Acórdão nº 3641/18.6T9VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 3641/18.6T9VCT, que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, 1ª Secção de Viana do Castelo, da Procuradoria da República da Comarca de Viana do Castelo, o Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum, e perante tribunal singular, contra: “X Carnes, S.L. - Sucursal em Portugal”, titular do NIPC ………, tendo como último gerente F. G., que cessou funções em 14/11/2017 em virtude de ter falecido, e com sede na Avenida da ..., nº …, Viana do Castelo.

Imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos Artºs. 11º, do Código Penal e 7º, nº 1, 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 64º-B/2011, de 30 de Dezembro (cfr. fls. 724 Vº / 728).

*2.

Tendo os autos sido distribuídos ao Juízo Local Criminal de Viana do Castelo, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, em 22/11/2021 o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho que consta de fls. 756/757, que ora se transcreve (1): “O Tribunal é absolutamente competente.

O processo mostra-se correctamente registado e autuado.

Inexistem nulidades processuais, questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da acusação e de que cumpra ou deva conhecer-se.

*Da rejeição da acusação: O Ministério Público deduziu acusação contra “X Carnes SL – Sucursal em Portugal”, com sede na Av. da ... nº …, Viana do Castelo.

Dispõe o artigo 11º do C.Penal o seguinte: “1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.

2 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159º e 160º, nos artigos 163º a 166º sendo a vítima menor, e nos artigos 168º, 169º, 171º a 176º-B, 217º a 222º, 240º, 256º, 258º, 262º a 283º, 285º, 299.º, 335º, 348º, 353º, 363º, 367º, 368º-A e 372º a 376º, quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.

3 - (Revogado.) 4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.

5 - Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.

6 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

7 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.

8 - A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime: a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.

9 - Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

10 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.

11 - Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados.” Conforme se extrai do artigo 13.º do Código das Sociedade Comerciais, a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.

Por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed, pág. 116).

Em anotação ao art. 7º do CPC de 1939 ensinava o Professor Alberto dos Reis: «As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade. (…)»”.

Em suma, as sucursais (bem como as agências, delegações ou outras formas locais de representação), não gozam de personalidade jurídica, sendo meros órgãos de administração local dentro da estrutura da sociedade. No caso em concreto, a sucursal consubstancia uma mera representação permanente de uma sociedade de direito espanhol, como bem se extrai da certidão permanente sob a referência electrónica nº ……0, e não poderá ser responsabilizada penalmente pelos actos praticados em representação daquela sociedade por se mostrar destituída de personalidade jurídica. Repita-se, como decorre do douto despacho de acusação a fls. 725 e ss. e da certidão permanente a fls. 729 e ss., resulta que a titular da sucursal “X Carnes, SL - Sucursal em Portugal”, será a sociedade “X Carnes, SL., com sede em Espanha e, segundo nos parece, apenas para efeitos de responsabilidade civil poderia a sua sucursal ser demandada, por força do artigo 7º, do C.P.Civil, uma vez que no caso de a pessoa colectiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera de personalidade judiciária das sociedades, a qual passa a abranger por ficção as sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal, e assim é mesmo que a acção proceda de facto praticado pela administração principal, podendo (as sucursais) demandar ou ser demandadas, e desde que a obrigação a que a acção se refira tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.

No entanto, para efeitos de responsabilidade penal, decorre do artigo 11º do C.Penal [aplicável subsidiariamente por força do artigo 3º, alínea a), do RGIT] que apenas as pessoas colectivas e entidades equiparadas poderão ser sujeitos activos do crime e, como tal, susceptíveis de responsabilidade criminal à luz do nosso ordenamento (cf., desde logo, o art. 11º/2 e 5), o que equivale a dizer que por qualquer acto com relevância penal praticado por uma sucursal, apenas poderá responsabilizar a pessoa colectiva sua titular, justamente porque a sucursal não é uma sociedade, mas apenas uma representação da empresa, a cuja direcção geral se sujeitam por parte da sociedade...

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