Acórdão nº 57/21.0T8MRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório C. G.

, viúva, residente na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de Montalegre, cabeça de casal da Herança deixada por F. C. (NIF .........), em sua representação, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1.

C. L.

, 2.

H. M.

, 3.

D. F.

, 4.

H. L., UNIPESSOAL, LDA., NIPC ………, Formulando os seguintes pedidos: A.

Ser o negócio de doação celebrado entre os Réus declarado nulo, por simulação, enquanto declarado como doação, devendo ordenar-se o cancelamento do respectivo registo, devendo os Réus restituir o que houverem prestado, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º1 do Código Civil; B.

Ser declarado válido o negócio jurídico, enquanto querido como de compra e venda, realizado entre os Réus, devendo ser reconhecido à Herança de F. C., que a ora Autora representa na qualidade de cabeça de casal, o direito de preferência sobre a mesma, e, consequentemente, devendo a Herança de F. C. substituir a posição contratual da 4ª Ré no mesmo, procedendo ao pagamento do preço de 10.000,00€ (dez mil euros) e correspondentes encargos.

C.

Condenar-se os Réus ao pagamento de todas as custas e demais encargos com o processo.

Alegam, em síntese, o seguinte: a) que em 29 de Junho de 2018, os 1ª, 2º e 3ª Réus, através de escritura pública doaram à 4ª Ré, um prédio rústico sito no Lugar da …, o qual se encontrava registado a favor de F. G., no estado de casado com a 1ª Ré, sob o regime de separação de bens.

  1. F. G. faleceu no dia - de Fevereiro de 2018, tendo deixado como seus herdeiros únicos a 1ª Ré, o 2º Réu e a 3ª Ré.

  2. Tendo estes celebrado tal escritura de doação na qualidade de herdeiros de F. G., d) E tendo as partes atribuído o valor de 100,00€ (cem euros) à mencionada doação.

  3. A Herança de F. C., de qual a Autora é cabeça de casal e herdeira, é proprietária e legítima possuidora de um prédio rústico sito em Rabinho, com o artigo matricial ..., que é confinante ao prédio objecto do negócio mencionado supra, com o qual confronta; e o prédio doado e em análise nos presentes autos, confronta a sul, em quase toda a sua extensão, com o mencionado prédio propriedade da Herança de F. C. e, numa pequena extensão, com o prédio de J. A..

  4. Assim, a Herança de F. C. teria direito de preferência, caso procedessem os 1º, 2º e 3º Réus à venda do prédio rústico sub judice.

  5. Todavia, por forma a obstar a esse direito de preferência, os 1º, 2º e 3º Réus decidiram celebrar o negócio de doação supra mencionado, sendo que o que efectivamente pretendiam realizar através daquela escritura era um negócio de compra e venda pelos 1º, 2º e 3ºs Réus à 4ª Ré.

    Os réus contestaram, defendendo-se por excepção e por impugnação.

    Por excepção, vêm arguir a ineptidão da petição inicial, e a caducidade da acção de preferência.

    E por impugnação, afirmando desconhecer ou ser falso muito do alegado na petição inicial.

    Chegando à fase de saneamento dos autos, o Tribunal dispensou a realização da audiência prévia, julgou não verificada a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção de preferência deduzida pelos réus e, em consequência, absolveu os réus do pedido deduzido pela Herança aberta por óbito de F. C. sob a alínea B).

    Mais, quanto ao pedido de ser declarada a nulidade do negócio simulado, o Tribunal decidiu julgar verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir da autora, e consequentemente, absolveu os réus da instância.

    Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

    Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

    Nos presentes autos foi proferida sentença pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo no sentido de julgar verificada a excepção peremptória de caducidade procedente e, ainda, a excepção de conhecimento oficioso de falta de interesse em agir, e, em consequência, absolveu os Réus do pedido formulado pelos Autores, ora recorrentes.

    2.

    Contudo, e com o devido respeito, que, aliás, é muito, na decisão recorrida não fez o Meritíssimo Juiz a quo a mais correcta e adequada interpretação para verificação da procedência da excepção de caducidade.

    3.

    A presente acção, s.m.o., não se trata de uma acção de preferência, nos termos do disposto no art.º 1410.º do C. Civil, tratando-se, ao invés, de uma acção declarativa comum, de nulidade de negócio por simulação.

    4.

    Ou seja, a presente acção serve para peticionar a nulidade do negócio celebrado entre os 1º, 2º e 3º RR. com a 4ª Ré, o qual, reitera-se, se trata de um negócio simulado, celebrado por forma a obstar à aquisição de tal prédio rústico por parte da Autora (que teria sempre direito de preferir num negócio de compra e venda).

    5.

    Ora, verificando-se e provando-se o negócio simulado, o mesmo é nulo nos termos do disposto no art.º 289.º do Código Civil, devendo ser restituídos os seus efeitos à situação originária.

    6.

    Pelo que, o que a Autora pretende e peticiona nos presentes autos é a declaração de nulidade do negócio de doação celebrado entre os 1º, 2º e 3º Réus com a 4ª Ré, por simulação relativa, devendo, como consequência estes restituírem tudo o que houverem prestado (art.º 289.º, n.º1 do C. Civil), implicando necessariamente que os efeitos desse negocio nulo retroajam à data da sua celebração, ou seja, ao dia 29.06.2018.

    7.

    Apenas após a verificação dessa nulidade se considerará que possa a ora Autora vir a preferir no negócio jurídico, conforme vertido no pedido B da petição inicial, sendo esse o entendimento de grande parte da jurisprudência, mormente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-02-2002, proc. n.º 01B4168, Relator: Neves Ribeiro: 8.

    “O Autor tem o direito de preferir na compra do identificado prédio, pelo que substitui, ocupando a correspondente posição contratual, o Réu E, no aludido contrato de compra e venda que as partes quiseram verdadeiramente celebrar, pagando o preço de 15.000.000$00 e as correspondentes despesas de escritura.” 9.

    “Tendo os contraentes celebrado entre si, por escritura pública, negócio jurídico que intitularam de "doação" de bem imóvel, quando o que realmente quiseram foi celebrar entre si um negócio "jurídico de compra e venda", assim tendo agido com o intuito de frustrarem a exercitação de um direito de preferência por parte do arrendatário desse imóvel, deve considerar-se um tal negócio como nulo entre os mesmos contraentes como doação (art. 289, n. 1 do C.Civil), mas, todavia, válido como efectiva "compra e venda" em relação ao preferente.” 10.

    Ou seja, a ora Autora poderia arguir a nulidade a todo o tempo (286º do C. Civil), sendo que, sentido nenhum faria que, mesmo nesses casos, tivesse o eventual preferente que, na acção de nulidade intentada, cumprir requisitos que na mesma acção não são exigidos, mas antes apenas exigíveis numa acção completamente díspar (acção de preferência).

    11.

    No mais, as doações não comportam os elementos essenciais da venda. Assim, enquanto estes não forem determinados e fixados, não existe o direito de preferência, nem o mesmo poderia ser exercido.

    12.

    Apenas após ser provado qual o valor que efectivamente esteve na base no negócio de compra e venda, ou seja, apenas perante o conhecimento e fixação das condições essenciais apuradas na presente acção e após o trânsito em julgado da sentença, é que a Autora poderá preferir no negócio (apurando que se encontre o preço), e, consequentemente, apenas a partir desse data é que se iniciará o prazo de quinze dias para proceder ao depósito do preço.

    13.

    Apesar de a Autora adiantar um preço (10.000,00€) na sua petição inicial, esse apenas seria um valor que hipoteticamente mesma estaria disposta a pagar, entendendo ser o que efectivamente o prédio rústico valeria, e que desconfia poderá ter sido o verdadeiro valor do negócio.

    14.

    Nesta senda, o que por analogia se aplica à caducidade da acção de preferência e ao prazo de seis meses para o exercício do direito, e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.11.2010, Proc. n.º 381/03.4TBVLN.G1.S1, Relator: Cunha Barbosa: 15.

    “IV -A exigência do depósito do preço no início da acção de preferência –no prazo de 15 dias após a instauração da acção (art. 1410.º, n.º 1, do CC) –tem subjacente a “ideia de garantir, na medida do possível, a utilidade real da acção de preferência, pondo o alienante a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente».” 16.

    “V- Não tendo sido dado conhecimento do negócio jurídico nem, consequentemente, dos seus elementos essenciais ao possível preferente para que pudesse exercer o seu direito, e alegando este que a transmissão do direito de propriedade foi concretizada através de doação relativamente à qual ocorre simulação, deixa o transmitente de merecer a protecção visada com aquela exigência do prévio depósito do preço.VI -A manter-se aquela exigência de depósito do preço, o possível preferente ver-se-ia confrontado com a impossibilidade de lhe dar cumprimento, ficando-lhe vedada a possibilidade de acautelar o seu direito de preferência.” 17.

    “VII -Assim, afigura-se razoável e justo que, no caso de se arguir a simulação do negócio jurídico (que não apenas do preço), cuja acção simulatória se cumule com a acção de preferência, tendo em conta a inexistência de qualquer referência ou declaração ao preço (aparente ou real) fixado para a venda dissimulada, o prazo de 15 dias para depósito do preço deve ser contado a partir do trânsito da sentença em que se julgue procedente a invocada simulação.” 18.

    Motivo pelo qual, nunca se poderia verificar a excepção de caducidade da acção de preferência, de falta de...

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