesso ao registo audível de forma clara e perceptível dos depoimentos dos arguidos, do assistente e das testemunhas ouvidas em sede de...

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