Acórdão nº 1060/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução08 de Setembro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, no âmbito do Processo Comum Singular nº 2349/06.0TAGMR, por sentença de 22 de Janeiro de 2008, o arguido A, com os demais sinais dos autos, foi absolvido da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1, alínea a), do Código Penal e 100º, nº 1, do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º nº 177/2001, de 4 de Junho.

*Inconformado com tal sentença, o Ministério Público dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1 - Vem o presente recurso da sentença proferida nos autos acima referenciados que absolveu o arguido da prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.°, n.º1, alínea a), do Código Penal, com referência aos artigo 100.° e 109°, ambos do Dec.-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, adiante designado pela sigla "RJUE"; 2 - Na sentença ora posta em crise, a Mm.a Juiz a quo deu como não provado "que a ordem em causa tivesse legalidade substancial e formal; que a autoridade administrativa em causa tivesse competência e poderes para a emissão dessa ordem e fosse regular a sua transmissão ao arguido", na consideração que a entidade que ordenou a cessação de utilização não tinha competência para o efeito, em razão do que não está verificado um dos elementos do tipo; 3 - In casu, não se discute e nem está em causa quer a qualidade em que interveio o arguido, a falta de emissão de alvará de utilização para aquele fim, a concreta ordem de cessação de utilização, a notificação do despacho que determinou a aludida cessação de utilização e a constatação que o arguido, após tal notificação, continuou a utilizar o espaço em apreço como sala de jantar.

4 - Também não se discute, porque inequívoca, a existência de disposição legal que comina a punição da desobediência simples, subsumindo-se assim a priori a conduta do arguido na previsão da norma incriminadora do artigo 348.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, in casu aquele artigo 100.°, n.º 1, do RJUE.

5 - A questão colocada com o presente recurso passa por determinar se a competência para ordenar a cessação de utilização de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos e das posturas, conferida ao Presidente da Câmara e prevista no RJUE, pode ou não ser delegada nos Vereadores.

6 - E salvo o devido respeito, a despeito da delegação de competência atribuída ao Presidente da Câmara Municipal no artigo 109°, n.ºl do RJUE não estar concreta e expressamente prevista nesta particular norma e subsecção em que se insere, é nosso modesto entendimento que tal delegação tem plena consagração quer no próprio RJUE quer ainda na Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro; senão, vejamos: 7 - Na verdade, na integração e interpretação do RJUE, designadamente, com recurso às disposições gerais (subsecção I) que regulam a secção onde se integra a subsecção denominada ‘Medidas de tutela da legalidade urbanística' (subsecção lIl) pode-se desde logo afirmar que a competência estabelecida no artigo 109.°, n.º 1 ao Presidente da Câmara é delegável em qualquer vereador nos termos previstos no artigo 94.°, n.º1; 8 - Pelo que a ordem emanada pelo Vereador da Câmara Municipal de Guimarães e constante do despacho inserto a fls. dos autos, se deverá considerar plenamente válida, do ponto de vista formal e substancial, tendo sido emanada da entidade com competência para o efeito.

9 - Contudo, mesmo que assim se não entendesse, importa analisar de modo completo a questão abrangendo também o que está estatuído na Lei n.º 169/99, de 18/9, que nos parece essencial para a boa decisão da causa, diploma esse que não foi considerado nas decisões em que se sustentou a sentença ora em crise.

10 - A Lei n.º 169/99, de 18/09 é a lei quadro de competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias que define a base do regime jurídico em causa, sendo que no artigo 68. ° estão previstas as competências do Presidente da Câmara Municipal e no artigo 69°, n.º2 prevê-se expressamente a possibilidade de delegação e subdelegação dos poderes de competência própria ou delegada do Presidente da Câmara Municipal; 11- O legislador na Lei n.º 169/99 pretendeu claramente atribuir ao Presidente da Câmara Municipal a decisão de delegar quaisquer das suas competências, sem impor limites, ao contrário do que sucede com as competências da própria câmara municipal.

12 - Esta lei constitui lei de valor reforçado - cfr. artigo 112.°, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa - ou ainda que assim se não entenda, por ser uma lei que define a base do regime jurídico em causa sempre gozaria da tutela que também é reforçada no n.º2 do citado preceito, pelo que, assim visto, ao RJUE nunca se poderia atribuir (ainda que em tese, pois que entendemos que o mesmo o não faz) características para limitar os poderes de delegação e subdelegação previstos na Lei n.º 169/99.

13 - Estando assim previstas no artigo 68.°, n.º2, al. m) da Lei n.º 169/99, lei quadro de competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias que define a base do regime jurídico em causa, aquelas mesmas competências definidas no RJUE e no artigo 69.°, n.º 2 da Lei n.º 169/99 a possibilidade de delegação, o RJUE não precisa de prever expressamente a delegação de competência; 14 - Nestes termos, a delegação de competência do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães a favor do Vereador em causa é juridicamente relevante e produz os seus efeitos legais; 15 - Pelo que é plenamente válida a ordem emitida no despacho proferido pelo vereador da Câmara Municipal de Guimarães no uso das competências que lhe foram delegadas por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães datado de 07/06/2004, que ao abrigo do disposto no artigo 109.°, do RJUE ordenou a cessação da utilização do aludido espaço como sala de jantar; 16 - Ordem essa devida e regularmente comunicada ao arguido, com a advertência de que o desrespeito a tal ordem constitui crime de desobediência, nos termos do artigo 100.° do RJUE e 348.°, n.o 1, alínea a) do Código Penal; 17 - Uma vez que o arguido não cumpriu tal ordem de cessação de utilização, prosseguindo a utilização daquele espaço, tendo conhecimento da legitimidade da ordem, que sabia proveniente da autoridade competente e que agiu de vontade livre e consciente, com o propósito de não acatar a ordem emanada pelo Vereador da Câmara Municipal no exercício das suas funções, bem sabendo que a mesma fora dada por entidade competente, era legal, legítima, a ela devia obediência e que a sua conduta não era permitida, cometeu o crime de desobediência que lhe é imputado nos presentes autos e por isso deve ser condenado.

18 - Ao ter decidido da forma que o fez o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 94.°, n.ºl, 109° e 100° do RJUE, 68.°, n.º2 e 69.° da Lei n.º 169/99, de 18/09, e artigo 348.°, n.ºl, alínea a) do Código Penal.

19 - Deverá, por isso, o arguido ser condenado pela prática do aludido crime; e, atendendo às regras de determinação da medida concreta da pena, tendo em mente a primazia que deve ser dada à pena de multa, em detrimento da pena de prisão, entendemos ser justa e adequada a fixação de uma pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 4, num total de € 240.

Termina pedindo que seja revogada “a sentença recorrida e em consequência ser condenado o arguido pela prática de um crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 348º, n.º1, alínea a) do Código Penal, com referência aos artigos 100º e 109º do RJUE, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €4”*O arguido não respondeu ao recurso.

*O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 122.

*Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

*Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência pelo que cumpre conhecer.

*II- Fundamentação 1.

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição): 1 - O arguido é proprietário da fracção I do prédio sito na Rua N, nesta comarca, licenciado pelo alvará de utilização nº ---/98 para garagens e arrumos.

  1. Desde 14-06-2000 o arguido vem utilizando a referida fracção como sala de jantar, de apoio ao estabelecimento de café que explora na fracção D do aludido prédio, sem que tivesse requerido a respectiva legalização, não obstante ter sido devidamente notificado para o efeito.

  2. Em 18-03-2005 e na sequência do despacho proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, foi o arguido pessoalmente notificado para, no prazo de 60 dias, cessar a utilização da fracção "i", conforme certidões de fls. 18 e 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática do crime de desobediência.

  3. O arguido ficou ciente da obrigação que sobre si impendia de, no prazo que lhe fora estipulado, cessar a utilização da sobredita fracção, bem como das consequências do incumprimento da ordem que lhe fora transmitida.

  4. O arguido continuou a utilizar aquela fracção como sala de jantar 5. O arguido actuou consciente, livre e voluntariamente, ciente da decisão que determinou a cessação da utilização da fracção "I" para fim diverso daquele para o qual havia sido concedida a licença de utilização nº 1345/98, conforme fora pessoalmente...

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