Acórdão nº 45/21.7T8VLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO A Digna Magistrada do Ministério Público, veio requerer a aplicação do regime do maior acompanhado a J. R., solteira, maior, a residir na Pensão …, ..., filha de L. M. e de M. C..

Para tanto, alegou que a requerida apresenta padrão disfuncional de comportamento, com impulsividade, instabilidade emocional, fraca tolerância à frustração e desrespeito por regras, com episódios de heteroagressividade, fugas de casa, consumo de álcool e de substâncias psicotrópicas a título recreativo; a 13 de abril de 2018 foi encontrada caída junto às muralhas do Castelo de ..., inconsciente, tudo indicando que a mesma se terá atirado de uma altura de 8m; apresenta um quadro de debilidade intelectual desde o seu nascimento; nunca exerceu atividade profissional nem tem capacidade para tal sem supervisão de terceiros, apenas tem autonomia para tratar da sua higiene pessoal, alimentar-se e vestir-se, não tem capacidade para gerir a sua casa sem supervisão de terceiros, não consegue orientar-se no tempo, sabe ler e escrever mas não sabe fazer contas, conhece o valor facial do dinheiro mas não sabe o seu valor real, o que a afeta e impede de administrar a sua pessoa e os seus bens.

Em virtude disso, carece de autonomia para os seus afazeres diários, pelo que a mesma deverá beneficiar da medida de representação especial ficando-lhe vedado o exercício de direitos pessoais e o de celebrar negócios, mesmo os da vida corrente.

Indicou a mãe da beneficiária como pessoa para exercer as funções de acompanhante.

A beneficiária foi citada pessoalmente e através do patrono oficioso contestou, oferecendo o merecimento dos autos.

Procedeu-se à audição da beneficiária, bem como dos seus progenitores.

Foi realizado exame pericial à beneficiária.

Foi junta informação da Segurança Social.

O Ministério Público promoveu que fossem decretadas medidas de acompanhamento e que fosse designada a mãe como acompanhante da beneficiária.

A mãe da beneficiaria apresentou requerimento em que manifesta a sua indisponibilidade para exercer o cargo de acompanhante e alega as razões de saúde e outras que a impede desse exercício, juntando atestado médico.

*A final, foi proferida a seguinte decisão: a) Decretar o acompanhamento da requerida J. R.; b) Designar para o exercício do cargo de acompanhante M. C.; c) Dispensar a constituição do conselho de família; d) Decretar que a requerida fique sujeita à medida de acompanhamento de representação geral, ficando-lhe vedado o exercício de direitos pessoais, designadamente os previstos no artigo 147.º, n.º 2, do Código Civil, e o de celebrar negócios, mesmo os da vida corrente; e) Fixar a data de 08.05.2001, como a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Sem custas - alínea l) no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais. Publicite a decisão agora proferida por afixação de anúncios neste Tribunal.

Não existe testamento vital e procuração para cuidados de saúde relativamente à acompanhada (artigo 900º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Cumpra o disposto no artigo 1920.º-B, aplicável por força do artigo 153.º, n.º 2, ambos do Código Civil.

*Inconformada, apelou a acompanhante M. C. concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1 – O Tribunal de que se recorre, decidiu, nos termos do “artigo 144º, n.º 1 C.C., e na ausência de quaisquer alternativas, nomeio a sua mãe como acompanhante da beneficiária para o exercício do cargo, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 143º do Código Civil.” 2 - O Tribunal procedeu à audição de ambos os progenitores, nomeadamente a ora Recorrente e o pai e os dois não manifestaram interesse em assumir o cargo de acompanhante, referindo ambos inexistir qualquer relação com a J. R..

3 - A J. R., por sua vez, afirmou, não falar com o pai, e falar com a mãe, mas que tem com esta uma relação muito complicada.

4 - A ora Recorrente, notificada do despacho judicial em que após promoção do Ministério Público da sua indicação como acompanhante, entendia o douto Tribunal de que se recorre que efetivamente tal cargo deveria ser exercido por esta.

5 - A ora Recorrente de imediato realizou requerimento aos autos (11.11.2021), no qual informava que não possuía condições para assegurar de forma responsável como lhe é exigível o referido cargo, e juntou relatório psicológico.

6 - A ora Recorrente justificou a sua posição, na falta de contacto com a J. R. há cerca de dois anos, à falta de respeito que a J. R. lhe tem, ao facto de já ter sido agredida fisicamente pela J. R. (em data anterior ao acidente sofrido e que colocou a J. R. nesta situação).

7 - O tribunal de que se recorre entende que, “o Ministério Público indicou para acompanhante a sua mãe M. C..

Ouvimos quer a mãe da requerida, quer o seu pai, sendo que nenhum deles manifestou vontade de ser designado acompanhante da requerida, quer aquando da audição, quer ainda a mãe através de requerimento de 11.11.2021.

No entanto, resulta do artigo 144º, n.º 1 do CC, os pais não podem escusar-se do cargo de acompanhante dos filhos, se para tal forem designados.

Não existem pessoas idóneas e próximas da requerida que estejam dispostas a assumir funções de acompanhante, conforme resulta da informação da Segurança Social de 30.06.2021.

Quando ouvida a requerida disse que com o pai não fala, mas fala com a mãe, pelo que para além dos laços de sangue, terá ligação afetiva, pelo que designo a mesma como acompanhante (artigo 143º, n.º 2, al. c) CC).

Nestes termos, atento o disposto no artigo 144º, n.º 1 do CC e na ausência de alternativas, nomeio a sua mãe como acompanhante da beneficiária para o exercício do cargo, ao abrigo da alínea c) do nº 2 do artigo 143º do Código Civil.” 8 - Debruçando-nos, em primeiro lugar, no teor do relatório da segurança social de 30 de junho de 2021, o mesmo em conclusão aconselhava o internamento compulsivo da J. R..

9 - Não consegue a Recorrente retirar do conteúdo aí vertido que “Não existem pessoas idóneas e próximas da requerida que estejam dispostas a assumir as funções de acompanhante.” 10 - Do referido relatório resulta sim a preocupação do estado de saúde da J. R. e recomenda um internamento compulsivo.

11 - O Tribunal entendeu, que devia ser a ora Recorrente assumir o cargo e não o pai, porque a J. R. afirmou que, com o pai não falava, e com a mãe falava.

12 - O que resulta efetivamente das declarações da J. R., vai um pouco além do vertido na douta decisão.

13 - Na verdade, a J. R. afirma que “…com a mãe fala, mas tem uma relação muito complicada” 14 - Pelo que, era necessário e pertinente interpretar o que quer a J. R. dizer com “mas tem uma relação muito complicada”.

15 - A J. R. abandonou a casa da mãe, e não tem contacto com a mesma há cerca de 2 anos, conforme informação prestada pela Recorrente aos presentes autos.

16 - A Recorrente, em sede de audição já afirmou não ter condições para assumir o referido cargo, tal como o pai.

17 - Contudo, reforçou a sua posição, explicando os motivos, pelos quais não lhe é permitido assegurar de forma salutar e responsável o cargo, através de requerimento junto aos autos em 11 de novembro de 2021.

18 - O referido requerimento foi acompanhado de relatório psicológico da Recorrente, no qual consta, efetivamente a falta de capacidade desta assumir o cargo de acompanhante.

19 - O Tribunal de que se recorre entendeu que, por ser mãe não se pode escusar do cargo.

20 - O tribunal, em primeiro lugar, privilegia a escolha do acompanhante pelo acompanhado, mas não sendo feita a escolha, deve o tribunal designar pessoa que melhor salvaguarde o interesse do acompanhado, podendo recair, designadamente, sobre … qualquer dos pais, entre as demais categorias previstas no o n.º 2 do artigo 143º.

21 - Esse Venerando Tribunal entendeu, no seu douto Ac., de 01/07/2009, “III. Mas ser pai ou mãe não significa que automaticamente seja acompanhante. IV. Efetivamente, deverá ser designado acompanhante quem melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário. V. Para a aferição da pessoa que revela melhores condições para a salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, enquanto único critério legal atendível na designação da pessoa que está em melhores condições para assumir as funções de acompanhamento legal do requerido passa pelo apuramento de um conjunto de factos atinentes às condições e à aptidão de cada um dos familiares do requerido, ainda que tenha apenas um progenitor sobrevivo para o exercício de tal função em face do circunstancialismo que no caso delimita o interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação.” 22 - Pelo que, nos parece, salvo melhor e douta opinião, que o Tribunal de que se recorre não atendeu a todos os factos pertinentes para a...

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