Acórdão nº 977/19.2T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | PAULO ALMEIDA CUNHA |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1.
Decisão recorrida No âmbito do processo n.º 977/19...., que corre os seus termos no Juízo Local Criminal ..., foi deduzida acusação pelo Ministério Público imputando ao arguido AA a prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.205.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal.
O assistente BB aderiu integralmente à referida acusação e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido pedindo a respectiva condenação: a) no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 15.137,00; b) no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00; c) e no pagamento dos juros de mora legais desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
Após a realização do julgamento, foi proferida sentença, datada de 14.06.2022, que absolveu o arguido AA da prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.205.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, bem como o absolveu totalmente do pedido de indemnização formulado pelo demandante BB.
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Recurso Inconformado com esta sentença, o assistente e demandante civil BB recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): (…) I.
O presente recurso surge na sequência da Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, a qual absolveu o Arguido AA.
II.
O Recorrente não se pode conformar com o teor da mesma na medida em que peca, manifestamente, pela parca fundamentação por parte do Tribunal a quo, em total arrepio do Direito, da Lei e da Justiça.
III.
Como se sabe, o tribunal a quo, julgou como provado que o Arguido trocou, a fechadura do Imóvel arrendado ao Recorrente, sem qualquer autorização por parte deste, tendo de seguida arrendado o imóvel a terceiros com todos os bens daquele.
IV.
Agindo o Arguido com manifesto dolo e perfeito conhecimento que tal conduta era, e é, criminosa, tendo, por isso, praticado um crime de Violação de Domicílio ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo Artigo 190.º do Código Penal, tal como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/12/1988, C.J Ano XIII, vol. 5.º, pág. 148.
V.
Impedindo o Recorrente de utilizar/usufruir do imóvel que arrendou, o que, por si só, reflete uma privação do uso tipificando um crime de furto,p.
e p.
pelo Artigo 203.º do Código Penal.
VI.
E isto porque, para queseverifiqueumasituaçãodefurto, basta,tão sóe apenas, que a coisa deixe de estar no domínio do seu possuir e passe a estar no domínio do agente da infração, in casu o Arguido.
VII.
Aliás, o Arguido, aqui Recorrido, tinha perfeito conhecimento de que não podia arrombar a casa de habitação do Recorrente, que os bens lá existentes não lhe pertenciam, assim como, que não podia arrendar aquele imóvel.
VIII.
Sendo, portanto, e a todas as luzes, inusitadas as afirmações proferidas pelo Tribunal aquo, no sentido de que,o Arguido apenas agiu “com intenção de reaver desse modo a posse do imóvel” ou de que tal conduta apenas representa um despejo ilícito.
IX.
Conclusões estas manifestamente efabuladas por parte do Tribunal a quo, representando um total arrepio dos mais elementares princípios que norteiam o Direito e, acima de tudo a Justiça.
X.
Tal raciocínio por parte do Tribunal a quo, é a todos os títulos demagógico e perigoso se for aceite.
XI.
As condutas do Arguido, apenas podem ser vistas/consideradas como ilícitos criminais, pois qualquer homem médio, sabe que não se pode introduzir em casa alheia sem consentimento de quem a usufruiu legalmente e que em tais circunstâncias essa conduta, por ser proibida é punida por lei.
XII.
Ora, não é pelo facto do Arguido apresentar uma narrativa que esta se passa a impor ao julgador, e este venha a decidir nessa conformidade de um modo puro e simplesmente subjetivo.
XIII.
E diz-se isto porque, não colhe fundamento a afirmaçãofeitapelo Tribunal a quo, no sentido de que o Contrato de Arrendamento celebrado entre o Arguido e o Recorrente tenha cessado quando ele celebrou um novo contrato, pois um contrato de Arrendamento só se considera resolvido nos termos legalmente permitidos.
XIV. Por outro lado, o Tribunal a quo, aparenta alguma confusão na sua Sentença, e isto porque, da mesma consta que a substituição da fechadura do imóvel em pleno decurso do contrato de arrendamento, foi ilegítima.
XV. E como tal,representauma infraçãocriminal,devendoserjulgadaepunidanessa conformidade.
XVI. Pois como supra se referiu, o Recorrente ficou privado do seu imóvel e dos seus bens.
XVII. Não podendo o Arguido sair impune de tais condutas.
XVIII. Até porque a violação da casa de moradia/habitação, está constitucionalmente consagrada, tendo o direito penal a função de sancionar tais violações.
XIX.
Devendo, nesta conformidade, a Sentença recorrida ser inteiramente revogada.
XX.
Todavia, as condutas ilícitas do Arguido não ficam por aqui, como se sabe foi-lhe, ainda, imputada apráticade um crime de abusode confiança (agravado)previsto e punido pelo Artigo 205.º n.º 1 e 4 al.
A), com referência ao Artigo 202.º al. A), ambos do Código Penal.
XXI.
Que, apesar de não ser a mais correta, a realidade dos factos é que o mesmo, apropriou-se, sem mais e de forma violentamente ilegítima, dos bens pertencentes ao Recorrente.
XXII. Bem sabendo, que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei criminal.
XXIII. Nessa medida, impunha-se ao Tribunal a quo, ter procedido a uma alteração da qualificação jurídica dos factos essenciais e relevantes, pois como se sabe, o juiz do julgamento é dotado de total liberdade e independência face à subsunção jurídica efetuada pela entidade acusadora, no caso, pelo Ministério Público.
XXIV. Sucede, porém, que tal não sucedeu, acabando o Tribunal a quo por absolver o Arguido.
XXV. Quando, na verdade, se impunha uma concretização da relação que se tem de estabelecer entre caso e norma, na procura do direito justo para a solução do caso concreto, o que, in casu, culminaria com a condenação do Arguido.
XXVI. Tudo isto a significar que o Tribunal a quo, deveria, como não podia deixar de fazer, nos termos do Artigo 358.º n.º 3 do Código de Processo Civil, alterar a qualificação jurídica dos factos essenciais constantes da Acusação.
XXVII. Julgando, o Arguido como autor, da prática, do crime de Violação de Domicílio ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo Artigo 190.º do Código Penal, em concurso real com o crime de furto, p.
e p. pelo Artigo 203.º do Código Penal.
XXVIII. O que,inexplicávelesurpreendentemente,não ocorreu, representando,talfacto uma nulidade a que alude o artigo 120.º n.
º 2 al.
d) do C.
P.
P, por omissão de diligência essencial à realização da justiça material.
XXIX. Nulidade essa que expressamente se invoca para todos os efeitos legais dela decorrentes.
XXX. A qual constitui uma violação ao Princípio Constitucional consagrado no Artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa, invocando-se, desde já e expressamente, a Inconstitucionalidade para todos os efeitos legais.
XXXI. Pelo que, deverá ser ordenado, pelo Tribunal a quo, a notificação a que alude o n. º1 do Artigo 358.º do C.P.P, ex vi Artigo 358.º n.º 3.
XXXII. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão, XXXIII. Fazendo, dessa forma, a tão esperada, sã e devida justiça material.
XXXIV. Ora, quanto à factualidade dada como não provada na sentença recorrida, sempre cumpre mencionar que não entende o Recorrente, o que conduziu o Tribunal a Quo a dar como não provados tais factos, XXXV. Pois, da matéria probatória produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, não se consegue alcançar tal desfecho.
XXXVI. Em primeiro lugar, e no que concerne ao ponto 2.1. da factualidade dada como não provada, o Tribunal a Quo, tal como já alegado em sede de motivação de Recurso, desconsiderou, por completo, toda a prova documental carreada para os autos, XXXVII.
Porquanto, face às faturas já juntas aos autos, nunca por nunca poderia ter dado como não provados os valores dos bens móveis e eletrodomésticos subtraídos pelo Arguido; XXXVIII.
Na medida em que aquelas comprovam, efetivamente, o valor de aquisição dos bens em causa.
XXXIX. Com efeito, não podia o Tribunal a Quo, como erradamente fez, dar como não provado o ponto 2.
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, dessa parte da Sentença proferida pelo Tribunal a Quo, XL.
Pelo que, se tem de julgar como provado o que a decisão recorrida deu como não provado quanto a esta matéria.
XLI.
De seguida, e relativamente ao ponto 2.2. da factualidade dada como não provada, o Tribunal a Quo deu como não provado que em finais de 2018 o Arguido deu de arrendamento a fração e causa, por curtos períodos de tempo a terceiras pessoas que lá passaram a residir, utilizando os eletrodomésticos, os móveis, os eletrodomésticos e equipamentos pertencentes ao Assistente, ora Recorrente.
XLII.
Todavia, jamais poderia suceder, XLIII.
Porquanto, resultadodepoimento prestado porGuilherme CC,atual inquilino do Imóvel, que quando celebrou o contrato de Arrendamento com o Arguido, antes de ir para lá residir, viviam lá 02 (Dois) homens.
XLIV. Assim, é facto notório que não carece de alegação nem de prova que jamais o Tribunal a Quo poderia dar o ponto 2.2 como não provado.
XLV. Porquanto, como se depreende das declarações da referida Testemunha, o Arguido, desde de finais de 2018, antes de celebrar o Contrato de Arrendamento com o novo inquilino, deu de arrendamento o imóvel a terceiras pessoas, que passaram a utilizar os bens pertencentes ao Recorrente.
XLVI. Isto tudo a revelar, clara e indubitavelmente, que, conforme resulta das declarações prestadas pela sobredita testemunha, quanto à utilização ilícita do imóvel por parte do Arguido, XLVII. Não podia, como erroneamente fez o Tribunal a Quo, ter dado como não provado, como foi, o facto constante do ponto 2.2 da Sentença Recorrida, XLVIII. Motivo pelo qual, se tem de julgar como provado o que a decisão recorrida deu...
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