Acórdão nº 459/21.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO AA, 2 - BB, 3 - CC, 4- DD, 5 - EE, 6 - FF, 7 - GG, 8 - HH, 9 - II, 10 - JJ, 11 - KK e 12 - LL, intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), Pedido - que sejam os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, bem como todas as consequências legais inerentes; Seja o Réu condenado a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 432.368,50 €, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo pagamento.

Causa de pedir: celebraram com o réu contratos anuais denominados de “ aquisição de serviços de formação” para o desenvolvimento de actividades de formação nas respectivas áreas de cada um, funções que desempenharam ao longo de todo o período contratual; os referidos contratos pretendiam que a relação fosse categorizada como sendo de prestação de serviços, mas a relação material subjacente entre os Autores e o Réu era uma verdadeira relação de trabalho, relação esta que aqueles pretendem ver reconhecida, com as inerentes consequências, invocando para o efeito que: trabalhavam e executavam as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização do réu - IEFP, IP.; era imposta uma disponibilidade e exclusividade total para o exercício das correspondentes funções, pelo menos aquando da celebração dos contratos anuais, havendo horário de trabalho, controlado pelo réu; o local de trabalho era determinado unilateralmente pelo réu; todos os instrumentos de trabalho que utilizavam no desempenho da sua actividade eram fornecidos pelo réu; o réu determinava e impunha quer os procedimentos, quer os métodos de trabalho a serem seguidos pelos autores; encontravam-se na dependência hierárquica e funcional dos quadros do IEFP, IP.; estavam, inclusivamente, sujeitos a auto e heteroavaliação; o réu, através da Direcção do Centro, fixava-lhes prazos para a entrega de relatórios e avaliações; auferiam uma remuneração mensal do réu que era calculada com base no número de horas que leccionavam em cada mês, o que tendo em conta a carga média semanal de 30 horas, conferia a retribuição média mensal de 1.728,00 € (14,40€ x 30h x 4); encontravam-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferiam do réu, com a qual contavam para o pagamento das normais despesas familiares e pessoais; com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de Maio de 2020, os AA. integraram os quadros do IEFP como trabalhadores (de facto e de direito), tendo sido reconhecidos como necessidades permanentes do Estado, trabalhadores subordinados do IEFP, sendo a relação laboral regulada pelo Código do Trabalho, a partir de 1 de Maio de 2021; mas, porque anteriormente já eram trabalhadores do Réu, pretendem ver reconhecido tal estatuto assim como todas as consequências que daí advenham, nomeadamente, o pagamento dos créditos laborais peticionados, a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição.

A ré contestou, por excepção e por impugnação. Arguiu as excepções de incompetência material e de abuso de direito (tutela da confiança, no venire contra factum proprium e no tu quoque). No mais, impugna a matéria e sustenta a total improcedência da acção. Explicita que a partir de 1.05.2020 os AA celebraram contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, em resultado da conclusão com sucesso de procedimentos concursais de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP, Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro). Este diploma, porém, distingue as pessoas abrangidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas das pessoas abrangidas pelo Código do Trabalho (art.s 2º, 1 e 14, 1.º). Apenas nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho é possível o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes. O IEFP, I. P. é uma entidade pertencente à Administração Indireta do Estado, na qual as relações laborais não são reguladas pelo Código do Trabalho, mas sim pela LTFP, pelo que não lhe é aplicável o artigo 14º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro. Não é possível reconhecer a existência de contratos de trabalho no IEFP, I. P., designadamente para efeitos de integração no PREVPAP. Ademais, não se verifica nenhum dos indícios para que se reconheça a existência de contrato de trabalho. Os contratos de prestação de serviços celebrados entre o IEFP, I. P. e cada um dos Autores revestiram a modalidade de contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido (10, 2, a) da LTFP).

Os AA, quanto ao abuso de direito, responderam que se limitaram a exercer o seu legítimo direito de ver reconhecido um contrato de trabalho que os ligou ao Réu e formulam também, eles próprios, pedido de condenação da ré em litigância de má fé.

Foi declarada improcedente a excepção de incompetência material e, interposto recurso, foi a decisão confirmada pelas instâncias superiores, estando transitada em julgado.

Elaborou-se despacho saneador, onde se fixou matéria assente e enunciou os temas de prova.

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): Nos termos expostos (1) julga-se a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, totalmente procedente, por totalmente provada e, em consequência: § Declaram-se os Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL trabalhadores do Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), mediante contrato de trabalho, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, nos períodos referidos na petição inicial, condenando-se o Réu a reconhecê-los nessa qualidade.

§ Condena-se o Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.) a pagar aos Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 432.368,50 € (quatrocentos e trinta e dois mil, trezentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos), na proporção para cada um dos autores, supra elencada, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo e integral pagamento.

(2) Julga-se totalmente improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelos Autores contra o Réu, do mesmo o absolvendo.

Custas da acção pelo Réu, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Custas do incidente de litigância de má-fé pelos Autores, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C., nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES (DEPOIS DE APERFEIÇOADAS) 1.

… 2.

Não pode o Recorrente conformar-se com o teor desta decisão que considerou provados factos contraditórios entre si, desconsiderou factos que deveriam ser levados à matéria probatória, descurou totalmente as provas apresentadas pelo ora Recorrente e aplicou incorretamente o artigo 334.º do Código Civil e o artigo 11.º do Código do Trabalho; DOS FACTOS PROVADOS: (…) DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: (…) DA FALTA DE VERIFICAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS INDICIADORAS DA EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO LABORAL: 3.

De acordo com a legislação especial reguladora da formação profissional inserida no mercado de emprego e do seu regime de cofinanciamento pelo Fundo Social Europeu, o exercício da docência como formador em Centro de Formação Profissional pode processar-se ao abrigo de um contrato de trabalho ou de outra forma de contratação que não implique uma vinculação de natureza laboral; 4.

O regime jurídico que enquadra o exercício da atividade de formação implica que características indiciadoras da existência de contrato de trabalho percam neste contexto peso e relevo, entre as quais, (i) a forma de enquadramento da atividade docente prosseguida, (ii) o horário de trabalho, (iii) o controlo de assiduidade, (iv) o exercício da atividade docente em instalações pertencentes ao Réu e (v) a pertença ao Réu dos equipamentos e instrumentos de trabalho; 5.

A existência de horário para ministrar as sessões de formação não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num serviço de formação profissional, com diversas salas de formação, vários formadores (internos e externos) e múltiplos e heterogéneos formandos em diferentes modalidades de formação, é essencial a existência de horários para que a formação funcione com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos formadores; 6.

O facto de a atividade formativa, exercida pelos Recorridos, ser desenvolvida em local definido pelo Centro de Emprego e Formação Profissional de ... é irrelevante, já que um formador (interno ou externo) exerce, habitualmente, a sua atividade em salas de formação pertencentes à entidade formadora, não sendo normal que disponha de equipamentos, instrumentos e instalações próprias onde desenvolva a sua atividade; 7.

As reuniões de acompanhamento são perfeitamente compatíveis com o contrato de prestação de serviços de formação profissional, já...

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