Acórdão nº 217/08-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução11 de Junho de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I- Relatório No processo comum singular n.º 28/06.7PBGMRdo 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por despacho de 5 de Setembro de 2006 foi rejeitada: b) a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido Jorge C..., com os demais sinais dos autos, na parte em que lhe imputava a prática de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

  1. a acusação particular deduzida pelo assistente José S..., contra o mesmo arguido, na qual lhe imputava a prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo n° 1 do artigo 181º do Código Penal.

    *Inconformados com tal despacho, dele recorreram quer o Ministério Público quer o assistente, rematando as suas motivações com as seguintes conclusões que se transcrevem: *A) Recurso do Ministério Público: «1. No Despacho recorrido fez-se um verdadeiro julgamento de mérito sobre a factualidade constante das acusações.

    1. Nas acusações em apreço descrevem-se com suficiência os factos constitutivos dos crimes imputados ao arguido, seja o crime de ameaça p. e p. pelo art. 153 do Código Penal, seja o crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do Código Penal.

    2. A acusação só pode ser rejeitada por manifestamente infundada, desde que, por forma clara e evidente, seja desprovida de fundamento, por ausência de factos que a alicercem ou porque os dela constantes não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal; ora, nenhuma destas situações se verificam no caso em apreço.

    3. A expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" plasmada na acusação do Ministério Público tem de ser interpretada como claro anúncio de que o arguido pretende infligir um mal futuro, mal este configurador de um crime de homicídio (art. 131º do CP), com completa autonomia face à agressão já perpetrada ou em execução.

    4. Em nosso entender, os autos contêm todos os elementos suficientes que permitem fundamentar a prolação de um despacho que receba as acusações pública e particular na sua totalidade; essas acusações estão alicerçadas em indícios suficientes e são manifestamente fundadas; os factos nela descritos constituem crimes.

    5. No despacho recorrido fez-se um pré-julgamento, o qual que não se coaduna nem com a natureza nem com as finalidades da face processual em causa e do despacho impugnado, previsto no artigo 311° Código de Processo Penal, sem as exigências que caracterizam a audiência de julgamento e os vários princípios que o enformam.

    6. Nesse Despacho recorrido tomou-se posição final sobre o mérito da questão da verificação ou inverificação da prática dos crimes de injúria e de ameaça (p. e p. pelos art.º 181º e 153º Código Penal); o despacho recorrido procedeu a um controle sobre a existência ou inexistência de indícios do crime, o que não lhe é permitido face à nova redacção do artigo 311 ° Código de Processo Penal.

    7. O despacho recorrido violou o artigo 311º Código de Processo Penal e os art.ºs 181° e 153° do Código Penal.» Termina pedindo que “o despacho recorrido de fls. 103 e segs., proferido à luz do art 311° Código de Processo Penal, o qual rejeitou a acusação do Ministério Público no tocante ao crime de ameaça p. e p. art 153° Código Penal e a acusação particular no tocante ao crime de injúria p. e p. art 181 ° Código Penal, seja revogado e substituído por outro que receba essas acusações.”*B) Recurso do assistente «1. O facto de se lançar sobre qualquer pessoa os epítetos de "filho da puta", "paneleiro" e "palhaço" não se trata da mera ~ expressão de um "desagrado", descortesia ou má educação, mas sim de um crime de injúria, sendo certo que o facto de tais expressões serem ditas no âmbito de uma discussão não afasta este entendimento.

    8. Com efeito, a seguir a tese expendida no despacho recorrido, tal equivaleria a descriminalizar o crime de injúria, uma vez que, mal se compreende que as injúrias não sejam proferidas no âmbito de uma discussão, sendo certo que na acusação particular apresentada em nenhum momento se diz que as injúrias tenham sido produzidas no âmbito de uma discussão, antes da mesma, ou depois.

    9. Por outro lado, não se pode afirmar, como se faz no despacho recorrido, que o arguido "(...) não pretendeu, por certo, referir-se ao assistente como sendo uma pessoa pouco digna ou sequer fazer referência à sua orientação sexual", quando não se esteve no local, constituindo meras extrapolações, conclusões e conjecturas sobre os factos participados ajuízo, tanto mais quando é certo que o assistente, como se diz na acusação particular, estava acompanhado pela namorada.

    10. No crime de injúrias, tal como no crime de difamação para que se preencha o elemento subjectivo do crime não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que consciente dessa perigos idade não se abstenha de agir (cfr. o acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 2000, publicado in CJ ano XXV, tomo IV, pago 46).

    11. Basta, por isso, que o arguido impute a outrem factos ou lhe dirija palavras objectivamente injuriosas cujo significado conhece, querendo fazê-lo que se encontra preenchido o crime de injúrias (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Maio de 1996, relatado por Moura Pereira, publicado in www.dgsi.pt).

    12. De facto, "A lei não exige, como elemento do crime de injúria da previsão dos art.ºs 181º n.º1 e 182º do Código Penal, um dano ou uma lesão efectiva da honra ou da consideração. Tratando-se de um crime de perigo basta o perigo de que esse dano possa verificar-se" (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Outubro de 1998, relatado por Costa Mortágua, publicado in www.dgsi.pt).

    13. E, mesmo que se dê como provado que o arguido, ao proferir aquelas expressões, "( . .) não teve como fim ou motivo ajuizar da dignidade do assistente, isso não é suficiente para afastar o elemento objectivo do crime de injúria ", sendo que os epítetos lançados sobre o assistente tratando-se de expressões inequivocamente ofensivas e objectivamente injuriosas estão-lhe normalmente associadas a consciência de ofender, pelo que para afastar o elemento subjectivo do tipo será necessário que se dê como provado que, por qualquer circunstância anormal, o arguido estava impossibilitado de entender e querer o sentido ofensivo daquelas expressões (neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 20 de Janeiro de 1999 que teve por relator Milheiro de Oliveira publicado in www.dgsi.pt).

    14. Da prova trazida para os autos não se consegue discernir quais os hábitos das partes, nem o meio em que estas vivem, nem se nesse meio se usa linguagem menos cuidada.

    15. Mas, mesmo que assim não fosse, tal como defende Faria Costa [em comentário] ao art.º 1810 do Código Penal, in "Comentário Conimbricense ao Código Penal", tomo I, pago 630, há palavras cujo sentido primeiro e último é tido por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração, sendo que em relação a este concreto tipo de palavras não tem sentido invocar o facto de, no contexto sócio,..cultural de uma determinada pessoa, tais palavras não terem a carga pejorativa que normalmente se lhes atribui e isto mesmo que as palavras em causa não tenham significação ofensiva naquele contexto.

    16. Para que se preencha o tipo de crime de injúria basta que o arguido aja com dolo eventual.

    17. Os factos narrados na acusação particular e na pública relativamente ao crime de ameaça são autónomos quanto aos factos relativos ao crime de ofensa à integridade física, sendo que inexistem claramente os pressupostos de que depende a consumpção seja esta pura ou impura, porquanto nem o crime de injúrias, nem o crime de ameaça são crimes-meio relativamente ao crime de ofensas à integridade física, nem protegem, obviamente, o mesmo bem jurídico.

    18. Para que se preencha o tipo legal do crime de ameaça tem de existir a cominação por parte do agente com um mal futuro dependente da vontade do agente, sendo que esse mal tem de dirigir-se contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a auto-determinação sexual ou contra bens de considerável valor.

    19. Os factos narrados na acusação pública são passíveis de preencher o tipo legal do crime de ameaça, porque o arguido ao dirigir ao assistente a expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" queria dizer que em data incerta lhe daria a morte ou molestaria a sua integridade física usando para tal uma arma de fogo, sendo certo que tal expressão é apta para, em concreto, provocar medo, inquietação e prejudicar a liberdade de determinação do assistente, o que o arguido sabia e queria.

    20. Acompanhando o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27 de Março de 2006, proferido em situação idêntica à presente, mas com exibição de arma de fogo, publicado in CJ ano XXXI, tomo II, pago 282 "Para a acusação, a expressão proferida com foros de seriedade, é, de acordo com a experiência comum, adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, mesmo quando acompanhada de uma arma de fogo. O elemento subjectivo encontra-se devidamente caracterizado, alude-se ao dolo como consciência da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado", sendo certo que no caso concreto o arguido nem traria consigo uma arma de fogo.

    21. Pelo exposto, indiciariamente a matéria factual da acusação é susceptível de preencher o tipo legal de ameaça, porquanto os factos aí narrados não consubstanciam tentativa de execução de um qualquer outro crime, nem de um acto de execução do crime de ofensa à integridade fisica, como parece, erradamente, entender-se no despacho recorrido.

    22. Fez-se um errado uso do disposto no art.º 311º, n.ºs 2 al. a) e 3 al. d) do Código de Processo Penal, devendo os autos prosseguir para julgamento, onde com maior profundidade se discutirão os factos narrados nas acusações.

    23. O despacho recorrido violou ou fez errada interpretação...

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