Acórdão nº 2137/05-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO ELEUTÉRIO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

* O Magistrado do Mº Pº determinou o arquivamento dos autos de inquérito nos seguintes termos: Começaram os presentes autos de inquérito com a queixa apresentada por Ricardo F... contra Manuel V... e Jorge M..., que foram constituídos como arguidos nos autos, denunciando os seguintes factos (tal resulta de toda a análise da prova carreada e não apenas da queixa): No dia 30 de Julho de 2003, cerca das 21.00 h., quando se aprestava para retirar o seu veículo da sua residência, sita no lugar do Mortal, Cristelo, em Barcelos, e na sequência dos já longos desentendimentos existentes entre si relacionados, para além do mais, com o estacionamento de viaturas automóveis naquele local e com um caminho de servidão, o arguido Jorge Manuel dos Santos, munido com uma navalha, objecto que não foi possível examinar porque não foi apreendido, fez um risco com cerca de 20 centímetros na parte traseira, junto ao farolim esquerdo, daquele veículo e, de seguida, disse-lhe que o matava, enquanto brandia aquele objecto (estes factos, porque da mesma natureza, serão apreciados conjuntamente com aqueles ocorridos no dia 28 de Agosto de 2003 - c/r. infra).

Os factos descritos são susceptíveis de integrar (para além de um crime de dano p" e p" pelo art° 212°, n" l, do Código Penal, que irá ser imputado ao arguido em sede de libelo acusatório - cfr. infra) a prática por parte do arguido Jorge M... de um crime de ameaça p° e p° pelo art° 153°, n° l e n° 2, do Código Penal.

*** No dia 26 de Agosto de 2003, cerca das 18.30 h., no lugar de Mortal, Cristelo, em Barcelos, o arguido Manuel V... deu-lhe um encontrão, motivando a sua queda, e, de seguida, procurou através de apertos no seu tórax e ombros, atirá-lo para uma vala com cerca de quatro metros de profundidade, o que não logrou conseguir uma vez que selpôs em fuga. Dessas agressões não recebeu qualquer atendimento hospitalar.

Tal factualidade é passível de integrar a prática por parte do arguido Manuel V... de um crime de ofensa à integridade simples p° e p° pelo art° 143°, n° 1, do CódigoPenal.

*** No dia 28 de Agosto de 2003, cerca das 20.00 h., quando saiu do seu local de trabalho, na Póvoa de Varzim, com destino à sua residência, sita no lugar de Hortal, Cristelo, em Barcelos, foi perseguido por ambos os arguidos, sendo que Manuel V... (que o fez desde um pouco antes de Barqueiros) se fazia transportar num veículo de marca Renault, modelo 4 L, matrícula OG-06-9..., e Jorge M... (que o fez desde a Povoa de Varzim) se fazia transportar num veículo de marca Peugeot, modelo 205, matrícula OH-06-7....

Segundo o queixoso, os arguidos fizeram uma condução perigosa, tendo inclusivamente o arguido Jorge M..., que chegou a fazer vários gestos intimidatórios, quase encostado o veículo que conduzia ao seu.

Ainda de acordo com aquele, tal perseguição só terminou quando resolveu dirigir-se às bombas de combustível de Barqueiros, local onde os arguidos estacionaram os seus veículos um atrás e outro à sua frente para o provocar. Então, o arguido Jorge M..., que estava à sua frente, abandonou o veículo e dirigiu-lhe a seguinte expressão : "estás fodido comigo que eu mato-te ".

Os referidos factos são susceptíveis de consubstanciar a prática por parte dos arguidos Manuel V... e Jorge M... de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p° e p° pelo art° 291°, n° l, ai. b), e ainda do arguido Jorge M... de um crime de ameaça p° e p° pelo art° 153°, n° l e n° 2, todas as disposições do Código Penal.

*** Do crime de ofensa à integridade simples u" e D" pelo art° 143°, n" l, do Código Penal (factos ocorridos no dia 26 de Agosto de 2003 e alegadamente praticados pelo arguido Manuel V... ) : Antes de mais cumpre dizer que a fls. 16o arguido negou a prática dos factos.

De todas testemunhas arroladas, Ernesto V... (tio do queixoso e irmão do arguido), Maria M... (tia do queixoso e cunhada do arguido), Abel V... (sogro do queixoso e irmão do arguido) e Sandra V... de Faria (mulher do queixoso e sobrinha do arguido), apenas Abel V... disse a fls. 12 que o queixoso e o arguido, naquela altura, se encontravam "embrulhados " mas que entretanto cada qual seguiu o seu caminho ! De facto, as restantes testemunhas indicadas nada sabem sobre tais factos.

Uma vez que o depoimento de Abel V..., aliás como todos os outros, se nos ofereceu algo pobre, foi o mesmo reinquirido nesta Procuradoria da República a fim de precisar tais factos. Assim, a fls. 44 a testemunha prestou novo depoimento e, mais uma vez, ficamos com sérias reservas sobre o seu conteúdo. É que, desta feita, Abel V... disse ter visto o arguido a ir contra o queixoso, atirando-o ao chão, pelo que "... foi ao seu encontro e o arguido retirou-se do local". Cremos que esta versão dos factos se revela manifestamente pouco credível, quer porque a forma como descreve o sucedido não é normal, já que o lógico seria ao ir socorrer o queixoso ter-se também envolvido em confronto físico, quer porque não confirma de forma alguma o que disse o queixoso quando referiu que o arguido o tentou empurrar para uma vala com quatro metros de profundidade.

Sobre o teor deste depoimento, o de Abel V..., dir-se-á ainda que se encontra de relações cortadas com o arguido, situação que deve ser ponderada na avaliação da sinceridade do seu depoimento.

Por outro lado, nem sequer existem quaisquer elementos clínicos (não se olvide que a hipotética existência destes elementos em nada legitimaria um raciocínio de culpabilidade do arguido) que sustentem a imputação de agressões ao arguido perpetradas na pessoa do queixoso, circunstância sempre importante para aferir da verificação de eventuais lesões corporais. Mas mesmo que existissem há que constatar que nem sempre tal se mostra suficiente para estabelecer um nexo causal entre um hipotético comportamento do arguido e as efectivas lesões ! Nesta conformidade, e não vislumbrando a realização de diligências tidas por úteis, determino o arquivamento dos autos, nesta parte (quanto ao crime de ofensa à integridade física simples imputado pelo queixoso ao arguido Manuel V... ) e por carência de indícios, nos termos do disposto no art° 277°, n° 2, do Código de Processo Penal.

*** Do crime de condução perigosa de veículo rodoviário pº e pº pelo artº 291°, nº 1, al. b), do Código Penal (factos ocorridos no dia 28 de Agosto de 2003 e alegadamente praticados por ambos os arguidos): No que a este ilícito concerne mais uma vez urge constatar que ambos os arguidos negaram a prática dos factos.

As testemunhas que a este respeito se pronunciaram, nomeadamente Abel V... e Sandra V... de Faria, respectivamente sogro e esposa do queixoso, referiram que este lhes telefonou a dizer que estava a ser perseguido pelos arguidos. Ou seja, nada presenciaram! Mas, mesmo assim, cremos ser oportuno l tecer algumas considerações sobre estes depoimentos. De facto, e considerando ter efectivamente existido uma perseguição automóvel pêlos arguidos ao queixoso que tenha colocado em perigo, nomeadamente a vida ou a integridade física deste, e de acordo com as regras da experiência, afigura-se-nos algo inverosímil que alguém tenha o à vontade suficiente para nessas condições telefonar a pedir ajuda. O normal, isso sim, é tentar-se fugir ou parar, aliás o que o queixoso parece ter feito.

Por outro lado, o arguido Jorge M..., que segundo o queixoso o perseguiu desde a Póvoa de Varzim, referiu a fls. 18 que nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar o queixoso é que vinha atrás de si na E.N. que liga a Póvoa de Varzim a Barcelos, tendo-o inclusivamente ultrapassado e guinado para o seu lado direito obrigando-o a ir para a berma a fim de evitar o embate. Posteriormente, e como o queixoso parou nas referidas bombas de combustível, o arguido, na sua versão, foi atrás de si para pedir explicações, sendo que nessa altura ter-se-á dado um ajuntamento no referido local, aí se encontrando também quer o outro arguido quer o sogro do queixoso, a testemunha Abel V....

Posto isto, apenas uma certeza se extrai deste emaranhado de afirmações e contra--afirmações: a de que pelo menos o arguido Jorge M... e o queixoso terão circulado naquela E.N. nas condições de tempo e de lugar supra descritas, sendo que é manifestamente impossível, para não dizer pouco prudente, sustentar quem é que está a falar a verdade.

Pelo exposto, e não vislumbrando a realização de diligências tidas por úteis, determino o arquivamento dos autos, nesta parte (quanto ao crime de condução perigosa de veiculo rodoviário imputado pelo queixoso a ambos os arguidos) e também por carência de indícios, nos termos do disposto no art° 277°, n" 2, do Código de Processo Penal.

*** Dos crimes de ameaça previstos e punidos pelo art" 153º, nº 1 e nº 2, do Código Penal (factos ocorridos nos dias 30 de Julho e 28 de Agosto de 2003 e alegadamente praticados pelo arguido Jorge M...): Tais factos foram refutados pelo arguido, sendo que as testemunhas Abel V... e Sandra V... de Faria, sogro e esposa do queixoso, referiram ter ouvido o arguido a dirigir-se ao queixoso proferindo as aludidas ameaças. Isto, porém, só quando foram inquiridos nesta Procuradoria da República (fls. 42 e 44) já que quando foram inquiridos na G.N.R. nada disseram (fls. 12 e 13). Não deixa de ser curioso, ainda, que as expressões referidas pelo queixoso não são coincidentes corn aquelas que as testemunhas terão ouvido.

Por outro lado, as testemunhas Ernesto V... e Maria M..., quer em sede da inquirição efectuada na G.N.R. quer durante aquela realizada nesta Procuradoria da República, não referiram ter o arguido dirigido quaisquer ameaças ao queixoso nas referidas situações.

Acresce a tanto a circunstância de a esposa do queixoso, que foi ao local (factos ocorridos em 28 de Agonio) na mesma viatura de seu pai, a testemunha Abel V..., ter referido não ter ouvido o arguido a dirigir quaisquer ameaças ao queixoso (fls. 42).

Assim, sempre se dirá que inexistem certezas que o...

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