Acórdão nº 2093/20.5T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução24 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. P. J.

intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradora ..., SA, pedindo a condenação desta: «a) A pagar ao autor a quantia de EUR 8 610,00 (oito mil seiscentos e dez euros), referente ao custo da reparação suportado pelo autor; b) A pagar ao autor o valor de EUR. 12 400,00 (doze mil e quatrocentos euros), referente ao dano de privação do uso do veículo do autor.

  1. às referidas quantias devem acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento».

Para o efeito, alegou ter sofrido danos patrimoniais em consequência do acidente de viação que descreve, consistente num embate entre o veículo de que é proprietário e um outro seguro pela Ré, cuja ocorrência imputa à conduta culposa do condutor deste último veículo.

*A Ré contestou, impugnando os factos relativos à dinâmica do acidente e às consequências do evento, concluindo que sobre si não recai a obrigação de indemnizar qualquer dos danos alegados na petição.

*1.2.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar «a Ré, “Seguradora ..., S.A.”, a pagar ao Autor, P. J., a quantia de € 3.719,20, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, sobre o capital de € 3.719,20, à taxa legal de 4%».

*1.3.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1.ª não se concorda, com a decisão proferida, quer quanto à dinâmica do acidente, em causa nestes autos, considerada na sentença, quer quanto à matéria dada como provada e que fundamenta a dinâmica do acidente e daí se pretender a reapreciação da prova gravada, assim como a responsabilidade atribuída ao autor neste acidente, quer quanto ao montante fixado para o dano de privação do uso do veículo do Autor; 2.ª devem considerar-se não provados os factos apontados sobre os números 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28 dos factos dados como provados na sentença.

  1. Devem considerar-se como provados os factos alegados pelo autor nos artigos 12.º, 13.º, 16.º, 30.º, 36.º, da petição inicial, o que o tribunal considerou não provados.

  2. o tribunal considerou provado os factos elencados em 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28 dos factos provados da sentença quando na realidade não o poderia ter feito, porque a prova produzida em audiência aponta em sentido contrário.

  3. com o devido respeito, parece-nos que é das regras da experiência comum que alguém que se encontra parado à direita numa via, porque se terá esquecido da carteira e por isso pretendia regressar a casa e, que de repente pretendendo inverter a marcha sinalizando apenas essa intenção quando arranca, não cumpre com aquilo que vem espelhado no código da estrada, nomeadamente no seu artigo 35.º: 6.ª Claramente se percebe, que a manobra que o A. M. realizou foi causadora deste acidente, pois não conseguiu ver quem seguia na sua retaguarda, pois tinha o retrovisor esquerdo embaciado e apenas sinalizou a sua marcha quando arrancou do sitio onde se encontrava parado á direita.

  4. Fácil é de perceber que a condutora do veículo do autor não poderia contar com esta manobra repentina e desatenta do outro condutor.

  5. Sobre a matéria impugnada respondeu a testemunha A. M., prestado em audiência de julgamento do dia 09/06/2021 com inicio às 9,30h, Registo de prova em suporte digital através da aplicação “H@bilus Media Studio”, por 30m: 57s., PROCESSO N.º 2093/20.5T8VNF GRAVAÇÃO N.º 20210609120054, 9.ª um depoimento que se apresenta coerente com as regras da experiência. E isto o tribunal recorrido não levou em conta, embora se tenha socorrido dos depoimentos dos peritos averiguadores, conclusivos, por não terem presenciado o acidente, para poder dar cobertura à tese que acabou por ser seguida na sentença e da qual não se concorda.

  6. Pelo exposto, tendo por base o indicado depoimento, nas apontadas concretas passagens, bem como as regras da experiência, e tendo em conta que nenhuma prova ou indício aponta em sentido contrário, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, considerando-se provados os factos alegados pelo autor nos artigos 12.º, 13.º, 16.º., da petição inicial, sendo os mesmos retirados da matéria de facto não provada; 11.ª Em sentido inverso deverá ser alterada a resposta à matéria de facto, considerando-se não provados os factos elencados nos pontos 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 28 dos factos provados constantes da sentença.

  7. Alterando-se como se entende esta matéria, deverá também alterar-se a decisão em crise nestes autos, atribuindo-se a total responsabilidade por este acidente ao segurado da Ré e nunca, como fez a sentença, atribuir qualquer responsabilidade à condutora do veículo do autor, uma vez que esta não contribuiu com qualquer manobra perigosa, desatenta ou inadequada para a produção deste acidente.

  8. Quanto ao dano de privação de uso de veiculo, o autor pediu, como se sabe e sob a alínea b), do seu pedido que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor o valor de € 12.400,00 (doze mil e quatrocentos euros), referente ao dano de privação do uso do veículo do Autor; 14.ª Quanto à indemnização há duas teses – uma de que não basta a mera privação é necessário que ela provoque alguma diminuição ao nível da satisfação das necessidades globais do proprietário sendo necessário alegar e provar que ocorreu uma diminuição patrimonial em consequência da privação do uso e a outra – que se defende – entende que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável. Nesse sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2008 no processo n.º 08B2732 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2008 no processo 08B2662 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2015.Quanto a este, veja-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2010, em que foi relator Paulo Sá, no processo n.º 314/06.6TBCSC.S1, em que se refere que o proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa.

  9. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP).

  10. Ora, este último entendimento de que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, em si mesmo, um dano patrimonial, uma vez que se revela pela lesão de um direito real de propriedade, pela impossibilidade de exercício de qualquer das faculdades previstas no art. 1305.º do Código Civil típicas do direito de propriedade, isto é, o uso e fruição da coisa. Assim, tal dano tem uma expressão pecuniária e, como tal, deve ser passível de reparação/indemnização. Aderindo a esta segunda tese, entendemos que a privação do uso de veículo é, em si mesma um dano indemnizável, bastando-se, consequentemente, com abstractamente o mesmo se revelar um dano.

  11. Assim, e mobilizando os argumentos já expendidos supra nos citados acórdãos, deverá condenar-se a Ré em valor pela privação do uso que o Autor sofreu por violação do disposto no art. 762.º, n.º 2 do Código Civil, em quantia nunca inferior a EUR 10,00 (dez euros) diários e não EUR 1 (um) diário tal como consta da sentença ora recorrida 18.ª Lembrar ainda, que apesar do tribunal não ter dado como provado o facto do autor ter dificuldades para custear a reparação do seu automóvel, ninguém é obrigado a despender de dinheiro numa situação destas e ainda por cima atendendo ao valor da reparação destes autos; 19.ª contudo, tendo por base o relatado na sentença quanto aos depoimentos prestados sobre esta matéria, que constam da própria sentença, bem como as regras da experiência, e tendo em conta que nenhuma prova ou indício aponta em sentido contrário, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, considerando-se provados os factos alegados pelo autor nos artigos 30.º e 36.º 20.ª Enfim e neste particular, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que liquide um valor diário mínimo de EUR 10 (dez euros), pelo período, considerado provado, de privação do uso de veículo, que já consta dos autos, como forma de ressarcir o autor pelo dano da privação do uso de veiculo.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por deliberação que: 1. considere provados os factos alegados pelo autor nos artigos 12.º, 13.º, 16.º., da petição inicial, sendo os mesmos retirados da matéria de facto não provada; 2. Em sentido inverso deverá ser alterada a resposta à matéria de facto, considerando-se não provados os factos elencados nos pontos 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 28 dos factos provados constantes da sentença.

  1. Alterando-se como se entende esta matéria, deverá também alterar-se a decisão em crise nestes autos, atribuindo-se a total responsabilidade por este acidente ao segurado da Ré e nunca, como fez a sentença, atribuir qualquer responsabilidade à condutora do veículo do autor, uma vez que esta não contribuiu com qualquer manobra perigosa, desatenta ou inadequada para a produção deste acidente; 4. tendo por base o relatado na sentença quanto aos depoimentos prestados sobre os meios ao dispor do autor para custear a reparação, que constam da própria sentença, bem como as regras da experiência, e tendo em conta que nenhuma prova ou indício aponta em sentido contrário, deve ser alterada a...

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