Acórdão nº 2736/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelESTELITA MENDONÇA
Data da Resolução16 de Março de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO : Tribunal Judicial de Braga – 3.º juízo Criminal – (Comum singular n.º 937/07.6GCBRG).

RECORRENTE : Ministério Público RECORRIDO : J… OBJECTO DO RECURSO: Após ter sido notificado do despacho proferido nos autos que não recebe a acusação deduzida pelo M.P.º, a fls. 66/67, contra o arguido J… por um crime de ameaça, veio o magistrado do Ministério Público interpor recurso, apresentando as seguintes Conclusões: 1. A acusação deduzida contra o arguido contém factualidade que integra a prática, por parte do arguido, do crime de ameaças que aí lhe foi imputado; 2. Das expressões proferidas pelo arguido e dirigidas ao ofendido não se pode inferir estarmos perante um acto de violência iminente mas, tão só, a intenção do arguido em produzir medo e/ou inquietação no ofendido de forma imediata; 3. Ao rejeitar a acusação deduzida, a decisão recorrida violou o disposto nos arts 311, do C.P.P. e 53, n.º1 e 155, n.º1, al a), do C.P.

Por tudo o que atrás fica explanado, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser substituída a decisão recorrida por uma outra que determine o recebimento da acusação e designe data para realização da audiência de discussão e julgamento.

Dando provimento ao presente recurso far-se-á a habitual e esperada JUSTIÇA*** O arguido respondeu ao recurso batendo-se pela sua improcedência (fls. 122 a 126).

*** Admitido o recurso e remetido a este tribunal, no seu parecer o Ex.mo Procurador Adjunto sustenta que o recurso deverá ser considerado procedente.

*** Cumprido o disposto no art. 417 n.º 2 do C. P. penal não foi apresentada resposta.

*** Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência.

*** Tendo em atenção que são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412 n.º1 do Código de Processo Penal, a questão colocada no requerimento de interposição do recurso é a de saber se deve ser recebida a acusação do M.P.º e designado dia para julgamento do arguido por um crime de ameaça.

Cumpre agora decidir.

É do seguinte teor o despacho recorrido, com data de 10 de Julho de 2008 (fls. 81 a 84 dos autos): “0 tribunal é competente.

Não há nulidades, ilegitimidades, excepções ou questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

*** O Digno Magistrado do Ministério Público acusou J… da prática de 1 crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153° n.º 1 e 155° n.º 1 a), do Cód. Penal.

Para tanto e em síntese, alegou que no dia 3/10/2007, no interior do café denominado “A..”, sito na área desta comarca, por questões relacionadas com a mudança do canal televisivo, o arguido muniu-se de uma cadeira e, ao mesmo tempo que a brandia no ar, dizia que: “ou mudam de canal ou parto esta merda toda”.

Não tendo a sua pretensão sido atendida, o arguido quebrou, lançando para o chão, uma garrafa de cerveja.

Como o dono do estabelecimento fizesse menção de telefonar à GNR, o arguido dirigiu-se ao seu veículo, estacionado nas imediações, voltando munido de um objecto semelhante a um chicote, dizendo-lhe: “...se chamas a GNR dou-te com este que te quebro as costelas...”, “eu mato-te”.

Nessa altura, alguns dos clientes intervieram e convenceram-no a abandonar o café, sendo certo que, algumas horas depois ele ali voltou, provocando o ofendido, levando este último a encerrar com receio de que este ali provocasse mais desacatos.

Agiu o arguido com o propósito concretizado de perturbar o ofendido no seu sentimento de segurança, fazendo-Ihe crer que iria sofrer um mal imediato, sendo certo que tem evitado todo e qualquer contacto com o arguido, com receio que o mesmo concretize os propósitos anunciados.

Dispõe o art. 153° n.º 1, do Cod. Penal, que “quem ameaçar outra pessoa com a pratica de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.” Esta infracção tem sofrido algumas adaptações ao longo dos tempos, sendo tipificada como um crime de perigo abstracto no Cod. Penal de 1886, passando a crime de resultado no Cod. Penal de 1982 e consagrando o Cod. vigente uma versão intermédia (a ameaça há-de ser adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação).

Estamos perante um crime contra a liberdade, resultando dos respectivos elementos típicos que a ameaça tem que ser praticada contra uma pessoa física, já que só esta poderá ver a sua liberdade de acção ou decisão coarctadas.

Tem-se ainda entendido que este ilícito pressupõe sempre a ameaça de um mal futuro por parte do agente para com a vítima, daí resultando a distinção entre o crime de ameaça e o crime tentado.

Com efeito, conforme sustenta Américo Taipa de Carvalho, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Torno I, pág. 343, “0 mal ameaçado tem que ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. (...) Assim, p. ex., haverá ameaça quando alguém afirma “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”.

In casu, o próprio Ministério Público reconheceu expressamente na factualidade que imputou ao arguido que este fez crer ao ofendido que ia sofrer um mal imediato.

E na verdade, ponderando o contexto da conduta do arguido, é inegável que assim é.

Com efeito, toda a actuação descrita está reportada àquele preciso momento presente, sendo mesmo intrinsecamente contraditória a afirmação de que o ofendido tem receio que o arguido concretize os propósitos anunciados.

E que, conforme ressalta do exposto, a ameaça...

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