Acórdão nº 806/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução11 de Junho de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, no âmbito do Processo Sumário n.º 575/07.3GAPVL, em que o Ministério Público imputava ao arguido Miguel, com os demais sinais dos autos, a pratica de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, n.º 1 e 69°, n.º 1, alínea a) ambos no Código Penal, por sentença de 16 de Janeiro de 2008, apenas depositada, por ordem judicial, em 22 de Janeiro de 2008, foi decidido, para além do mais: “a) julgo extinto o presente procedimento, ordenando a remessa dos autos para a respectiva delegação do Instituto da Mobilidade e dos transportes Terrestres (IMTT), para ser instaurado o respectivo processo contra-ordenacional.” *Inconformado com tal sentença, o Ministério Público dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1) Entendemos que o Tribunal "a quo', ao não ter atendido à TAS inscrita no talão constante dos autos e, consequentemente, ao ter dado como provado que o arguido conduzia influenciado por uma taxa de 1,15g/l, incorreu em erro notório na apreciação da prova; 2) A detecção da presença e a quantificação de álcool no sangue encontra-se regulada pelo Decreto Regulamentar n.º 24/92, de 30 de Outubro; 3) O artigo 12.° desse Decreto Regulamentar prescreve que só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado, analisadores que obedeçam às características fixadas em Portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da justiça, da saúde e que sejam aprovados pelo Director Geral da Viação, acrescentando o n.° 2 do mesmo inciso legal que a aprovação mencionada é precedida de aprovação de marca e modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento de controlo Metrológico dos alcoolímetros.

4) O controlo metrológico tem como objectivo a certificação do controlo e conformidade metrológica encontrada, bem como garantir a inviolabilidade do instrumento de medição.

5) O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P.Q. que procede às operações de aprovação de modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária -artigo 5.° da referida Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro; 6) Uma vez verificado pelo Instituto Português da Qualidade que o dito aparelho não ultrapassa esses mesmos erros é aposta marca que assegura a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis; 7) Assim sendo, inexiste qualquer fundamento para, em qualquer momento posterior, nomeadamente na ocasião em que o agente de autoridade está a proceder a acção de fiscalização, serem considerados quaisquer valores de EMA a deduzir ao valor apurado pelo alcoolímetro quantitativo. Tais erros máximos admissíveis são valorados e ponderados no momento do controlo metrológico e antes da certificação pelo IPQ ser atestada; 8) Quaisquer deduções que a esta TAS sejam feitas carecem de fundamento legal e memo de suporte técnico-científico; 9) O arguido não pôs em causa a fiabilidade do exame e até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento o aparelho usado no mesmo não suscitou quaisquer dúvidas, o que a ocorrer podia, eventualmente, ter justificado a realização oficiosa de diligências tendentes a esclarecê-las; 10) Deste modo, assente, pois a aprovação do aparelho destinado à medição da taxa de álcool no sangue, por entidade competente, a correcção infundada de valores, com o subjectivismo e, até, a maior incerteza que daí deriva, não é minimamente fundamentada, contendendo em aspectos técnicos relativamente aos quais a decisão recorrida não explicitou adequadamente a sua discordância - cfr. artigo 163º do Código do Processo Penal - remetendo para a aplicação directa de um critério que não é aceitável e cria insegurança e desequilíbrios na ordem jurídica.» Termina pedindo que se determine “a revogação a decisão recorrida e decidir-se pela condenação do arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, n.º 1 e 69°, n.º 1, alínea a) ambos no Código Penal, em pena de multa e em sanção acessória de proibição de conduzir que se entendam adequadas.” *O arguido não apresentou resposta ao recurso.

*O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 30.

Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se pela procedência do recurso.

*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.

*II- Fundamentação 1.

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição) «No dia 25/12/2007, pelas 03.43 horas, na E N 103, Arcas, Rendufinho, Póvoa de Lanhoso, o arguido conduzia o veiculo automóvel com a matrícula DZ, com uma taxa de álcool no sangue efectiva de 1,15 gramas por litro, correspondente à TAS detectada de 1,24 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível do respectivo aparelho»*B) Convicção (transcrição) «O arguido reconheceu a prática dos factos referidos III – 1.1.- A convicção assentou, ainda, no registo do exame quantitativo de álcool constante de fls. 5 (deduzido o erro máximo admissível), e no teor do CRC de fls. 12.- O tribunal apurou o valor de 1,15 g/l, deduzindo o erro máximo admissível do cinemómetro, por aplicação da portaria nº 748/99, de 13-08 – cf. documentação do Instituto Português da Qualidade junta à circular nº 89/2007, do C.S.M.» *2.

Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).

Neste recurso, a única questão a apreciar e a decidir respeita às margens de erro dos alcoolímetros.

Com efeito, não obstante o exame a que o arguido foi sujeito ter acusado uma taxa de alcoolemia de 1,24 g/l, e de o tribunal ter reconhecido que lhe foi detectada aquela Taxa de 1,24 g/l, o mesmo tribunal deu como provado que no circunstancialismo apurado o arguido conduzia o veículo com uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,15 g/l, por àquele valor de 1,24 g/l dever ser “deduzido o valor de erro máximo admissível do respectivo aparelho” É contra esta conclusão que se insurge o Ministério Público que entende que o Tribunal "a quo', ao não ter atendido à TAS inscrita no talão constante dos autos e, consequentemente, ao ter dado como provado que o arguido conduzia influenciado por uma taxa de 1,15g/l, incorreu em erro notório na apreciação da prova.

*3. A questão da margem de erros dos alcoolímetros §1.Conforme resulta da motivação da decisão de facto que acima ficou transcrita “O tribunal apurou o valor de 1,15 g/l, deduzindo o erro máximo admissível do cinemómetro, por aplicação da portaria nº 748/99, de 13-08 – cf. documentação do Instituto Português da Qualidade junta à circular nº 89/2007, do C.S.M.”.

Mas foi ao efectuar o enquadramento jurídico dos factos considerados provados, que o tribunal recorrido verdadeiramente explicitou o seu raciocínio, ao referir que: «O arguido circulava com uma taxa real de 1,15 g/l.

Afigura-se-me que esta conclusão não necessita da produção de qualquer outro meio de prova.

Efectivamente, a ciência e a sua aplicação (a técnica) em nenhuma circunstância quando apresentam resultados pode deixar de, ao mesmo tempo, apresentar também as respectivas margens de erro.

Isto é válido para os aparelhos e para as experiências mais sofisticadas (por exemplo, testes genéticos), mas também a nível mais elementar, como a detecção do teor de álcool no sangue através do ar expirado.

Ao aplicador cabe, portanto, ter em conta esta realidade e, ao apreciar os factos, ter em conta as respectivas margens de erro previstas na lei.

Não se diga que o resultado obtido pelo aparelho tem já em conta a dedução da margem de erro.

É que é a própria lei que o resultado obtido deve ser lido tendo em conta as respectivas margens de erro.» Não pode sufragar-se tal entendimento.

Nem a lei, nem a ciência, nem a técnica consentem tal argumentação.

*§2. A questão da margem de erros dos alcoolímetros tem sido abundantemente tratada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

Como já tivemos oportunidade de salientar nos Acs desta Relação de 14 de Maio de 2007, no proc.º...

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