Acórdão nº 32/10.0GBGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução23 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Nestes autos de processo sumário n.º 32/10.0GBGMR, a correr seus termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, o arguido Porfírio L..., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), o que perfaz o montante global de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros), bem como na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, a) do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) meses.

São do seguinte teor as conclusões da motivação que apresentou (transcrição): i. Encontra-se erradamente julgada a matéria constante da alínea h) da matéria de facto provada.

ii. A resposta a este ponto concreto deveria ter sido não provado.

iii. Ou em alternativa provado apenas que “ao arguido não foi explicado que a recolha de sangue que lhe foi realizada no hospital, se destinava a servir de teste de pesquisa de álcool”.

iv. O depoimento do agente da GNR não pode merecer total credibilidade quanto à alegada informação prestada ao arguido sobre a realização da recolha do sangue.

v. Desde logo porque a colheita foi realizada 10 minutos após a entrada do arguido no Hospital e nessa altura a testemunha de forma alguma poderia estar presente no local; vi. Terá estado, isso sim, em momento posterior ao da recolha.

vii. Isto porque depois de o arguido e a sua namorada serem levados para o hospital, o agente ainda ficou no local do acidente a recolher elementos e a fazer as medições para a elaboração da participação do acidente de viação e ainda esteve à espera que chegasse um amigo do arguido para tomar conta da viatura.

viii. Pelo que chegou bastante mais tarde ao hospital.

ix. E muito menos teria tido tempo para fazer as diligências que refere, ainda antes da recolha, como seja, a tentativa de realização do exame por ar expirado, e, dada a impossibilidade da sua realização, toda a explicação que diz ter feito ao arguido.

x. Tudo isto em menos de 10 minutos é manifestamente impossível e se o fez, foi já depois de realizada a recolha.

xi. O arguido não deu consentimento para que se procedesse a qualquer recolha de sangue para análise da taxa de alcoolemia.

xii. O Arguido nunca permitiu a recolha de sangue, nomeadamente para outros fins que não puramente médicos, nem para estes deu o seu consentimento.

xiii. Do relatório completo de urgência constante de fls ...., e junto aos autos com o requerimento de abertura de instrução, consta que terá sido a Ex.ª Sr.ª Dr.ª Sara A..., quem “por indicação do Chefe de Equipa, assinou as requisições da GNR para recolha de sangue”.

xiv. Ou seja, a recolha de sangue para a realização de apuramento de taxa de alcoolemia, ocorreu totalmente à margem do Arguido, não se sabendo ao certo quem autorizou a mesma e mesmo quem a realizou, já que, todas as testemunhas ouvidas referiram em Tribunal não se recordarem da situação concreta, a apenas referiram os modos normais e habituais de actuação.

xv. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

xvi. O nosso ordenamento jurídico considera tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova que consagrou, constitucionalmente, no artigo 32º, a nulidade das provas obtidas por meios que, de uma forma ou de outra, violam a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.

xvii. Não pode considerar-se estado de direito democrático o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios constitucionalmente consagrados.

xviii. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova implica, necessariamente, uma violação da integridade física da pessoa.

xix. Contudo, o art. 18º da CRP prevê, no seu teor, a restrição a direitos fundamentais e individuais dos cidadãos.

xx. Entre eles, poderá até o legislador integrar o dever de todo o condutor ser submetido a exame de detecção do estado de influenciado pelo álcool, sempre sem prejuízo de o condutor poder recusar o exame ou a colheita de sangue, consoante o método que no caso couber ou for necessário realizar.

xxi. Logo, o é válido o argumento de que a colheita de sangue não será, necessariamente, um “acto invasivo” no corpo do condutor, por não traduzir qualquer dor relevante, prejuízo para a saúde ou qualquer outro malefício que aconselhe clinicamente, a sua não prática.

xxii. Podendo, por outro lado, estar em causa um superior interesse de natureza e ordem pública, de o Estado acautelar, punindo criminalmente, se necessário, a condução sob o estado de influenciado pelo álcool.

xxiii. Podendo ainda estar em causa eventual interesse legítimo e relevante de terceiro lesado com a conduta do condutor, não sendo indiferente para averiguação da eventual culpa, o estado de influenciado ou não pelo álcool, do condutor.

xxiv. No entanto, da obrigação de sujeição à pesquisa de álcool pelo meio que for possível, incluindo a recolha de amostra de sangue, todo o condutor deve estar esclarecido, antes da situação ocorrer.

xxv. Este deverá ter à sua disposição a possibilidade de recusar a recolha da amostra.

xxvi. Sendo a colheita de sangue apenas mais um meio, entre vários, e que nem será o primeiro a realizar-se, para obter o fim último que é a averiguação do estado de influenciado pelo álcool do condutor.

xxvii. A lei positiva vigente à data dos factos, ainda não dava uma resposta a esta situação porquanto a mesma se encontrava ferida de inconstitucionalidade orgânica.

xxviii. O actual regime dos art.º 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2, todos do Código da Estrada, foram alterados/aprovados por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República.

xxix. Foi realizada uma alteração de regime legal sem que tenha havido também a necessária autorização legislativa quanto a essa mudança.

xxx. Conclui-se, assim pela inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 153º, nº 8, do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro.

xxxi. Inconstitucionalidade orgânica que existe igualmente para o regime de colheita da amostra de sangue com vista à realização da análise, em situação de acidente de viação, o mesmo é dizer do actual regime do artigo 1569, do Código da Estrada.

xxxii. A inconstitucionalidade orgânica parece surgir logo com a alteração do regime ao abrigo do DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, que, como já se anotou, não foi precedido de autorização legislativa sobre esta matéria.

xxxiii. Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, significa que da passagem do regime dos Decretos-leis n.ºs 2/98 e 162/2001 para o regime do DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, existiu uma alteração inovatória, agravando a situação do condutor interveniente em acidente de viação.

xxxiv. Mas acontece que, face à não autorização legislativa sobre a possibilidade de agravação da situação do condutor, ou seja, de que se o condutor recusar a colheita de sangue, praticará um crime de desobediência.

xxxv. Torna a norma ferida de inconstitucionalidade orgânica.

xxxvi. Ora, transpondo todos estes considerandos para o caso dos autos e que supra se descreveu, constata-se que a retirada do direito de o Arguido poder recusar a recolha de sangue padece de inconstitucionalidade orgânica e, sendo assim, o Arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência.

xxxvii. Mas para que o Arguido, no caso concreto, pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender/defender que o mesmo consentiu em tal colheita, forçoso é concluir que o Arguido deverá saber, estar informado do fim a que se destina determinada colheita de sangue.

xxxviii. Pois é sabido e resulta da normal experiência e práticas hospitalares que, nestas situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico é comum.

xxxix. E é de presumir um consentimento ainda que tácito do doente para a recolha do sangue pressupondo que tal colheita se destina a ser usado em seu beneficio.

xl. Donde, é legítimo concluir que, destinando-se a colheita do sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso da análise para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o Arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha.

xli. O que, como se disse, não aconteceu, uma vez que, tal como se disse em sede de impugnação da matéria de facto, nenhum dos médicos ou enfermeiros o fez, e o agente da GNR, mesmo que tivesse informado o arguido da necessidade de recolha de sangue, já o terá feito após a respectiva colheita, pois só depois desta realizada é que o agente chegou ao Hospital.

xlii. É que, se ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico prescreve uma colheita de sangue ao sinistrado.

xliii. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente e deve ser nesta qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que presumido, quanto aos actos médicos.

xliv. Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado, embora prescrita por um médico, não tem, em nosso entender, a natureza de acto médico em sentido estrito, mas sim de um acto ou diligência de prova para efeitos de...

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