Acórdão nº 71/20.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Condomínio ..., AA, BB, CC, DD, EE, FF e EE, GG, HH, II e JJ intentaram a presente acção comum contra C..., Lda., R... Unipessoal, Lda., N..., S.A. e Pichelaria ..., Lda.

pedindo: - a declaração de nulidade por simulação absoluta de todos os referidos contratos ou, caso assim não se entenda, a declaração de nulidade dos mesmos contratos por simulação relativa, bem como, - a declaração de que os negócios dissimulados correspondem, em todos os casos, a doações, - a declaração da ineficácia de todos os referidos contratos em relação aos autores e se determine a possibilidade de darem à execução os imóveis objecto de tais contratos.

Para tanto alegaram em síntese que os dois contratos de compra e venda e o contrato de dação em cumprimento que a 1ª ré celebrou com a 2ª, bem como o contrato de dação em cumprimento que esta celebrou com a 3ª ré e, ainda, o contrato de compra e venda que esta última celebrou com a 4ª ré, não correspondem à vontade real dos respectivos outorgantes, os quais, quando muito, terão pretendido transferir gratuitamente os imóveis objecto desses contratos, em todo o caso com o intuito de esvaziar o património da 1ª ré e, por essa via, inviabilizar a cobrança dos créditos dos autores sobre a 1ª ré, em obediência a um plano concertado entre todas as rés, com a consciência de que assim causavam prejuízos aos autores.

*As rés apresentaram contestação afirmando a correspondência entre as declarações prestadas nos diversos contratos e a vontade dos respectivos outorgantes, negando qualquer acordo no intuito de enganar os autores ou a consciência de os prejudicar, mais esclarecendo os motivos e o contexto de cada um dos negócios em discussão nos autos, nomeadamente a constituição dos créditos subjacentes aos contratos de dação em cumprimento.

Mais alegaram as 1ª e 2ª rés que a primeira tem um vasto património susceptível de garantir as suas obrigações.

*Os autores pronunciaram-se mantendo o alegado na petição inicial, acrescentando que todos os bens que permanecem no património da 1ª ré estão onerados, pelo que não garantem os seus créditos.

*Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios.

*Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Pelo exposto, o tribunal julga parcialmente procedente a presente açcão e, em consequência: - Declara ineficaz relativamente aos autores a transmissão da fracção autónoma designada pela letra ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18/..., da fracção autónoma designada pela letra ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/... e da fracção autónoma designada pela letra ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...17/..., descrita no ponto 20 dos factos provados, e confere aos mesmos autores a possibilidade de executarem os referidos bens na esfera jurídico-patrimonial da ré R... Unipessoal, Lda., podendo praticar ali todos os actos de conservação da garantia patrimonial permitidos por lei; - Absolve as rés dos demais pedidos.

Custas por autores e réus, na proporção de 4/5 para os primeiros e 1/5 para as segundas – artigo 527.º do Código de Processo Civil. (…)”*Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I- Os recorrentes não se conformam com douta decisão proferida na medida em que a mesma enferma de nulidade, assim como de vários erros de julgamento que resultam ora do desrespeito pela hierarquia dos meios probatórios, ora pela falta de conjugação dos meios probatórios entre si.

II- Pese embora o Tribunal recorrido tenha captado na essência a matriz dos actos levados a cabo pelo (s) gerente de facto das 1.ª e 2.ª rés, o julgamento revelou-se superficial, insuficiente, sobretudo, erróneo, quanto aos pedidos de declaração de nulidade designadamente quanto ao negócio celebrado em 10 de Março de 2017.

III- Acresce que o Tribunal recorrido não se pronunciou quanto a questões que obrigatoriamente se deveria ter pronunciado, incorrendo em ostensiva omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, número 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

IV- Considerando que as rés outorgantes desse contrato revestem a forma de sociedades comerciais por quotas, as mesmas estão imperativa vinculadas ao regime legal disposto nos artigos, 160.º e 980.º do Código Civil e do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

V- Os recorrentes invocaram essas questões que se prendem quer com a violação do princípio da especialidade do fim, nos pontos 43 a 73 da resposta à contestação que, por brevidade e economia processual, aqui se dão por reproduzidos e invocados, tendo pedido que tal matéria fosse conhecida e declarada a nulidade de tais negócios com base na evidente violação dessas disposições legais.

VI- Por via da aceitação da confissão deu lugar a que se desse como provado o ponto 31 da matéria de facto dada como provada: “ Com o objectivo de a ajudar, dadas as relações familiares entre os seus sócios, por via da celebração da escritura referida no ponto 20 dos factos provados a 2.ª ré recebeu prédios da 1.ª, no valor de 253.814,81 €, e assumiu o pagamento futuro de dívidas da responsabilidade desta 1.ª ré, no mesmo valor 253.814,81 €” VII- Sucede que não existe sequer uma menção a esse circunstancialismo, pois, apesar de sentença dar como provado o ponto 31 acima mencionado, não retira qualquer consequência jurídica, nem prática desse comportamento ostensivamente ilegal por parte da 1.ª e 2.ª rés enquanto sociedades comerciais por quotas independentes, e como tal, sem qualquer relação de domínio ou de grupo.

VIII- O Tribunal recorrido não retirou as devidas e necessárias consequências jurídicas desse facto aceite pelos recorrentes precisamente com o objectivo de que se deveria dar por assente factos que por si só violam grosseiramente as disposições dos artigos 160.º e 980.º do Código Civil e do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

IX- Essa violação não poderia deixar de ser conhecida, nem deixar de produzir efeitos jurídicos nos termos do disposto nos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, como é a declaração de nulidade desse negócio celebrado no dia 10 de Março de 2017.

X- Assim, fundando-se a o pedido principal dos recorrentes na declaração de nulidade desse negócio que, ao fim e ao cabo, terá implicações graves nos negócios subsequentes, pois que a destruição do primeiro implicará a destruição dos subsequentes, o seu não conhecimento pelo Tribunal recorrido não poderá deixar de ser encarado como rigorosa omissão de pronúncia concretamente prevista no artigo 615.º, número 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

XI- Mal andou o Tribunal recorrido no julgamento e apreciação da matéria de facto, nomeadamente no aditamento que faz ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada, quando se refere que “ assumiu o pagamento futuro de dívidas da responsabilidade desta 1.ª ré, no mesmo valor 253.814,81 €.

XII- Essa expressão que os recorrentes não aceitam, não se encontra alegada pelas rés, nem tampouco consta das declarações prestadas na escritura pública de dação em pagamento de 10.03.2017 e que em rigor, além de erro de julgamento poderá configurar uma outra nulidade da sentença, neste caso por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615.º , número 1, alíena d) do Código de Processo Civil, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

XIII- Para além do mais, não tendo sido a escritura pública e o seu teor impugnadas pelas 1.ª e 2.ª ré, a mesma reveste-se de força probatória plena nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil, devendo prevalecer sobre todo e qualquer outro meio probatório, designadamente, a prova testemunhal nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

XIV- Por isso, os depoimentos concertados e sincronizados que referem, ao contrário das declarações contemporâneas à outorga do documento autêntico, que haveria uma obrigação da 2.ª ré pagar dividas futuras da 1.ª ré é, além de nula como se expôs, como ainda erroneamente apreciada pelo Tribunal em face da fragilidade argumentativa e factual que a poderia sustentar.

XV- Com efeito, difícil se torna aceitar que em Março de 2017 as 1.ª e 2.ª rés adivinhassem que passado cerca de 2 anos haveria um credor que pediria a insolvência da 1.ª ré, o que obrigou a 2.ª ré a pagar a divida da 1.ª.

XVI- Não faz qualquer sentido, nem isso ficou por qualquer forma convencionado, que a 2.ª ré tivesse intenção de cumprir as obrigações da 1.ª ré que apenas se venceram e foram accionadas em data muito posterior e em circunstâncias impossíveis de conhecer.

XVII- Se fosse o intuito da 1.ª ré pagar as dividas aos seus credores, poderia tê-lo feito sem subterfúgios e sem ter que transmitir os únicos bens que estavam desonerados para a sociedade depósito da família do sócio gerente e que implicou o pagamento de impostos sobre transmissões onerosas de imoveis e imposto de selo na ordem dos €19000,00 (dezanove mil euros).

XVIII- Por isso, se a 1.ª ré tivesse vontade – e nunca teve- de pagar as suas dividas poderia tê-lo feito facilmente sem que tivesse a necessidade de passar todo o seu património para a sociedade que era “gerida” pela filha do sócio gerente da 1.ª ré, que ambas as sociedades controlava como se denota no depoimento de parte da 2.ª ré e nos depoimentos do Sr. KK e LL.

XIX- Imperativo se torna concluir que à data de 10 de Março de 2017, a 2.ª ré visava receber os imóveis unicamente com o intuito de esvaziar a 1.ª ré de património desonerado, o que sucedeu de acordo com a soberana determinação do Sr. KK, uma vez que, nesta data não vislumbraram, nem poderiam meridiana ou...

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