Acórdão nº 1116/21.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório M. I.

, patrocinada pelo Ministério Público, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X, Lda.

, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe: - a quantia de 3.206,25 € a título de créditos laborais (salários dos meses de Abril, Maio e Junho de 2020 e proporcionais de subsídio de férias, férias e subsídio de Natal); - a quantia de 2.700,00 € a título de indemnização pela rescisão com justa causa; - juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal.

Alegou, em síntese, que foi admitida em 26 de Outubro de 2016 ao serviço da X, e que, na sequência de um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, passou a trabalhar para a P. em 1 de Julho de 2019. A P., com data de 19 de Março de 2020, fez chegar à A. comunicação escrita de cessação do contrato de locação e de que o seu contrato de trabalho seria retomado pela R. e o salário de Março pago pela mesma. No dia 19 de Maio de 2020, tomou conhecimento de que a P. foi declarada insolvente, tendo reclamado os respectivos créditos salariais. A partir de 1 de Abril de 2020, na sequência da referida comunicação e conforme consta da Segurança Social, passou a estar afecta à agora R.. No dia 1 de Julho de 2020, na sequência da falta de pagamento dos salários de Abril, Maio e Junho, resolveu o contrato de trabalho com justa causa, tendo, para o efeito, enviado a competente missiva.

A R. veio contestar, arguindo a sua ilegitimidade e alegando, em suma, que existiu prorrogação do contrato de cessão de exploração até Julho de 2020, pois, para a reversão operar, era necessária a entrega ou devolução efectiva do estabelecimento, designadamente de tudo o que consta do inventário anexo ao contrato de cessão de exploração, em bom estado de funcionamento e nas mesmas condições em que fora recebido, o que ainda não sucedeu, pelo que a A. manteve-se sob as ordens, direcção e fiscalização da P. até à declaração de insolvência desta.

Proferiu-se despacho saneador, onde, além do mais, se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade da R. e se dispensou a enunciação dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide: - condenar a R. a reconhecer a justa causa da resolução do contrato operada pela A. e a pagar-lhe: - a quantia liquida de Euros 262,61, a título de indemnização, pela resolução do contrato de trabalho com justa causa; - a quantia ilíquida de Euros 2025,00, a título de retribuição dos meses de Abril, Maio e Junho de 2020; - a quantia ilíquida de Euros 506,25, de proporcionais de subsídio de férias e de Natal dos meses de Abril a Junho e respectivas férias não gozadas; - juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento; - absolver a R. do mais peticionado.

Custas pela R.» A R. interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «

  1. A sentença não se encontra sequer fundamentada.

  2. O nº 3 do art. 607º do CPC dispõe que, numa sentença, após a identificação das partes e do objeto do litígio e da enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, se seguem «os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final», logo acrescentando o nº 4 que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

  3. Ora, nada disto é feito pelo juiz a quo na sentença recorrida, pelo menos no que tange àquele enunciado de facto, fundamenta a decisão sobre a matéria de facto em dois parágrafos (cfr. fls. ), da seguinte forma: “A convicção do tribunal, no que se refere à matéria de facto provada suprarreferida, resultou: na análise crítica dos documentos juntos aos autos; nos depoimentos das testemunhas M. S. e J. C. que demonstraram ter conhecimento dos factos em análise.” d) ora tal, não é a forma adequada de fundamentar a decisão da matéria de facto numa sentença cível. Uma vez que analisados todos os documentos juntos aos autos, de nenhum se retira ou infere, qual o documento que provou o quê, como também, não se infere a credibilidade das testemunhas, já que não é esclarecida se o juiz a quo considerou isento e credível o depoimento da testemunha apresentadas.

  4. Portanto, a decisão proferida pelo juiz a quo, relativamente aos factos, essenciais para o julgamento da causa, não se encontra, de todo, fundamentada.

  5. A Recorrente questiona a apreciação da matéria de facto e julga, com devido respeito pelo tribunal a quo, existindo muitos e concretos pontos de facto que consideramos incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil]; g) O tribunal a quo não considerou como provado, e deveria tê-lo considerado, que não houve entrega efetiva do estabelecimento e em consequência não operou reversão nos termos do artigo 285º CT h) Na sequência de todo quanto dito e supra exposto na inquirição das testemunhas a decisão que, no entender do ora recorrente, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [artigo 640.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil]: - PROVADO – Não existiu reversão, dado que não existiu entrega do estabelecimento como um todo, como uma unidade económica.

  6. Fica-nos a questão de saber se a comunicação enviada pela sociedade P. TT. a rescindir o contrato de cessão de exploração, teria a virtualidade de suportar a eficácia extintiva do contrato e a reversão do estabelecimento comercial e seus trabalhadores para a Ré.

  7. Com efeito, o que se verificou foi tão-somente uma comunicação da P. TT. à X, ora recorrente, da extinção do contrato de cessão de exploração do estabelecimento. Mas que, de forma alguma se confunde com a reversão do estabelecimento e dos trabalhadores, isto porque, A reversão traduz-se na entrega, na devolução, efetiva do estabelecimento, que até á data, não ocorreu.

  8. Para que a rescisão operasse os seus efeitos, com a correspondente reversão do estabelecimento e dos trabalhadores para a Ré, ora recorrente seria necessário, além da comunicação da rescisão, que a mesma fosse acompanhada de comunicação expressa da data e hora para entrega efetiva do estabelecimento, designadamente a “entrega das chaves”, e claro que entrega das chaves, aqui não pode ser entendida ipsis verbis, mas no sentido de efetiva entrega do estabelecimento, e esta não ocorreu.

  9. O artigo 285º, artigo obedece às exigências da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001, que foi transposta para a ordem jurídica interna, através da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, para o Código do Trabalho 2009e nos termos da citada Diretiva, é considerada transferência, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.

  10. Daqui resulta que a transmissão da posição de empregador, tanto pode decorrer da transmissão ou reversão do estabelecimento em si mesmo considerado, como de parte dele, desde que, constitua uma unidade económica, entendida esta, como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma determinada atividade económica, seja ela essencial ou acessória, que com a transferência mantém a sua identidade.

  11. Como se referiu e sempre se afirmou, é condição da transmissão (reversão) de um estabelecimento que o conjunto de meios organizados continue a ter o objetivo de prosseguir uma atividade económica, sendo, pois, essencial à transmissão/reversão que, independentemente de interrupções temporárias, a exploração do estabelecimento possa prosseguir de imediato, o que no presente processo facilmente se infere ser impossível.

  12. Para averiguar a subsistência de uma unidade económica são frequentemente enunciados os critérios considerados relevantes, a saber: o tipo de empresa ou estabelecimento, a transferência de bens corpóreos (edifícios e bens móveis), a continuidade da clientela, o grau de similitude das atividades desenvolvidas antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, etc..

  13. Importa referir que a jurisprudência comunitária tem vindo a referir como elemento determinante na definição e reconhecimento de unidade económica, a autonomia de parte da empresa ou estabelecimento transmitidos.

  14. Perante os factos careados para o processo podemos desde logo concluir que não resultou provado ter ocorrido uma qualquer transferência, direta ou indireta, de equipamentos ou bens ou dispositivos da P. TT. para a X, ou seja, a esta última, ora recorrente não retomou, nem lhe foram entregues pela P. TT. quaisquer equipamentos, indispensáveis á prossecução da atividade.

  15. Ao invés provou-se que os equipamentos, bens e dispositivos se mantiveram na posse da P. TT., e que esta há muito não laborava, ou seja, não se provou que a Ré, ora recorrente tivesse recebido da P. TT., qualquer equipamento ou bem, clientela, ou estabelecimento pronto a laborar, que constitua indício revelador da concretização da transmissão/Reversão de um estabelecimento que constitua uma unidade económica com identidade própria.

  16. Não estava o estabelecimento apto a desenvolver a sua atividade produtiva (como bem explanado pelas testemunhas, sem clientela, sem matéria-prima, sem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT