Acórdão nº 2722/21.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução13 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO A. O. intentou acção de processo comum contra “X – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A.”.

PEDIDO: declaração da licitude da resolução do contrato de trabalho por justa causa a que procedeu; condenação da ré nos seguintes valores: €42.713,54 a título indemnização, nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, €1.775,00, a título de férias não gozadas, vencidas a 1 de Janeiro de 2020; €1.775,00, a título de subsídio de férias, vencido a 1 de Janeiro de 2020; €29,18, a título de proporcionais de subsídio de natal, férias e dias de férias não gozadas, referentes aos dois dias de trabalho do ano de 2020; €769,17 referentes aos dias 21 de Dezembro de 2019 a 02 de Janeiro 2020.

CAUSA DE PEDIR: trabalha para a ré desde em 1 de janeiro de 2004 (é delegada de informação médica) auferindo, no momento da cessação do contrato, o valor de €1.775 a título de vencimento base e isenção de horário; o contrato vigorou até 2 de janeiro de 2020, data em que o resolveu; como fundamento da resolução, invocou assédio moral praticado pelo superior hierárquico, o qual denunciado à Ré, nada fez.

CONTESTAÇÃO E RECONVENÇÃO: invoca-se a caducidade do direito da Autora, por terem decorrido, aquando da carta remetida, mais de 30 dias sobre o conhecimento dos factos invocados (desde o final do ano de 2017 até setembro de 2019). Ademais, nega a prática de actos de assédio moral. Ainda que houvesse justa causa a indemnização peticionada em 45 dias por cada ano de antiguidade é excessiva, não devendo ultrapassar os 15 dias de retribuição base. Deduziu reconvenção, após convite do Tribunal, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €2.840 (2 meses de retribuição base), nos termos do disposto no artigo 401º do Código do Trabalho. Quanto aos demais créditos reclamados refere que a autora nada tem a receber, que os pagou e que o valor da falta de aviso prévio foi deduzido/compensado nos créditos salariais da Autora (que correspondiam a €4.171,24).

Resposta da Autora: sustenta a improcedência da excepção de caducidade, alegando tratar-se de um comportamento continuado e cujo último acto ocorreu no mês de dezembro, quando percepcionou que a Ré não tinha iniciado o procedimento disciplinar contra o seu superior hierárquico.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO) » julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) Declara-se lícita a resolução do contrato de trabalho operada pela Autora A. O.; b) Condena-se a Ré “X – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A.” a pagar à Autora A. O. a quantia de € 28.409,73, a título de indemnização; c) Condena-se a Ré “X – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A.” a pagar à Autora A. O. as seguintes quantias: i. € 1.775, a título de retribuição das férias vencidas em 01.01.2020; ii. € 1.775 a título de subsídio de férias vencido em 01.01.2020; iii. € 29,19, a título de proporcionais do subsídio de Natal, de férias e subsdíos de férias respeitantes aos dois dias de trabalho do mês de Janeiro de 2020; iv. € 591,67, a título de retribuição dos dias de trabalho do mês de Dezembro de 2019 a Janeiro de 2020; d) Condena-se a Ré X – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A.” a pagar os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respectivo vencimento das prestações referidas em c) e, quanto à indemnização fixada e referida em b), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil); e) No mais, absolve-se a Ré do pedido.

» julga-se a reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se a Autora A. O. do pedido.

» Custas da acção a suportar pela Autora e pela Ré, na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil) » Valor da acção: já fixado em 15.12.2021” FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ. CONCLUSÕES: A.

….

B.

A referida sentença deverá ser parcialmente revogada, na medida em que, para além de a prova produzida ter sido incorretamente apreciada, também a aplicação do Direito aos factos não foi corretamente efetuada pelo Tribunal a quo.

1.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – da reapreciação da prova gravada C.

A título introdutório, cumpre assinalar a excessiva valorização que o Tribunal a quo fez das declarações de parte prestadas pela Recorrida, em claro detrimento dos depoimentos prestados por diversas testemunhas que contrariam o sentido das declarações de parte da Recorrida.

D.

… E.

Da análise da prova produzida nos presentes autos, quer documental, quer testemunhal, resulta que deveriam ter sido considerados como não provados os factos constantes dos artigos 6.º a 10.º, 12.º, 13.º, 15.º a 18.º, 20.º, 21.º, 22.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º a 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 45.º, 46.º e 48.º da matéria dada como provada.

F.

Bem como se impunha que fossem considerados como provados na íntegra e sem qualquer conteúdo explicativo adicional, os factos alegados nos artigos 28.º, 29.º, 31.º, 35.º, 36.º, 37.º, 42.º, 43.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 54.º, 57.º, 59.º, 61.º, 62.º, 63.º, 68.º, 69.º, 70.º, 73.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 89.º da contestação.

G.

Incompreensivelmente o Tribunal deu como provados factos relatos relativamente ao processo judicial nº 223/16.0TLSB (Pontos nº 6 a 10 dos factos dados como provados).

H.

Ora, no que concerne a esta matéria, não existe qualquer suporte factual que permita ao Mmo. Juiz a quo formular convicção em tal sentido.

I.

A própria motivação da sentença refere que “deu como provada a factualidade constante dos pontos 4. a 11., os quais foram descritos de forma credível pela Autora, e, confirmados de forma indireta pela testemunha A. R., que logo referiu, de forma espontânea, que na data em que a Autora terá sido chamada por causa de um processo judicial, ainda não fazia parte da equipa da Autora, todavia, tal factualidade foi-lhe contada pela Autora e pela colega I. B.”.

J.

Ora, o Tribunal deu como provada esta factualidade unicamente com base nas declarações de parte da Recorrida! K.

Tal como o próprio Tribunal na fundamentação dada relativamente aos pontos 6.º a 10.º, a única testemunha arrolada pela Recorrida relativamente a esta matéria, A. R., afirmou ter apenas conhecimento indireto e confessou que, o que sabe, foi contado pela própria Recorrida (depoimento prestado no dia 05.01.2022, com início a 14:42:43 e término em 15:33:18); L.

Em relação à conjuntura factual descrita relativamente à reunião ocorrida no ... Hotel, cujo ónus da prova recaía sobre a Recorrida, não resultou provada, quer por prova documental, quer por prova testemunhal, a existência de qualquer pressão ou coação dos superiores hierárquicos da Recorrente.

M.

As únicas testemunhas ouvidas a este respeito foram A. Q. e A. V. que revelaram especial razão de ciência acerca dos factos aqui em discussão, uma vez que estiveram os dois presentes na referida reunião, tendo, por isso, conhecimento direto e pessoal dos acontecimentos.

N.

  1. Q., superior hierárquico da Recorrida, confirmou que esteve de facto em curso um processo judicial com o n.º 223/16.0TLSB o qual foi arquivado.

    O.

    A referida testemunha confirmou que, no âmbito do referido processo a Recorrida, como outros colegas seus foram notificados para prestar declarações na Polícia Judiciária do Porto relativamente à entrega de cartões presente a um médico.

    P.

    Tendo em conta a situação em causa, a Recorrente agendou uma reunião por forma a informar as testemunhas do processo em questão e em relação ao patrocínio desta ação informou que que “empresa poderia fornecer advogados para defesa, se as pessoas não quisessem, escolheriam os seus.”. Acrescentou que Recorrida preferiu ser acompanhada pelo seu próprio advogado e que em momento algum preparou o discurso que devia ser proferido pela Recorrida (Cfr. excerto do seu depoimento prestado no dia 05.01.2022, com início a 11:26:20 e término em 12:23:37).

    Q.

    Este depoimento foi ainda corroborado por A. V.

    , Diretor Regional de Vendas da Recorrente que também esteve presente na reunião com as testemunhas arroladas pelo Ministério Público no âmbito do referido processo e confirmou a falsidade das alegações da Recorrida.

    R.

    Negou alguma vez ter preparado um discurso para a Recorrida reproduzir na Polícia Judiciária e confirmou que nunca pressionaram a Recorrida a aceitar a ajuda disponibilizada pela Recorrente. (Cfr. depoimento prestado no dia 05.01.2022, com início a 12:29:22 e término em 14:20:36).

    S.

    Não foi inquirida mais nenhuma testemunha sobre a referida reunião, pelo que, inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, as declarações de parte não podiam ter sido valoradas, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório.

    T.

    As declarações de parte devem naturalmente ser atendidas e valoradas com algum cuidado, pois são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação.

    U.

    Pelo que deverão os factos vertidos nos pontos 6.º a 10.º dos Factos Provados serem dados como não provados.

    V.

    O Tribunal considerou provados os pontos 12.º e 13.º dos factos dados como provados e fundamenta esta sua convicção alegando que “os factos foram relatados de forma coerente pela Autora, e corroborados pela testemunha A. R., de forma absolutamente credível”.

    W.

    Mais uma vez, o Tribunal desconsiderou a prova produzida em Tribunal e valorou unicamente as declarações de parte da Recorrida e o depoimento de A. R. que, relativamente a esta matéria, foi muito pouco credível e totalmente contrário às restantes testemunhas.

    X.

    A este propósito, veja-se o depoimento do próprio A. Q.

    , prestado no dia 05.01.2022, com início a 11:26:20 e término em 12:23:37, do qual resulta que o próprio não tem sequer poderes disciplinares.

    Y.

    A testemunha A. V.

    esclareceu que trabalha com A. Q. há 37 anos e que nunca viu o mesmo ameaçar nenhum trabalhador com o despedimento. Como...

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