Acórdão nº 2180/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelESTELITA MENDONÇA
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, os Juízes da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO: Tribunal Judicial de --- (proc. comum singular 47/04.8TAVLN) RECORRENTE: F (Arguido) RECORRIDO : Ministério Público OBJECTO DO RECURSO : Por sentença de 24/07/2007 proferida nos autos (fls. 380 a 395) foi decidido condenar o arguido F pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180 e 183 n.º 2 do C. penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 7,00 €, e ainda julgado parcialmente procedente o Pedido de Indemnização Cível formulado.

Inconformado com essa decisão, interpôs o arguido o presente recurso, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: (seguem-se 125 conclusões)***Admitido o recurso, o magistrado do M.P.º na 1.ª instância pugna pela manutenção da decisão, apresentando para tal as seguintes conclusões: 1. Não existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; 2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consignado no art. 127° do Código de Processo Penal; 3. Não existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; 4. Não existe erro notório na apreciação da prova; 5. Não foram violados quaisquer preceitos legais, designadamente os artigos 14°, 180°, 183°, do Código Penal, 3°, n° 1, 146°, n° 1 e n° 2, e 132°, n° 2, al. g), do Código Penal, e 37.º, 38°, e 42°, e 410° do Código de Processo Penal.

Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo M.mo Juiz a quo na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo arguido F improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.

***Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***Foi cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP, tendo sido apresentada a resposta de fls. 699 pelo assistente, pugnando pela manutenção do julgado.

***Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência com o legal formalismo, nada obstando ao conhecimento dos autos.

*** Como é sabido, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – cfr. Art. 412, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Assim, as questões a decidir são: - Erro na apreciação da prova com Violação do in dúbio pró reo - Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - Contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação - Inconstitucionalidade por violação da liberdade de expressão Cumpre agora decidir: São os seguintes os factos dados como provados e não provados e respectiva motivação: “Factos Provados: 1) Em meados do mês de Janeiro de 2004, o arguido F, no exercício das funções de Director do jornal "V" redigiu e publicou o editorial que integrou a edição de 21 de Janeiro de 2004, do referido jornal ao qual correspondeu o n° 1135, junto aos autos, e o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido para os efeitos legais.

2) O título dado ao referido editorial foi "Vaidade patética ao bom gosto da inutilidade", e o texto começava com a expressão "Olá rapariga, que dizes há vida . . . " .

3) "Olá rapariga, que dizes há vida.. ." é uma expressão utilizada, desde há largos anos pelo assistente, FB, o qual a utiliza no trato com pessoas do sexo feminino com quem tenha relações de confiança, utilizando a mesma expressão nas suas conversas, sendo a mesma unanimemente associada ao assistente pelas pessoas que o conhecem e das suas relações.

4) Após a publicação do editorial referido em 1) e 2) algumas de pessoas abordaram o assistente directamente como sendo o visado e o destinatário concreto do mesmo.

5) No referido editorial, após a expressão "Olá rapariga, que dizes há vida”, refere-se: “..., a afectuosidade; desta expressão não corresponde à sinceridade da generalidade de um vulgar autor que a utiliza para deliberadamente nivelar por baixo os seus interlocutores, tornando-os submissos a propostas pouco claras ( . . ) este comentário vem a propósito da postura insuportável com que sertas personagens entenderam condicionar a imagens de marca que desrespeita todos, de forma muito especial os mais comuns dos cidadãos do mundo rural. Num estilo prepotente e mal educado.

6) A serta personagem a que o arguido se refere é o assistente, o qual vulgarmente utiliza a expressão "Olá rapariga, que dizes há vida,. . .", como acima referido.

7) O arguido inseriu ainda no referido editorial a seguinte frase: "(. . .) tudo abaixo de mim, porque eu até já fui um grande mandatário eleito".

8) O assistente já foi eleito Presidente da Câmara Municipal de --- em mandato anterior.

9) Mais se diz no referido editorial: "( . . . ) e pertença a uma educação em que o chã só chegava a alguns, e onde o meio obscurantista dos que se achavam com um olho aberto faziam de todos os outros cegos irrefutáveis seres vegetantes. Onde o "curso superior", do tal banco de faculdade marcado, muitas vezes, a troco de brutos cabazes de bons produtos das colheitas caseiras, deliciavam os profes dos filhos dos grandes latifundiários (. . .)".

10) O arguido no dia 4 de Fevereiro de 2004, novamente no Jornal "V", num novo editorial, voltou a referir e a visar directamente o assistente, tendo escrito o seguinte: "(.. .) normalmente o mais imbecil está sempre voluntário para prestar o serviço mais sujo (. . .) tal como nos grupos de larápios e malfeitores. Recentemente tenho sido, por gente dessa estirpe sujeito a tentativas de perfeito assassinato social. Não sendo esta a primeira nem a segunda tentativa, desta vez os protagonistas principais, são indivíduos que, para mim, pertenciam a outro grupo mais elevado do comportamento social. Fiquei deveras decepcionado. Tendo um enviado uma carta a autarcas num churro de "revelações” tentando-me colar a atitudes indignas. Foi assim que o já tinha feito anteriormente em campanhas de marketing político, sem escrúpulos. Como nas últimas e repetidas tentativas não me conseguiu aniquilar voltou à carga. Da atitude deste e de outros, que entretanto já vinham preparando caminho, só lhes posso dizer que ingratidão e hipocrisia são vocábulos que me repugnam e me fazem ter pena.

" 11) Os citados editoriais e expressões neles utilizadas, são susceptíveis de por em causa o bom nome, honra e consideração do assistente.

12) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, não se coibindo, porém, de a levar a cabo.

Mais se provou: 13) O assistente exerce medicina no concelho de ---, como clínico geral, há mais de 20 anos, sendo uma pessoa conhecida a nível do concelho:"; 14) O assistente é natural de ---, tendo aí sido criado.

15) O escrito pelo arguido no jornal "V" nos termos acima mencionados foi comentado, constituindo nos tempos seguintes um dos temas de conversa, quer em locais públicos, quer no local de trabalho do assistente, o qual coincide com o do arguido (Centro de Saúde de ---).

16) O Jornal "V" tem uma média de cerca de 2500 exemplares por edição.

17) O facto das expressões terem sido propagadas por jornal desgostou ainda mais o assistente, o qual se sentiu vexado, insultado e ofendido na sua honra dignidade e bom-nome, tendo sido abordado por diversas pessoas que indagavam junto de si o porquê daquela situação.

18) O arguido a) é enfermeiro no Centro de Saúde de ---, auferindo um vencimento mensal de cerca de €2.014,00; b) é casado, e a sua esposa também é enfermeira, auferindo mensalmente a quantia de € 2,014,00, a título de pensão; c) habitam em casa própria pela qual uma prestação de empréstimo bancário contraído para aquisição da mesma, no montante mensal de cerca de €1.200; d) têm três filhos a cargo; e) é bacharel em enfermagem; f) Do CRC do arguido nada consta.

2- Factos não Provados: Não se provou: 1) que o arguido nunca tenha ouvido o assistente proferir a expressão "Olá rapariga, que dizes há vida...” 2) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação particular, contestação e no pedido de indemnização cível ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

3- Convicção do Tribunal: A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados, baseou-se, fundamentalmente: - nos editoriais dos jornal "V" de 21 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2004, juntos aos autos; - no depoimento do arguido F, que começou por referir que a expressão "Olá rapariga"' é muito vulgarmente utilizada. No mais, o seu depoimento não se afigurou minimamente credível tanto mais que começou por afirmar que nunca ouviu o assistente proferir a expressão "Olá rapariga, que dizes há vida. . ,", o que, não só foi contrariado, de forma peremptória pelo assistente, pelas testemunhas inquiridas, e também pelo facto de ambos terem e trabalharem juntos, sendo, e como resultou provado, que tal expressão é vulgarmente utilizada pelo assistente, é também vulgar e normal, e também segundo as regras da experiência comum, que o mesmo a tenha ouvido ser proferida pelo assistente. Também não logrou convencer o facto afirmado de que 'tais editoriais encerrariam uma Crítica social abstracta e genérica, e que não identificariam quaisquer visados, referindo-se, o primeiro, aos caciques, e, o segundo, como sendo uma experiência pessoal. Tal não logrou convencer o tribunal porque desde logo, e atento todo o circunstancialismo e realidade local da Vila de ---, e após uma leitura mais cuidada dos mesmos, visam atingir uma certa pessoa, designadamente o assistente, já que muitas expressões ali utilizadas apontam nesse sentido e se dirigem, em concreto, ao assistente. Prestou ainda declarações quanto à sua situação sócio-económica, que se revelaram credíveis.

- no depoimento do assistente FB, o qual é médico no Centro de Saúde de ---, e se encontra de relações cortadas com o arguido, e que pese embora tal facto, referiu que os referidos editoriais se destinaram a atingir a sua honra...

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