Acórdão nº 1834/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | ESTELITA DE MENDONÇA |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO : Tribunal Judicial de Viana do Castelo (Comum colectivo n.º 180/06.1PBVCT).
RECORRENTE : Ministério Público RECORRIDO : M…(arguido) OBJECTO DO RECURSO : Por acórdão de 17 de Dezembro de 2007 (fls. 283 a 292) foi decidido: - Julgar improcedente a acusação na imputação que a mesma faz ao arguido M…, em co-autoria, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146º, nº 1 e 2, em conjugação com o disposto nos arts. 144º a) e 132º, nº 2 g), 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, e 77º, todos do C.P., em concurso real com um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts., 203º, nº1, e 204º, n.º1, al. d), do mesmo diploma legal., absolvendo esse arguido da prática dos mesmos.
- Julgar improcedente a mesma acusação na imputação que faz ao arguido V… de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts., 203º, nº1, e 204º, n.º1, al. d), do mesmo diploma legal., absolvendo esse arguido da prática dos mesmos.
- Julgar procedente a mesma acusação na imputação que faz ao arguido V…, em co-autoria, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146º, nº 1 e 2, em conjugação com o disposto nos arts. 144º a) e 132º, nº 2 g), 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, e 77º, todos do C.P., e, consequentemente, condenar este arguido na pena de três (3) anos de prisão. Suspender a pena aplicada ao arguido pelo período de três anos.
Inconformado veio o M.P.º recorrer, apresentando as seguintes Conclusões (transcrição): 1. No julgamento realizado nos autos o arguido V…respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 345 do Código de Processo Penal.
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Todavia, tais declarações, relativamente ao arguido M…, não foram valoradas pelo Tribunal Colectivo, conjuntamente com a restante prova produzida em julgamento, com fundamento no disposto no artigo 345 n.º 4 daquele Código.
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0 entendimento do Tribunal Colectivo foi, assim, a de que a referência feita no artigo 345 n.º4 a “declarante” se reporta ao co-arguido prejudicado e não ao co-arguido declarante.
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Ou seja, a leitura feita pelo colectivo da norma em questão, resultante da conjugação dos números 1, 2 e 4 do artigo 345.° do Código de Processo Penal, foi a de que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando este último se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.
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Com efeito, e em suma, entendeu o Colectivo que o sentido da norma em análise é a de que quando um arguido exerce o seu direito ao silêncio (equivalendo a tal todas as situações em que não presta ou não pode prestar declarações, como acontece no julgamento na ausência, o que ocorreu nos autos), não podem valer como prova contra si as declarações do co-arguido.
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Todavia, a referência feita ao “declarante” no artigo em apreço, deve reportar-se antes ao arguido declarante, ou seja, àquele que presta declarações em prejuízo de co-arguido.
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Assim, a norma em causa deverá ser lida como proibindo a valoração como prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando aquele (declarante das declarações sob valoração) se recusar a responder as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal 8. Ou seja, quando um arguido se recusar a responder a perguntas sob a sua própria responsabilidade nos factos sob julgamento (perguntas a que se referem os números 1 e 2 do artigo 345.° do Código de Processo Penal), não poderão valer como prova as suas declarações em prejuízo de outro co-arguido.
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Esta será a interpretação que, nos termos do artigo 9.°/3 do Código Civil, deverá prevalecer, uma vez que assenta no entendimento de que se um arguido se faz valer da prorrogativa da não auto-incriminaçäo (que fundamenta o seu direito ao silêncio e, consequentemente, a possibilidade de não resposta as perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 345.° do Código Penal), estará vedada a possibilidade da heteroincriminação, ou seja, de incriminar um co-arguido.
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Pelo exposto foram violados no acórdão recorrido os artigos 345.°, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, e a artigo 9.°/3 do Código Civil.
Termos em que proferindo acórdão que determine a revogação do acórdão do Tribunal Colectivo proferido nos autos e determine a sua substituição por outro que proceda à aplicação do artigo 345.°, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, nos termos supra expostos, farão v.as Ex.as como é de Lei.
***Admitido o recurso não foi apresentada resposta.
***Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto seja julgado procedente.
***Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
*** Colhidos os vistos legais, nada obsta agora ao conhecimento da causa.
***Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Assim, a questão suscitada é a de saber se pode valer em audiência o depoimento de um co-arguido para incriminar outro arguido quando esse arguido não está presente na audiência.
Cumpre agora decidir: Com interesse para a decisão dos autos foram os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, bem como a respectiva fundamentação: “Matéria de facto provada: De relevante para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico: No dia 9 de Abril de 2006, cerca das 0,30 horas, no “Bar …, o arguido V… foi agredido fisicamente por vários indivíduos de nacionalidade portuguesa.
Na sequência dessa agressão o arguido V… formulou o propósito de se desforçar dos ofensores, procurando o apoio de três amigos cuja identidade não foi possível apurar.
Para tanto, agindo conjunta e concertadamente, deambularam por várias artérias de Viana do Castelo, em busca dos agressores, utilizando para o efeito o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca “Seat Ibiza”, de cor vermelha, com a matrícula …, pertencente ao arguido V…, e por este conduzido.
Cerca das 3,00 horas, na Praça General Barbosa, avistaram J…, nascido em 17/6/1974, caminhando junto ao Jardim D. Fernando, que reconheceram como sendo um dos agressores do arguido V…, o qual, ao avistá-los se pôs de imediato em fuga.
Apeando-se do veículo automóvel em que seguiam, o arguido V… e os três amigos que o acompanhavam seguiram no encalço de J….
Tendo logrado alcançar J…, que derrubaram ao solo, os quatro desferiram sobre aquele vários murros e pontapés, atingindo-o em diversas partes do corpo, designadamente sobre a cabeça e o tronco.
Enquanto assim procediam, um dos acompanhantes do arguido V… desferiu uma forte pancada sobre a cabeça de J…, com uma chave de cruz que empunhava.
Entretanto, um dos indivíduos que acompanhava o arguido V… apoderou-se das sapatilhas que o J… trazia calçadas, retirou e fez seus o par de sapatilhas que este usava, no valor de € 25,00.
Em consequência dos actos praticados pelo arguido V… e respectivos acompanhantes, J… sofreu: - fractura da parede anterior e lateral do seio maxilar esquerdo; - fractura múltipla dos ossos próprios do nariz, reduzida por ORL; - pneumotórax à esquerda, submetido a drenagem torácica no 4º. EIC esquerdo; - Epistaxis, ferida corto-contusa na região occipital esquerda; - edema peri-orbitário esquerdo; - hematoma torácico esquerdo; - fractura e evulsão de algumas peças dentárias, de que resultou a restauração de um dente e a perda de oito dentes da arcada superior, nomeadamente, os incisivos e caninos, entre outros, que foram substituídos por prótese móvel.
Tais lesões determinaram-lhe trinta dias de doença, com sete dias de incapacidade total para o trabalho.
Sendo que da privação de oito dentes frontais da arcada superior resultou a afectação da capacidade de mastigação/deglutição, bem como uma alteração substancial da aparência facial do ofendido, que assim ficou desfigurado de forma grave e permanente.
O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços com os demais acompanhantes: - com o propósito concretizado de lesar a integridade física do ofendido e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados, designadamente a perda de vários dentes, em decorrência da acção concertada e simultânea de vários pontapés e socos desferidos pelos quatro ofensores sobre o corpo, designadamente a zona bocal, daquele, bem sabendo que dessa forma o privavam de peças dentárias responsáveis por uma das fases da deglutição e lhe alteravam...
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