Acórdão nº 871/19.7T9VNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 871/19...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foram submetidos a julgamento os arguidos: 1.1.

AA, casado, chefe de cozinha, nascido a .../.../1957, em ..., ..., filho de BB e de CC e residente na Rua ..., ..., ...; e 1.2.

DD, casado, fiel de armazém, nascido a .../.../1989, em ..., ..., filho de DD e de EE e residente na Rua ..., FF, ....

*2.

Em 30/10/2020 foi proferida a sentença que consta de fls. 123/132, em cujo âmbito:

  1. Foi o arguido AA absolvido da prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo Artº 355º do Código Penal, em concurso aparente, com a autoria de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo Artº 348º, nº 2 do Código Penal, por referência ao Artº 22º, nº 2, do Decreto-Lei nº 54/75, de 12.02; b) Foi o arguido DD absolvido da prática, em co-autoria, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo Artº 355º do Código Penal; c) Foi o arguido DD condenado pela prática em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo Artº 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco Euros), o que perfaz o montante global de € 300,00 (trezentos Euros).

    *3.

    Inconformados com tal decisão, dela recorrerem para este TRG o arguido DD e o Ministério Público: o arguido DD visando a sua absolvição da prática do crime de desobediência; e o Ministério Público pugnando pela condenação de ambos os arguidos pela prática do crime de descaminho.

    *4.

    Apreciando tais recursos, pelo acórdão deste TRG de 27/09/2021, constante de fls. 170/175, entendeu-se padecer a aludida sentença do vício previsto no Artº 410º, nº 2, al. b), do C.P.Penal, tendo-se determinado “o reenvio (parcial) do processo para novo julgamento o qual abarcará os factos provados sob os nºs 1, 2 e 3 e os não provados da al. d)”.

    *5.

    Baixados os autos à primeira instância, foi dado cumprimento ao determinado e, na sequência da ulterior pertinente tramitação processual, em 14/03/2022 foi proferida a sentença que consta de fls. 201 / 210 Vº, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.

    ): “Pelo exposto, o tribunal decide:

  2. Absolver o arguido AA, da acusação da prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º do Código Penal, em concurso aparente, com a autoria de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art. 348º, nº 2 do Código Penal, por referência ao art. 22º, nº 2 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12.02; b) Absolver o arguido DD, da acusação da prática, em co-autoria, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º do Código Penal; c) Condenar o arguido DD, pela prática em autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o montante global de 300,00€ (trezentos euros); (…)”.

    *6.

    Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 213 / 222 Vº, cuja motivação a Exma. Procuradora da República subscritora remata com as seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1. O Ministério Público não pode concordar da decisão do tribunal que entendeu absolver o arguido AA, da prática, em co-autoria material, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355.º do Código Penal, em concurso aparente, com a autoria de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 2 do Código Penal, por referência ao art. 22.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12.02; absolver o arguido DD, da acusação da prática, em co-autoria, de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355.º do Código Penal e condenar o arguido DD, pela prática em autoria material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

    2. Em nosso entender a prova produzida impunha a condenação de ambos os arguidos pela prática de crime de descaminho, tal como foram acusados.

    3. O tribunal, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento, e erro notório na apreciação da prova, violando claramente, o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal e 26.º e 355.º do Código Penal.

    4. Não podemos concordar com o sentido atribuído pelo tribunal quando refere que é forçoso que a conduta do arguido revele uma intenção clara de, com carácter definitivo, impedir ou inviabilizar o acesso aos bens pelo poder público.

    5. Atentos os pontos 12. a 21. da matéria de facto dada como provada, impunha-se concluir que o arguido DD praticou o crime de descaminho. Na verdade, não foi possível efectuar a remoção do veículo penhorado, no âmbito daqueles autos, porque este foi subtraído / desapossado (descaminhado) pelo arguido (tendo vindo a ser novamente apreendido à ordem de outro processo).

    6. Nos autos, foram dados como provados factos objectivos e concretos que consubstanciam uma verdadeira acção directa sobre a coisa e dos quais se extrai a intenção de desapossar. Existe descaminho.

    7. Os fundamentos invocados pelo tribunal a quo são válidos para situações em que há apenas uma omissão /ou non facere.

    8. O tribunal, com o devido e merecido respeito, não considerou correctamente a conduta penal típica de subtração, violando, por isso, a norma contida no art. 355.º do Código Penal.

    9. Relativamente à conduta do arguido AA, importa relembrar que a nossa lei começa por fazer assentar a co-autoria num acordo, mas bastará a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime. Tal acordo poderá ser tácito.

    10. Considerando os factos provados 1. a 11., não conseguimos perceber como o tribunal veio a concluir não ter vislumbrado qualquer conjugação de esforços entre os arguidos para impedir a apreensão do veículo e que o arguido DD actuou por sua conta e risco.

    11. Então que interesse teria o arguido DD em remover o veículo e arriscar-se, como arriscou, a ser arguido num inquérito criminal, não fosse por se encontrar a actuar em conjugação de esforços e vontades com o tio AA? 12. Relembremos que o arguido AA estava sozinho no local e, de repente, surge o arguido DD que se dirigiu directamente ao veículo e removeu-o, sem falar com ninguém, dando a entender que “sabia muito bem ao que ia” e o que ia fazer.

    13. Ora, AA, estando presente, nada fez para impedir a remoção pelo seu sobrinho.

    14. Assim, afigura-se-nos lógico e racional que os arguidos actuaram em conjugação de esforços e vontades.

    15. Tais conclusões são inferências lógicas, partindo do princípio de que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal.

    16. Por outro lado, o tribunal recorrido colocou o acento tónico no facto de, apesar de saber que o veículo se encontrava penhorado, o arguido AA desconhecer que não o podia conduzir e que, ao fazê-lo estava a desobedecer a uma ordem, pois não terá sido devidamente informado pelo agente de execução, a respeito.

    17. Na verdade, frisou o tribunal a quo a eventual falta de comunicação regular, por banda do agente de execução GG, das “legais advertências” decorrentes do ato de penhora do veículo e da nomeação enquanto fiel depositário, para concluir que o arguido AA não terá ficado devidamente ciente das implicações decorrentes da sua violação; 18. Olvidando, contudo, o disposto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12.02, segundo o qual (nº 1) o ato de penhora envolve a proibição de o veículo circular (algo que, aliás, é do conhecimento geral), motivo pelo qual a violação da referida proibição faz o depositário incorrer num crime de desobediência qualificada (pelo que nem sequer era necessária qualquer cominação expressa por funcionário nesse sentido; sendo certo que o desconhecimento da lei não pode aproveitar ao prevaricador), 19. Pelo que, ainda que entendesse por bem absolver da prática de um crime de descaminho, sempre deveria condenar pela prática de um crime de desobediência qualificada (recorde-se que o tribunal deu como provado que este arguido conduziu o veículo penhorado – vide ponto 8 dos factos provados).

    20. Pelo exposto, o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 26º, 355º do Código Penal, 348º, nº 2 do Código Penal, 22º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e 127º do Código de Processo Penal.

    Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que condene os arguidos pela prática de um crime de descaminho, tal como seguiram acusados, assim se fazendo JUSTIÇA.”.

    *7.

    Na 1ª instância nenhum dos arguidos se apresentou a responder ao recurso.

    *8.

    O Exmo. Procurador da República junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que consta de fls. 226 / 227 Vº, perfilhando a posição do Ministério Público na 1ª instância, em abono da qual adianta pertinentes considerações jurídicas, as quais termina nos seguintes moldes (transcrição): “Em conclusão: o recurso deverá ser julgado procedente e consequentemente os arguidos serem condenados, em co-autoria, pela prática de um crime de descaminho p. e p. pelo art.º...

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